domingo, 7 de dezembro de 2008

Reforma e contra-reforma

Não há no Brasil dois estados iguais, mesmo assim é possível avaliar a atuação de suas elites. Basta, por exemplo, comparar o Ceará com o Maranhão ou Pernambuco com a Bahia nos últimos 50 anos

Por Luiz Carlos Azedo

Um artigo do secretário de Desenvolvimento do Espírito Santo, Guilherme Dias, ex-ministro do Planejamento do governo FHC, intitulado “A anti-reforma” (Folha de S.Paulo, 04/12), tirou do sério o relator da reforma tributária, deputado Sandro Mabel (PR-GO). Ontem, o parlamentar replicou com outro artigo contra os “anti-reforma”, no qual gasta mais tinta ao acusar o economista de teleguiado do governador paulista José Serra do que esgrimindo argumentos técnicos. Por que esse assunto exalta os ânimos? É por causa da ruptura do pacto federativo.

Desigualdades

A reforma tributária proposta pelo governo Lula mexe num vespeiro ao propor a mudança radical do sistema de arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), que passaria a ser unificado, com cinco alíquotas. Até aí, tudo bem. O problema é que muda o sistema de cobrança do imposto, que passaria a ser feito no destino (estados consumidores). Na origem (estados produtores), ficariam apenas 2% do valor arrecadado. Para viabilizar a mudança, Mabel teceu acordos com empresários, secretários estaduais de Fazenda e prefeitos. Objetivo: isolar São Paulo, o estado mais penalizado pelo caráter Robin Hood do projeto. Supostamente, a reforma tiraria dos estados ricos (SP, MG, RJ, ES, RS, DF, GO e MS são contra) para dar aos mais pobres. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva pretende passar à História como o líder político que acabou com relação desigual entre o “Sul Maravilha” e os estados do Norte e Nordeste.

Mas o relatório de Mabel desagrada gregos e baianos. Com a crise mundial, a reforma tributária seria como pular do trampolim sem saber se tem água na piscina. Por exemplo, estima-se em R$ 24 bilhões as perdas da Previdência. O IVA(Imposto Sobre Valor Agregado) federal concentra recursos na União. A mudança abre espaço para milhares de contestações judiciais, anistia fraudes fiscais e favorece lobbies empresariais, principalmente da indústria alimentícia e bancos.

“A quem interessa a desorganização das finanças estaduais e municipais, depois do longo e custoso processo de saneamento das contas, a partir da consolidação e do refinanciamento das dívidas com o Tesouro Nacional e da implantação da Lei de Responsabilidade Fiscal? Será que os defensores dessa proposta de reforma tributária querem ainda mais concentração de recursos e poder no governo central?”, indaga Dias. A primeira pergunta se baseia numa hipótese; a segunda, na certeza.

Patrimonialismo

São várias as causas do desenvolvimento desigual no Brasil. Algumas são naturais, como o preço cobrado pelo cristalino da Serra da Borborema ao desviar os ventos alísios do Nordeste, que levam as chuvas para longe do semi-árido. Ou as bençãos dos olhos d’água na Chapada da Ibiapaba, das cheias do Pantanal e do Amazonas, da larva vulcânica que rompeu o cristalino da Serra do Mar e deu origem às “terras roxas.” Outras, são econômicas, como os ciclos da cana-de-açúcar, do cacau, da borracha, do algodão, do café, do ouro e diamantes, com seus esplendores e decadências, congelando no tempo a iniquidade social herdada da escravidão nas atividades ainda hoje remanescentes. Há, ainda, as conseqüências históricas das insurreições das províncias no Império, sufocadas a ferro e fogo, como a Confederação do Equador, que transformou Pernambuco num estado periférico, e a Cabanagem, no qual dois terços da população masculina do Pará foram dizimados, dentre outros episódios sangrentos.

A principal causa das nossas desigualdades, porém, é o patrimonialismo. Ainda hoje as oligarquias são as que mais se beneficiam dos investimentos públicos nos estados, graças ao apoio que emprestam à União para que esta imponha sua centralidade (normatizar, coagir e arrecadar) aos estados mais populosos e dinâmicos. Um exercício de motivação comum nas empresas é a simulação de uma guerra mundial, na qual as nações envolvidas dispõem de recursos financeiros, alimentos, minerais e armas em condições desiguais. Ao final da guerra, a relação se inverte completamente. No jogo, sempre há duas nações com recursos exatamente iguais e que acabam em situações muito diferentes, por causa da atuação de seus governantes. Não há no Brasil dois estados iguais. Assim mesmo, é possível avaliar historicamente a atuação de suas elites. Basta, por exemplo, comparar as trajetórias do Ceará com o Maranhão ou de Pernambuco com a Bahia nos últimos 50 anos.

Publicado hoje na coluna Nas Entrelinhas do Correio Braziliense

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