Correio Braziliense - 29/11/2015
A esquerda no poder promoveu uma “revanche populista” — no Brasil, na Argentina e na Venezuela — que derivou para a corrupção, o antipluralismo, a intolerância e o autoritarismo
Num ambiente político contaminado por escândalos políticos e casos de polícia, debater esse assunto parece uma viagem na batatinha. Entretanto, será necessário analisar o que aconteceu para não repetir, futuramente, os mesmos erros. Em razão da Operação Lava-Jato, da recessão econômica e da implosão da base do governo no Congresso, a situação se agrava e fica mais evidente que a presidente Dilma reduz, progressivamente, a possibilidade de chegar ao fim do mandato.
A cada tentativa de o governo estabelecer um rumo político e estabilizar sua base política no Congresso, surge um novo fato desestabilizador. Na quarta-feira passada, a prisão do líder do governo no Senado, Delcídio do Amaral (PT-MS), trouxe a Lava-Jato de volta para o Palácio do Planalto. No dia anterior, a prisão do pecuarista José Carlos Bumlai empurrou o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva para o olho do furacão.
A presidente Dilma Rousseff assumiu o poder, em 2011, surfando a onda da chamada “nova matriz econômica”: o país cresceu 7,5% em 2010, e o presidente Lula deixou o poder com recordes de aprovação. A presidente sabia da existência de uma podridão shakespeariana sob os tapetes do Palácio do Planalto. Tanto é assim que prometeu tapar os ralos da administração e começou uma “faxina” na sua equipe de governo. Mas recebeu um alto lá do ex-presidente Lula. Uma ex-assessora da Presidência foi o pivô da primeira crise entre eles; a segunda foi causada pelo caso de Pasadena, a refinaria de petróleo enferrujada que a Petrobras comprou no Texas (EUA) quando a então ministra presidia o conselho de administração da estatal.
A revanche
Mas voltemos ao tema de origem. O populismo surgiu, nas decadas de 1930 e 1940, com os governos Vargas (Brasil), Péron (Argentina) e Cárdenas (México). Seus traços mais marcantes foram a legislação social a favor dos trabalhadores, o nacionalismo e a defesa da industrialização. Sua sobrevivência política, porém, estava vinculada às vissicitudes do modelo de substituição de importações, cuja crise, na decada de 1960, deu origem ao ciclo autoritário das ditaduras. Ironicamente, o capitalismo de Estado e a industrialização gestados no populismo avançaram sob a égide dos regimes militares, como no “milagre brasileiro”.
A volta do populismo na década de 1970, com Luís Echeverria, no México, e Domingo Perón, fomentaram um novo debate acadêmico sobre o seu papel no desenvolvimento político e social dos países da América Latina. Grosso modo, foi interpretado como um processo de superação do domínio das oligarquias e de emergência das massas trabalhadoras na cena política.
De um lado, a derrota do populismo expôs o fracassso de seus líderes e os limites da participação popular, contida pela tutela do Estado e pela capacidade de manipulação das elites; de outro, seu legado social e econômico serviu de plataforma para a resistência democrática às ditaduras. O estado assistencial, a presença do Estado na economia, o protecionismo, as leis trabalhistas e o corporativismo sobreviveram a tudo e a todos. O processo de modernização que protagonizou foi além da chamada “via prussiana” e adquiriu características de “revolução passiva”.
“O populismo interditou a via de passagem clássica à modernidade, caracterizada pela integração autônoma das classes populares às estruturas políticas da democracia liberal”, destaca o professor Alberto Aggio (in “A emergência de massas na política latino-americana e a teopria do populismo”, Um lugar no mundo, Contraponto).
Na última década, porém, a esquerda no poder promoveu uma “revanche populista” — no Brasil, na Argentina e na Venezuela — que derivou para a corrupção, o antipluralismo, a intolerância e o autoritarismo. “O populismo dos dias que correm é visivelmente uma força regressiva na política”, destaca Aggio. Esse debate foi abortado, mas terá que ser retomado na saída da crise. A ascensão do PT ao poder, sob a liderança de Lula, ensejou uma espécie de “populismo provecto.”