Correio Braziliense - 29/12/2015
Dificilmente, daqui pra frente, o PMDB manterá sua unidade. Foi irremediavelmente “balcanizado”, uma expressão utilizada na geopolítica, desde a desagregação do Império Otomano
O impeachment da presidente Dilma Rousseff saiu de pauta; entraram em cena as flores do recesso, como a polêmica sobre o bate-boca ou suposta agressão — depende do ponto de vista — ao compositor Chico Buarque por jovens antipetistas no Leblon, na Zona Sul do Rio, e os problemas de verdade da população, como a crise de saúde publica, quando nada porque estão em recesso os grandes atores institucionais desse processo, o Congresso e o Supremo Tribunal Federal (STF).
O recurso constitucional legítimo para afastar o presidente da República numa crise ética, política, econômica e social como a que o país atravessa é o impeachment, mas isso é uma ruptura política nos marcos de uma democracia. Trata-se de apear do poder quem foi eleito pelo voto popular. É uma saída dura e complexa. Não é à toa que essa solução exija maioria de dois terços nas duas casas do Congresso e enfrente tantas restrições no chamado poder instalado, inclusive no Supremo.
Devido à impopularidade de Dilma e ao profundo envolvimento do PT no escândalo da Lava-Jato, ambos com incrível capacidade de dar tiros nos próprios pés, o impeachment ainda tem amplo apoio na maioria da opinião pública. Mas a força mais decisiva para aprová-lo, o PMDB, perdeu a capacidade de iniciativa política para viabilizá-lo. A oposição sozinha não tem força no Congresso para isso, a não ser que houvesse ampla mobilização popular. Sem povo na rua, não haverá impeachment.
O PMDB sempre foi uma federação de caciques regionais. Depois do governo Sarney, nunca conseguiu se unir. Nas eleições de 1989, o então governador paulista Orestes Quércia “cristianizou” o candidato a presidente da legenda, Ulysses Guimarães, o grande comandante da campanha das “Diretas, Já” e da Constituinte. Na eleição seguinte, em 1994, foi a vez de Quércia ser “cristianizado” na turma de Ulysses.
Daí por diante, a legenda nunca se encontrou, até que o atual presidente, Michel Temer, aceitou ser o vice da presidente Dilma, na sucessão de Lula em 2010, e aglutinou em torno da chapa a ampla maioria do partido. Mesmo assim, alas da legenda apoiaram os candidatos do PSDB José Serra, em 2010, e Aécio Neves, em 2014, na reeleição da chapa Dilma-Temer.
Dilma Rousseff, porém, nunca valorizou a presença do PMDB no governo. Temer sempre foi uma companhia desconfortável, a quem coube tarefas laterais, exceto no começo do segundo mandato. Após a eleição de Eduardo Cunha (PMDB-RJ) para a Presidência da Câmara, foi convocado a negociar a aprovação do ajuste fiscal em nome do Palácio do Planalto.
O agravamento da crise econômica, a oposição sistemática do PT ao ex-ministro da Fazenda, Joaquim Levy, e o boicote interno à atuação de Temer, porém, acabaram por estremecer ainda mais a relação do PMDB com o governo. É preciso destacar que a emergência de grandes manifestações de protesto contra Dilma e o profundo envolvimento do PT no esquema de propina da Petrobras, reduziram o poder de atração do governo sobre as bases da legenda.
O impeachment ganhou força como palavra de ordem unificadora da oposição nas redes sociais, que foi às ruas, e dos partidos de oposição PSDB, DEM, PPS, Solidariedade, mas nunca teve um comando ou líder reconhecido por todos. A partir do documento Uma Ponte para o futuro, elaborado pela Fundação Ulysses Guimarães, sob coordenação do ex-ministro Moreira Franco, com propostas de saída para a crise econômica, o vice-presidente Michel Temer passou a ser visto por setores empresariais e de oposição como uma alternativa de poder.
Desavenças
O PMDB, porém, não se unificou em torno de sua liderança. A presidente Dilma reagiu ao assédio da oposição e explorou as contradições internas da legenda. A atuação do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, contra o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB), um dos políticos enrolados na Lava-Jato, também ajudou. Suas articulações polêmicas a favor do impeachment contribuíram para afastar a sociedade do processo.
A cúpula do PMDB no Senado, encabeçada por Renan Calheiros (PMDB-AL), também foi muito fragilizada em razão das denúncias da Lava-Jato, que investiga, entre outros, os senadores Edison Lobão (MA), Jader Barbalho (PA), Romero Jucá (RR) e Valdir Raupp (RO), além do próprio Renan. Ao contrário de Cunha, que partiu para o confronto aberto, o grupo resolveu se opor ao impeachment e apoiar o governo.
Sem envolvimento com o esquema de corrupção na Petrobras, o líder do PMDB no Senado, Eunício de Oliveira (CE), por quem Dilma nunca teve grande consideração, emerge como nova liderança e pleiteia a presidência da Casa. Sempre foi um aliado do governo, em nenhum momento sinalizou apoio ao impeachment. Outros líderes do PMDB no Congresso, como o deputado Jarbas Vasconcelos (PE) e os senadores Ricardo Ferraço (ES) e Waldemir Moka, e o ex-ministro Geddel Vieira Lima (BA), fazem oposição ao governo e têm atuação independente.
Mas a estrela em ascensão é o jovem líder do PMDB na Câmara, Leonardo Picciani (RJ), que representa o grupo regional mais poderoso da legenda. Aliado preferencial da presidente Dilma entre os deputados, tem o apoio do governador do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão (PMDB); do prefeito carioca, Eduardo Paes (PMDB), e do poderoso presidente da Assembleia Legislativa fluminense, Jorge Picciani (PMDB), seu pai, além do ex-governador Sérgio Cabral.
Dificilmente, daqui pra frente, o PMDB manterá a unidade. Foi irremediavelmente “balcanizado”, uma expressão utilizada na geopolítica, desde a desagregação do Império Otomano, fenômeno que se repetiu com o fim do Império Austro-húngaro, após a 2ª Guerra Mundial, e, mais recentemente, com a desintegração da antiga Iugoslávia.
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