Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 05/10/2014
Nas campanhas
eleitorais, o marketing político muitas vezes recorrre à mistificação e à
mentira para favorecer determinado candidato. Como lidar com isso?
Nas eleições
deste ano, 142,8 milhões de eleitores estão cadastrados na Justiça
Eleitoral. São cidadãos aptos a escolher no dia de hoje o presidente da
República, os governadores e senadores, nas eleições majoritárias, e os
deputados federais e estaduais, nas proporcionais. Esses números
representam a maior democracia de massas do mundo, levando-se em conta
outros países das dimensões continentais — como Estados Unidos, México,
Rússia, Índia e China. Deste total, 354.184 pessoas devem votar no
exterior.
O imponderável nas eleições brasileiras é representado
por esse enorme contingente humano, que tende a votar segundo a sua
realidade e não de acordo com o que gostariam aqueles que detêm o poder,
mesmo contingenciado pela atuação desmedida das estruturas de Estado na
eleição. Vejam, por exemplo, a privilegiada utilização dos Correios na
distribuição de material de campanha da presidente Dilma Rousseff,
candidata do PT à reeleição, e a escandalosa propaganda dos programas
sociais do governo na Voz do Brasil, cadeia oficial da rádio criada no
Estado Novo, na semana que antecedeu a eleição.
A escala
eleitoral explica as dificuldades de as pesquisas de opinião captarem,
mesmo na margem de erro, os resultados finais do processo eleitoral,
como ocorreu no primeiro turno do pleito de 2010, que não foram
previstos em quase todos os levantamentos. O povo astucia coisas e está
cada vez mais experiente, em razão dos sucessivos pleitos realizados em
regime de plena democracia, desde 1986. Já são sete disputas
presidenciais, cujos desfechos ficaram à margem das grandes estruturas
de poder e partidárias em pelo menos três: 1989, com Collor de Mello;
1994, com Fernando Henrique Cardoso; e 2002, com Luiz Inácio Lula da
Silva.
Pode-se criticar a política, os partidos e os políticos
brasileiros, mas não se pode negar as virtudes de um sistema eleitoral
inclusivo, que garante eleições livres, diretas e limpas para os cargos
mais importantes do Executivo e do Legislativo. Há controvérsias sobre o
voto obrigatório: os derrotados costumam dizer que o povo não soube
votar; setores radicais de esquerda e de direita abominam o sufrágio
universal, que neutraliza as ideologias políticas. Vivemos numa
democracia, e o voto depositado na urna é o que vale para o resultado
final da eleição. Temos um sistema eleitoral que até hoje se demonstrou à
prova de fraudes.
A negação dos fatos
Mas
nem tudo são rosas no processo eleitoral brasileiro. Existe abuso de
poder econômico e uso indevido da máquina administrativa, há apatia de
parcela significativa dos eleitores. Houve, sobretudo, muita manipulação
de informações e trucagem na campanha eleitoral. Nada disso invalida o
que foi afirmado acima, mas é preciso combater as mistificações
eleitorais.
A filósofa judia alemã Hannah Arendt, em 1967,
denunciou a manipulação num ensaio famoso, intitulado Verdade e
Política. Ela viveu na França e nos Estados Unidos e testemunhou
acontecimentos importantes do século passado, como as manifestações de
Maio de 1968, na França; e a Guerra do Vietnã, no Sudeste Asiático; o
julgamento do criminoso nazista Adolf Otto Eichmann, em Jerusalém; e os
assassinatos do presidente John F. Kennedy e do líder negro Martin
Luther King, nos Estados Unidos.
Arendt criticou a maneira como
os fatos históricos são distorcidos quando são politizados e usados
para justificar ou legitimar ações políticas. Na diplomacia e nas
guerras, as mentiras sempre foram artifícios empregados com relativo
sucesso. Mesmo nas democracias ocidentais pós Segunda Guerra Mundial,
porém, esses artifícios passaram a ser utilizados para manipulação de
massas. Deixaram de ser monopólio dos regimes totalitários. Relatórios
falsos foram usados para distorcer fatos e opiniões, e legitimar a
intervenção norte-americana no Vietnã e, mais recentemente, a invasão do
Iraque. Verdades históricas são transformadas em mera opinião para
mitigar a realidade, como se tentou fazer com o Holocausto e ainda se
faz em relação ao Vaticano quanto ao fascismo.
Os eventos ocorrem
e são registrados como História — que nada mais é do que a atividade
dos homens em busca de seus fins —, mas a verdade desses eventos pode
ser distorcida para justificar uma ação política particular, garantir a
revelação de fatos num momento mais conveniente, assegurar a resposta
desejada em momentos de crise e reescrever a história para favorecer
certas pessoas ou priorizar certos acontecimentos.
Nas campanhas
eleitorais, o marketing político muitas vezes recorrre à mistificação e à
mentira para favorecer determinado candidato. Como lidar com isso?
Votando livremente, de acordo com experiência vivida. O bom senso do
eleitor é o único antídoto contra o senso-comum construído sobre
falsidades. Ninguém vai à urna puxado pelo nariz.
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