Correio Braziliense - 31/12/2015
A reeleição interessava a todos os governadores eleitos e prefeitos, mas teve duas consequências terríveis, uma para o PSDB, e outra para a política em geral
Quando Fernando Henrique Cardoso deixou o Ministério da Fazenda para ser candidato à sucessão do presidente Itamar Franco, no embalo do sucesso do Plano Real, o PSDB ainda não era um partido nacional, nem o futuro presidente da República era o líder principal da legenda. Esse papel era exercido pelo então senador Mário Covas (SP). E o líder sindical Luiz Inácio Lula da Silva, este sim, o líder mais carismático da política nacional, encabeçava com folga a corrida eleitoral.
Covas, que havia sido derrotado em 1989, optou por disputar o governo de São Paulo e Fernando Henrique virou candidato a presidente. Alguns tucanos consideravam a missão um sacrifício. Havia, inclusive, setores que defenderam o apoio do PSDB ao petista, mas que refluíram diante do sucesso do Plano Real. O PT, por sua parte, havia se recusado a participar do governo Itamar e Lula ainda bateu de frente contra o real, que acabou se tornando fator decisivo da eleição.
O PSDB era um partido com forte presença em São Paulo, Paraná, Minas e Ceará, mas pequena influência nos estados do Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Bahia, Sergipe e Pará. Tinha, porém, um projeto nacional, focado na defesa da democracia, na descentralização política e administrativa, no combate ao patrimonialismo, na distribuição de renda e educação de qualidade, além de uma reforma política que fortalecesse os partidos e implantasse o parlamentarismo.
Já no primeiro turno das eleições, Fernando Henrique atropelou o candidato do PT e abriu caminho para a vitória dos candidatos do PSDB nos estados. O partido emergiu das urnas como uma força política hegemônica. Tasso Jereissati no Ceará, Eduardo Azeredo em Minas, Almir Gabriel no Pará, Marcelo Alencar no Rio de Janeiro, Mário Covas em São Paulo e Albano Franco em Sergipe foram fiadores da política de ajuste fiscal, das reformas administrativa, patrimonial e previdenciária e do combate à inflação que pautaram o governo FHC.
O país parecia ter um rumo claro, verbalizado com competência por um presidente respeitado no mundo intelectual e no meio político, o que levou as elites do país e as forças políticas da coalizão de governo a apoiarem a reeleição. Foi aí que começou a desandar o projeto nacional do PSDB. Afora o desgaste causado pelo debate sobre a reeleição em si, o governo sucumbiu à tentação de manter o real valorizado artificialmente na campanha eleitoral. O presidente reeleito acabou obrigado a fazer um ajuste após as eleições. A brutal desvalorização da moeda, na crise cambial de 1999, imediatamente foi taxada de “estelionato eleitoral” pelo ex-ministro Delfim Neto.
A reeleição interessava a todos os governadores eleitos e prefeitos, mas teve duas consequências terríveis, uma para o PSDB, e outra para a política em geral. A primeira foi “fulanizar"o projeto tucano, como se não houvesse outra liderança capaz de sucedê-lo na presidência e derrotar Lula. Tanto o governador de São Paulo, que seria o candidato natural, como o ex-ministro José Serra, eram considerados “desenvolvimentistas” pelo mercado e, por isso, não pareciam ser confiáveis. A segunda foi empurrar a fila pra trás, o que acontece em todos os partidos até hoje, dificultando a renovação política e a alternância de poder.
Candidato à sucessão de FHC, José Serra fez uma campanha em 2002 descolado do governo, cujas realizações não foram defendidas como deveriam durante as eleições. A principal delas, as privatizações, acabou sendo um divisor de águas na eleição. Desta vez, depois de morrer três vezes na beira da praia, Lula foi vitorioso.
No poder, Lula manteve a política de combate à inflação — câmbio flutuante, meta de inflação e superavit fiscal — e ampliou a escala da “focalização” dos gastos sociais nas camadas mais pobres da população para 13 milhões de famílias. Com o bordão “nunca antes nesse país”, “desconstruiu” o legado do PSDB no governo, o que resultou nas derrotas tucanas de 2006, com Geraldo Alckmin, e de 2010, com José Serra, outra vez.
Candidatos
O PSDB reencontrou o discurso com Aécio Neves, que tentou resgatar o legado de Fernando Henrique Cardoso, no rastro da mudança de rumo econômico do governo Dilma, o que resultou no desastre atual. O tucano bateu na trave, sobretudo por causa do desempenho eleitoral em Minas Gerais. Mesmo assim, hoje, lidera todas as pesquisas de opinião sobre as eleições de 2018.
O problema é que o PSDB ainda não tem uma agenda nova para o país e sofre as consequências da “fulanização”. Serra, hoje senador, aposta no impeachment de Dilma Rousseff e numa aliança com o vice-presidente Michel Temer para viabilizar sua candidatura, mesmo que no PMDB. Aécio pleiteia na Justiça Eleitoral a cassação de Dilma e Temer por crime eleitoral, aposta na convocação de novas eleições já em 2016. E Geraldo Alckmin, no comando do governo paulista, perscruta o horizonte e se finge de morto, de olho nas eleições de 2018, quanto estará terminando seu mandato.
Em tempo: Feliz ano-novo pra todos, que venha 2016!