Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 16/10/2014
Até agora, Aécio manteve-se a salvo dos
duros golpes de Dilma. Restam ainda nove dias de campanha eleitoral,
nos quais a pancadaria pode se tornar ainda mais intensa.
A luta
(Companhia das Letras), de Norman Mailer, com 232 páginas, é um daqueles
pequenos livros de tirar o fôlego. Uma obra-prima do jornalismo e, ao
mesmo tempo, um belo exemplar da literatura norte-americana. É também um
case de gerenciamento de crise e uma lição de marketing político. A
edição brasileira é uma tradução de ninguém menos do que Cláudio Abramo.
Trata-se, na verdade, de uma grande reportagem sobre aquela que foi
chamada a luta do século passado, pois essa história se passou há 40
anos. É a seguinte:
Muhammad Ali era o campeão mundial dos
pesos-pesados, mas perdeu o título porque se recusou a lutar no Vietnã.
Em 1974, o empresário Don King, que era o mandachuva do boxe
norte-americano, ofereceu-lhe uma chance de recuperar o título, que
então pertencia a George Foreman. Seria numa luta monumental, que
aconteceria em Kinshasa, a capital do Zaire. Mailer foi cobrir essa
luta. Acompanhou os treinamentos e narrou com brilhantismo seus
detalhes.
A ferocidade de Foreman, a resistência de Ali, o furor
da mídia, a confusão política que o Zaire evocava, a rivalidade entre os
dois lutadores e o ânimo do chamado córner de cada lutador — tudo foi
descrito, inclusive a disputa política subjacente entre Ali, que era um
contestador, e Foreman, o representante do establishment
norte-americano. Na terceira pessoa, o narrador coloca-se como
personagem, um torcedor a favor de Ali, mas que não acreditava na sua
vitória contra Foreman.
Quem quiser assistir à luta pode recorrer
ao YouTube, onde há um excelente documentário, mas o que interessa aqui
é a estratégia adotada por Ali. Foreman era um lutador fabuloso, no
auge de sua forma e prestígio, a lógica era ser o vencedor. Ao contrário
de todas as lutas anteriores, nas quais procurara nocautear os
adversários nos primeiros assaltos, Ali preparou-se para uma luta longa,
na qual precisaria resistir aos potentes socos do adversário. Passou
oito assaltos junto às cordas, protegendo-se com esquivas, clinchs e a
guarda muito fechada. Quando Foreman cansou de tanto bater, no oitavo
assalto, Ali provocou o adversário enraivecido e depois reagiu de forma
fulminante: meia dúzia de golpes levaram o dono do título à lona. Veja aqui o resumo da luta: https://www.youtube.com/watch?v=XGukWJPtA_c
O embate eleitoral
O
segundo turno das eleições presidenciais lembra a luta no Zaire. Não só
por causa do debate de terça-feira na TV Bandeirantes, verdadeiro
pugilato, mas em razão também do contexto eleitoral, que inclui os
programas de tevê e rádio dos candidatos, suas entrevistas e a
participação enlouquecida das respectivas torcidas nas redes sociais.
Aécio Neves (PSDB) conseguiu chegar ao segundo turno e lidera a disputa,
com a presidente Dilma Rousseff (PT) em empate técnico. Na pesquisa
Datafolha divulgada ontem, o tucano tinha 51%, contra 49% da petista,
considerando apenas os votos válidos. A pesquisa foi feita na
terça-feira e ontem.
Considerando-se os votos nulos e brancos,
porém, ambos perderam um ponto. Aécio tem 45%; Dilma, 43%. Na pesquisa
anterior, ambos tinham um ponto a mais. Os votos nulos e brancos
oscilaram de 4% para 6%. Os indecisos continuam sendo 6% dos eleitores.
Tanto o tucano quanto a petista têm 42% de votos consolidados; os demais
ainda podem mudar. A queda de um ponto percentual está dentro da margem
de erro, mas pode ser um indicador de que a pancadaria entre os
candidatos no horário eleitoral e nos debates está surtindo o efeito de
desgastar a ambos. Parece um jogo de perde-perde.
Não é bem isso,
porém, o que está na cabeça do marqueteiro de Dilma, João Santana, que
optou por uma linha focada na imagem do candidato Aécio, contra o qual a
petista desfere ataques pessoais com propósitos demolidores. Repete-se a
estratégia adotada contra Marina Silva, cuja candidatura era a favorita
em todas as pesquisas de segundo turno e chegou a liderar o primeiro,
mas foi esvaziada na semana de campanha antes do primeiro turno. A ordem
é golpear Aécio até o tucano desabar, atacando sobretudo a gestão dele
em Minas Gerais, cujo governo deixou com 92% de aprovação. Mas isso foi
há mais de quatro anos…
Até agora, Aécio manteve-se a salvo dos
duros golpes de Dilma, mesmo quando é levado às cordas, graças à guarda
fechada e a boas esquivas. Restam ainda nove dias de campanha eleitoral,
nos quais a pancadaria pode se tornar ainda mais intensa. O candidato
tucano apresenta-se mais preparado para esse tipo de confronto do que
Marina estava no primeiro turno, mas vai depender de muita musculatura
para resistir aos novos ataques nos próximos dias. E precisará reunir
forças para desferir meia dúzia de golpes certeiros contra Dilma se
quiser chegar ao dia da eleição como favorito.
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