Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 21/10/2014
As políticas de mobilidade social implementadas pelo governo Lula, com o
abandono dos fundamentos econômicos do governo FHC, perderam sustentabilidade por causa do baixo crescimento
Uma das maiores falácias dessa
campanha eleitoral é a suposta polarização entre trabalhadores e
patrões, pobres e ricos, esquerda e direita, a partir de uma perspectiva
ideológica com que se procura caracterizar a disputa entre a presidente
Dilma Rousseff (PT) e Aécio Neves (PSDB). Na verdade, trata-se de uma
velha estratégia do PT para mobilizar a militância, que estava
desmotivada por causa das denúncias de corrupção envolvendo o partido,
principalmente depois da Operação Lava-Jato.
Sun Tzu, o famoso
general chinês da Arte da guerra, já dizia que um exército encurralado,
sem uma rota de fuga, se torna muito mais perigoso — porque lutará até a
morte. É mais ou menos o que está acontecendo com a militância petista
encastelada nos órgãos federais, empresas estatais e fundos de pensão.
Até o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva faz a campanha do PT nos
estados com uma virulência que não condiz com um ex-ocupante da
Presidência. Teme ter a imagem “desconstruída”, da mesma forma como o
seu antecessor.
Quem acompanha os militantes petistas nas redes
sociais tem a sensação de que o Brasil vive um processo revolucionário e
que haveria uma contra-revolução em marcha. O que se passa não tem nada
a ver com isso, muito pelo contrário. Não há ameaça de retrocesso; há
uma estagnação. O ímpeto transformador das políticas de transferência de
renda do governo Lula, com o Bolsa Família, nunca teve nada de
revolucionário, nem reformista. Trata-se tão somente de uma política
social-liberal de focalização dos gastos sociais nas parcelas mais
pobres da população, em detrimento das políticas de bem-estar social na
Previdência, na saúde, na educação, nos transportes públicos etc. —
essas, sim, de caráter social-democrata.
Não há demérito nisso,
pelo contrário: a escala de benefícios concedidos às populações mais
pobres — em torno de 13,5 milhões de famílias — contribuiu não só para
melhorar a vida dessas pessoas, como também para ampliar o mercado
interno. Mais importantes para isso, porém, foram a recuperação do
salário mínimo e as aposentadorias rurais, que representaram uma
formidável injeção de recursos nas regiões mais pobres do país,
principalmente no Norte e no Nordeste. Além disso, o chamado bônus
demográfico — a redução de número de dependentes (crianças e idosos sem
renda) em relação à população economicamente ativa — ajudou a elevar a
renda familiar.
Avanço ou estagnação
Nada
disso seria possível sem o Plano Real, lançado ainda durante o governo
de Itamar Franco, e a estabilização da economia, na gestão Fernando
Henrique Cardoso, que também enfrentou com coragem a crise fiscal do
Estado brasileiro. Esse problema demandou, além das privatizações, uma
mudança de mentalidade dos gestores públicos em relação às contas de
estados e municípios. A aprovação da Lei de Responsabilidade Fiscal foi a
contrapartida dos políticos brasileiros à “securitização” pela União
das dividas dos demais entes federados. Isso explica por que a dívida
pública federal aumentou exponencialmente no período.
A lógica
que opõe de forma atemporal o governo de Fernando Henrique ao de Lula,
para além do que realmente separa uma gestão de outra, é sectária e
agride o bom senso, uma vez que enfrentaram conjunturas mundiais
diferentes e cumpriram tarefas da agenda nacional também diversas. O
mesmo já não se pode dizer do governo de Dilma Rousseff, que recebeu o
Palácio do Planalto com o país crescendo 7,5% ao ano, com a maior base
de sustentação no Congresso de que se tem notícia e apoio empresarial
sem precedentes. Entre amigos, o ex-presidente Lula cansou de se queixar
da petista, que, em três anos e meio de mandato, jogou tudo isso pela
janela. Não é à toa que, agora, enfrenta tantas dificuldades para se
reeleger, o que seria mais natural.
Na verdade, o
experimentalismo econômico e o excesso de intervenção estatal nas
relações de mercado durante o governo Dilma Rousseff, além de sua
notória inabilidade para contornar os obstáculos políticos , fizeram o
país desandar. Estamos com a inflação raspando o teto da meta, taxa de
crescimento quase zero e uma crise de confiança dos investidores
privados no governo. Tivesse Dilma Rousseff mantido os fundamentos da
economia e negociado com a oposição no Congresso, teria feito um governo
mais bem-sucedido.
O xis da questão nesta eleição é que as
políticas de mobilidade social implementadas pelo governo Lula, com o
abandono dos fundamentos econômicos do governo Fernando Henrique
Cardoso, perderam sustentabilidade por causa do baixo crescimento. Além
disso, a agenda do governo Dilma no primeiro mandato permanece
inconclusa: os problemas de infraestrutura demandam investimentos
privados e a saúde, a educação, os transportes, a segurança e a
Previdência dos trabalhadores do setor privado exigem um salto de
qualidade.
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