domingo, 19 de abril de 2015

Ave Caesar! Morituri te salutamus! (*)

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 19/04/2015
A decisão do Tribunal de Contas da União (TCU)  assanhou a oposição, que namora o impeachment. No caso de crime eleitoral, está previsto o afastamento do presidente e seu vice e a convocação de novas eleições; em caso de crime de responsabilidade, só o presidente é afastado. 
A cúpula do PT está desencouraçada como os gladiadores romanos na arena dos leões. A prisão de João Vaccari Neto, na semana passada, não oferece alternativa aos dirigentes petistas que não seja sair em defesa do ex-tesoureiro do partido e sustentar sua inocência contra as acusações de lavagem de dinheiro e recebimento de propina que pesam contra ele.
Mesmo tendo afastado Vaccari do cargo, a solidariedade da cúpula do PT existe e faz todo o sentido. Tem dois objetivos: sustentar com a veemência a tese que o dinheiro destinado às campanhas petistas pelas empreiteiras envolvidas na Operação Lava-Jato não é proveniente das propinas desviadas da Petrobras, mas são doações legais como quaisquer outras; e evitar que o ex-tesoureiro se sinta abandonado e resolva aceitar a delação premiada e falar tudo o que sabe, diante da ameaça de envolvimento nas trapalhadas não só da cunhada, Marice Correa de Lima, que sexta-feira se entregou à polícia, mas também da mulher e da filha.
Ao contrário do que aconteceu no mensalão, que resultou na condenação do ex-tesoureiro Delúbio Soares, dessa vez não se admite a existência de caixa dois na campanha. A Ação Penal 470 do Supremo Tribunal Federal resultou na condenação não só do ex-tesoureiro, mas também do ex-presidente do PT José Genoino; do ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha e do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, todos cumprindo pena em prisão domiciliar.
A situação agora é mais grave porque as doações eleitorais foram feitas “por dentro”, ou seja, estão declaradas à Justiça Eleitoral, mas o Ministério Público argumenta que Vaccari montou um sistema de lavagem de dinheiro desviado da Petrobras que utilizava as “doações eleitorais” como disfarce. A única maneira de comprovar a tese dos procuradores será por meio do rastreamento do dinheiro, o que está sendo feito e motivou a prisão preventiva de Vaccari.
Por causa das investigações sobre o tesoureiro do PT, o escândalo começa a chegar muito perto da presidente Dilma Rousseff e do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Como assim? Vamos por partes. No primeiro caso, o Ministério Público afirma, e o juiz federal Sérgio Moro endossa, que parte do dinheiro foi parar na campanha da presidente; no segundo, os negócios imobiliários da família de Vaccari, que vêm da época em que comandava o Bancoop, a cooperativa habitacional do Sindicato dos Bancários de São Paulo, chegam muito perto do apartamento que o ex-presidente Lula adquiriu da cooperativa no Guarujá (SP). A OAS, empresa envolvida na Operação Lava-Jato, foi a incorporadora do condomínio.
Blindagens
A informação de que a Editora Gráfica Atitude, de propriedade dos sindicatos dos Bancários de São Paulo e dos Metalúrgicos do ABC, foi usada para lavar dinheiro na campanha eleitoral por Vaccari, porém, não deixa de ser uma ameaça à presidente da República, A empresa presta serviços ainda ao governo e investigar a gráfica será o desdobramento natural do caso.
A presidente Dilma Rousseff, porém, blindou o tesoureiro de sua campanha ao levá-lo para a Secretaria de Comunicação Social da Presidência. O ministro Edinho Silva, mesmo que a Polícia Federal venha identificar vasos comunicantes entre as operações ilegais atribuídas a Vaccari e a campanha de Dilma em 2014, não pode ser investigado pelo juiz Sérgio Moro, de primeira instância. Qualquer fato que eventualmente possa levantar suspeitas só pode ser investigado com autorização do ministro do Supremo Tribunal Federal (STF) Teori Zavascki, relator do caso. A presidente Dilma Rousseff, como se sabe, não pode ser investigada pela Operação Lava-Jato durante o exercício do mandato.
No meio do salve-se quem puder, uma decisão do Tribunal da Contas da União (TCU) surpreendeu os políticos. Relatório de 96 páginas do ministro José Múcio Monteiro, notoriamente ligado ao ex-presidente Luiz Inácio lula da Silva, caracteriza como crime de responsabilidade as “pedaladas” fiscais do Ministério da Fazenda durante o ano passado, quando a presidente Dilma Rousseff disputou a reeleição: há “dívidas não registradas nas estatísticas fiscais; despesas primárias não registradas nas estatísticas fiscais; realização de operação de crédito com inobservância de condição estabelecida em lei; e atrasos de repasses a estados e municípios e ao INSS”.
Houve grosseiras violações da Lei de Responsabilidade Fiscal (LRF): a Caixa pagou Bolsa Família, abono salarial e seguro-desemprego; o Banco do Brasil pagou equalização de taxas de juros no financiamento agrícola; o BNDES cobriu os custos do Programa de Sustentação de Investimento (PSI); o FGTS arcou com custos do Minha Casa, Minha Vida. O Tesouro deveria ter repassado os recursos antecipadamente. A Caixa teve que esperar seis meses para receber R$ 1,7 bilhão.
A decisão assanhou a oposição, que namora o impeachment. No caso de crime eleitoral, está previsto o afastamento do presidente e seu vice e a convocação de novas eleições; em caso de crime de responsabilidade, só o presidente é afastado. 
(*) “Ave César! Nós que estamos prestes a morrer vos saudamos!”, lema dos gladiadores romanos.
Até breve
Vou me ausentar da coluna por três semanas, em férias. Nas Entrelinhas continuará a ser publicada no Correio Brazliense normalmente às segundas, com Ivan Iunes, e aos sábados, com Leonardo Cavalcanti.



quinta-feira, 16 de abril de 2015

“A gráfica caiu”

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 16/04/2015
 
A prisão do tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, ontem surpreendeu o Palácio do Planalto e a cúpula do PT. Acreditava-se que ele responderia às acusações em liberdade no caso Lava Jato


Na manhã de 15 de janeiro de 1975, Elson Costa, de 61 anos, responsável pelo setor de agitação e propaganda do antigo Partido Comunista Brasileiro (PCB), tomava café num bar ao lado de sua casa quando foi sequestrado por seis agentes dos órgãos de segurança do regime militar.

Alguns vizinhos tentaram protestar contra a ordem de prisão, pois, para eles, quem estava sendo preso era o aposentado Manoel de Souza Gomes, que vivia na Rua Timbiras,199, bairro de Santo Amaro, em São Paulo. Era o nome que usava na clandestinidade, conforme registro de ocorrência policial que fizeram na 11ª DP.

Elson Costa nunca mais apareceu, como outros dirigentes do antigo Partidão, entre eles o diretor do jornal Voz Operária, Orlando Bonfim Junior, 60 anos. Ele foi sequestrado em Vila Isabel, em 8 de outubro de 1975, quando ainda tentava reorganizar o aparelho de propaganda comunista. Desde 1973, o regime militar executava uma operação de cerco e aniquilamento do Comitê Central do PCB.

A direção do Partidão havia entrado em colapso depois que duas gráficas clandestinas foram localizadas e desmanteladas, uma em Jacarepaguá, no Rio de Janeiro, em dezembro do ano anterior (funcionava desde 1966), e outra no Cambuci, em São Paulo, em fevereiro de 1975.

Na onda de prisões que se seguiu, morreram na tortura em São Paulo o primeiro-tenente da PM-SP José Ferreira Almeida, o jornalista Vladmir Herzog e operário Manoel Fiel Filho, cujo assassinato levou ao afastamento do general Ednardo D’Ávilla Mello do comando do II Exército.

Atitude suspeitaEm plena democracia, no poder há 12 anos, o Partido dos Trabalhadores (PT) corre o risco de ver a sua direção entrar em colapso por causa de uma gráfica de São Paulo, localizada pela Polícia Federal na Operação Lava-Jato e que prestou serviços para o Palácio do Planalto e ministérios.

Não se trata de um aparelho clandestino para publicar um jornal, que era o que faziam os dois jornalistas que constam da lista oficial de desaparecidos da Comissão da Verdade. O PT sequer tem um jornal, embora critique muito a imprensa. Segundo o juiz federal Sérgio Moro, de Curitiba, a Editora Gráfica Atitude, de CNPJ 08.787.393/0001-37, era utilizada para lavar dinheiro de propina destinado às campanhas do PT, em 2010, 2011 e 2013.

 “A utilização por João Vaccari da Editora Gráfica Atitude para recebimento e lavagem de ativos ilícitos destinados ao Partido dos Trabalhadores (PT)” é uma das principais acusações do pedido de previsão preventiva do tesoureiro do PT, que foi detido ontem quando fazia sua caminhada matinal em São Paulo e está preso na carceragem da Polícia Federal em Curitiba.

Segundo a delação premiada do executivo Augusto Mendonça, mediante indicações do ex-diretor da Petrobras Renato Duque e Vaccari, foram feitos pagamentos à gráfica no montante de R$ 2,5 milhões, dos quais a Polícia Federal conseguiu comprovar a efetivação de 14 pagamentos, no valor total de R$ 1,5 milhão.

Constam como proprietários da gráfica o Sindicato dos Bancários de São Paulo e o Sindicato dos Metalúrgicos do ABC. Juvândia Moreira Leite, presidente do primeiro, é a suposta administradora da empresa. Para complicar a situação, segundo a denúncia, a gráfica teria sido utilizada também para a realização de propaganda oficial ilícita em favor do Partido dos Trabalhadores na campanha eleitoral de 2010, de sua então candidata a presidente da República, Dilma Rousseff.

A prisão de Vaccari ontem surpreendeu o Palácio do Planalto e a cúpula do PT. Acreditava-se que ele responderia às acusações em liberdade, devido à inexistência de provas materiais que corroborassem as delações premiadas que o acusam de receber propina para as campanhas do PT.

Era sua palavra contra a do doleiro Alberto Yousseff, a do ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto da Costa e a do ex-gerente da Petrobras Pedro Barusco, todos réus confessos. A cúpula do PT decidiu mantê-lo no cargo por achar que isso “politizaria” as denúncias contra a legenda e que sua defesa seria também a do partido. Esse entendimento prevaleceu quanto ao seu depoimento na CPI da Petrobras, na semana passada.

Foi um crasso erro. A presidente Dilma Rousseff ontem estava à beira de um ataque de nervos por causa da prisão de Vaccari. Desde o fim do ano passado, Dilma defendia o afastamento do cargo do tesoureiro do PT, mas o presidente da legenda, Rui Falcão, resistia. A ordem de Dilma Rousseff é jogar Vaccari ao mar, mas a Executiva do partido e seus líderes no Congresso saíram em defesa do tesoureiro, que só pediu afastamento do cargo quando foi pra cadeia. Argumentam que ele é vítima de perseguição política, com objetivo de incriminar o PT e criminalizar as doações eleitorais que a legenda recebeu “legalmente” das empreiteiras investigadas na Lava-Jato.


quarta-feira, 15 de abril de 2015

Não há teflon que dê jeito

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 15/04/2015


A imagem dos políticos é produto de um confronto de informações. Seu maior ativo político, digamos assim, resulta de inevitável guerra de versões sobre a sua atuação diante de fatos reais
 
Politetrafluoretileno é o nome técnico do produto. Foi descoberto pelo químico norte-americano Roy J. Plunkett por acaso. Ao coletar em um recipiente o tetrafluoretileno congelado que seria usado na produção de um gás refrigerante, em 6 de abril de 1938, no laboratório da DuPont, nada conseguiu retirar. Foi verificar o por quê e descobriu que havia-se formado um pó branco que não aderiu ao recipiente.

 Assim surgiu o teflon, um revestimento sólido resistente à corrosão, de baixa fricção e alta resistência ao calor. Mas o teflon somente foi lançado comercialmente em 1946, quando acabou a guerra. Deixara de ser segredo militar para facilitar a vida doméstica nas cozinhas norte-americanas. No Brasil, os políticos adotaram a expressão para falar dos colegas que conseguem manter a imagem de homem probo, no qual nenhuma denúncia cola.

Era o que se dizia de Luiz Inácio Lula da Silva, que passou incólume pela crise do mensalão, no meio do primeiro mandato, e conseguiu se reeleger em 2006. E também ainda se diz da presidente Dilma Rousseff, que, até agora, não foi acusada de envolvimento direto no escândalo da Petrobras.

Quando o PT vai para a televisão e o rádio falar que nunca se combateu tanto a corrupção como nos últimos 12 anos, que o seu governo é que está investigando os escândalos, que na época dos tucanos no poder tudo era engavetado — como, aliás, ocorreu na campanha eleitoral —, os petistas tentam blindar com teflon a própria imagem.

Esse discurso político, porém, parece ter se esgotado. Mas essa é uma visão, digamos, do ponto de vista do marketing. Essa catilinária continua sendo necessária em razão das acusações de que a legenda teria recebido propina das empreiteiras investigadas na Operação Lava-Jato para as campanhas eleitorais. É uma retórica da qual não se poderia abrir mão nessa situação.

Metástase
O discurso, entretanto, não blindou a legenda nem a presidente Dilma perante a opinião pública. Não é para menos: todo dia surge mais uma informação negativa sobre o escândalo da Petrobras que acaba envolvendo o PT. Agora, com a prisão do ex-vice-presidente da Câmara André Vargas — aquele que posou de punho fechado ao lado do então presidente do Supremo Tribunal Federal (STF) Joaquim Barbosa para constrangê-lo — , o caso apresenta sinais de metástase, com o suposto envolvimento da Caixa Econômica Federal (CEF) e do Ministério da Saúde, além de já rondar a Petros, a Eletrobras e o BNDES.

Dilma não é investigada pela Operação Lava-Jato, que descobriu a existência de um vasto esquema de corrupção na Petrobras, mas o Ministério Público Federal afirma que parte da propina paga pelas empresas que participaram do esquema foi repassada na forma de doações ao PT. Essa questão é o centro da disputa com a oposição na CPI da Petrobras instalada na Câmara.

Será objeto de uma grande batalha judicial, pois a cúpula do PT repudia essa acusação e as denúncias contra seu tesoureiro, João Vaccari Neto, que é investigado. Aparentemente, as acusações ainda não são robustas o suficiente para levá-lo à prisão.

Mesmo assim, o teflon não funcionou. Para 57% da população, segundo o Datafolha divulgado no fim de semana, Dilma sabia da corrupção na estatal e deixou ocorrer. Outros 26% opinam que ela sabia, mas nada poderia fazer para impedir. ou seja, a Lava-Jato alterou a percepção dos brasileiros a respeito dos problemas do país. Pela primeira vez, o tema corrupção aparece quase empatado com saúde na liderança do ranking de maiores preocupações: para 23%, o maior problema é a saúde; para 22%, a corrupção.

A imagem dos políticos é sempre o produto de um confronto de informações. É o seu maior ativo político, digamos assim, mas resulta de inevitável guerra de versões sobre a sua atuação, uma batalha ditada por fatos reais. Em algum lugar entre a realidade e o contraditório forma-se a opinião pública. No caso da presidente Dilma Rousseff — que está a salvo de qualquer investigação, segundo o entendimento do ministro-relator da Lava-Jato no Supremo Tribunal Federal, Teori Zavascki —, o xis da questão é a responsabilidade dela em relação à Petrobras.

Não foi à toa que a presidente República voltou a citar a empresa nos discursos, anunciando que a estatal já estava “limpa”. Quase simultaneamente, a empresa anunciou um empréstimo bilionário da China e a venda de sua participação na Brasken, uma empresa associada à Odebrecht, a única grande empreiteira do país que não foi implodida pela Lava-Jato.

A Petrobras privatiza 40% de seus ativos, ou seja, quase a metade da empresa, sob o eufemismo de “desinvestimento”. São poços de petróleo, refinarias, ações em subsidiárias etc., tudo à venda na bacia das almas, para sair do vermelho. O resultado dessa reestruturação selvagem é a recente alta de 50% de suas ações na Bolsa de São Paulo, que ontem fecharam o pregão valendo R$ 12,42 , o que, supostamente, corrobora o discurso de Dilma. Com uma ajuda da desvalorização do real, as ações estão muito baratas.

terça-feira, 14 de abril de 2015

O ajuste da base

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 14/04/2014

Não sem razão, a grande preocupação de Dilma, com a "terceirização" do comando da economia, a cargo de Joaquim Levy, e das articulações políticas, missão de Temer, é aprovar o ajuste fiscal

A semana começou com uma maratona de reuniões no Palácio do Planalto. O país agora é governado por uma troika formada pela presidente Dilma Rousseff, o vice-presidente Michel Temer e o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, mas ainda não está claro para o Congresso e a Esplanada dos Ministérios como as coisas vão funcionar daqui pra frente. Do ponto de vista da opinião pública, o novo vértice do sistema de poder não muda nada. A popularidade de Dilma continua baixa (13% de bom e ótimo e 60% de ruim e péssimo). 
 
A avaliação dos ministros mais chegados à presidente Dilma em relação aos protestos de domingo é de que a estratégia de não afrontar os manifestantes e deixar o movimento de rua viver suas contradições e vicissitudes foi a mais acertada. Os limites do movimento estão dados pelas disputas entre os grupos nas redes sociais que comandam as manifestações e o fato de que os partidos de oposição permanecem alijados dos protestos enquanto representação política. Apenas apoiam o "Fora, Dilma!", única palavra de ordem que unifica o movimento e a oposição. 
 
Enquanto essa contradição se mantiver, o governo terá margem de manobra para lidar com os protestos e ganhar tempo. Caso haja uma convergência entre os movimentos e os partidos de oposição, a tendência será as pressões convergirem para dentro do Congresso. Aí é que a situação pode se complicar, por causa da tensão entre o PT e o PMDB, principalmente na Câmara. Por essa razão, o novo coordenador político do governo, o vice-presidente Michel Temer, trabalha para pacificar as relações entre o seu partido e os petistas. Sem isso, será impossível rearticular a base do governo.
 
Os protestos de domingo não foram insignificantes, apesar da retórica dos governistas, porque traduziram um sentimento da população detectado nas pesquisas de opinião. De um lado, a redução do número de manifestantes e da agitação contra o governo nas redes sociais foi um refresco para Dilma; mas, de outro, a pesquisa Datafolha divulgada no fim de semana foi um tormento. 
 
O Datafolha perguntou: "Considerando tudo o que se sabe até o momento a respeito da Operação Lava-Jato, o Congresso deveria abrir um processo de impeachment para afastar Dilma da Presidência?" Respostas: 63% dos entrevistados se posicionaram favoravelmente e somente 33% são contrários ao impedimento. Grosso modo, essa última é a parcela do eleitorado que, historicamente, é ligada ao PT. 
 
Segundos analistas da pesquisa, Dilma perdeu o respaldo popular do eleitor de centro, que não possui uma identificação ideológica clara com a legenda (não é antipetista, mas também não é petista convicto). E dificilmente conseguirá se recuperar perante essa parcela do eleitorado enquanto a Operação Lava-Jato ocupar as manchetes dos jornais e a situação da economia não melhorar. 
 
Negociações
Não sem razão, a grande preocupação de Dilma, com a "terceirização" do comando da economia, a cargo de Joaquim Levy, e das articulações políticas, missão de Temer, é aprovar o ajuste fiscal no Congresso. Não é uma tarefa fácil, pois a base de sustentação do governo está refratária à aprovação de medidas impopulares, tanto na Câmara como no Senado. Além disso, surgem as cascas de banana. 
 
A maior delas é o projeto que regulamenta a terceirização de serviços (PL n° 4.330/04), cuja votação terá continuidade hoje na Câmara. O texto-base do projeto foi aprovado, e a votação das emendas e dos pontos a serem destacados da proposta ocorrem nesta semana. O ministro Joaquim Levy teme que a regulamentação possa afetar a arrecadação de impostos trabalhistas e de outros tributos. 
 
Na semana passada, Levy negociou com líderes da base aliada e o relator do projeto, Arthur Oliveira Maia (SD-BA), um dispositivo que estabelece a retenção na fonte das contribuições previdenciárias, PIS/Cofins, CSLL e FGTS. Mas a medida não agradou ao setor patronal, cujo lobby está muito forte. Há risco de o governo deixar de arrecadar algo em torno de R$ 20 bilhões caso não haja um ajuste no texto aprovado, de forma a garantir o recolhimento dos impostos. Outra divergência na base é quanto à terceirização irrestrita nas atividades-fim, no setor privado e no setor público.
 
O governo já sofreu 15 derrotas na Câmara somente neste ano. Foram realizadas 44 votações nominais e abertas de seu interesse. Isso mostra o aumento da atividade legislativa imposto pelo presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), e a rebeldia da bancada governista nas votações. No Senado, porém, em seis votações nominais, o governo não sofreu nenhuma derrota O presidente da Casa, Renan Calheiros (PMDB-AL), até agora, rugiu muito mas não mordeu.

domingo, 12 de abril de 2015

Sobre a terceirização ampla, geral e irrestrita

Na administração e na economia, a terceirização é a transferência de algumas atividades-meio para outras empresas, proporcionando um direcionamento maior de recursos para a atividade-fim

Uma coisa é regulamentar o trabalho terceirizado nas atividades onde ele já existe de forma precária, outra coisa é o liberou geral para as empresas terceirizarem o trabalho direto nas atividades-fim, numa reforma trabalhista com mão de gato, sem qualquer discussão mais ampla no mundo do trabalho.

Prós e contras da terceirização:
Vantagens: redução da estrutura operacional, diminuição de custos, economia de recursos e desburocratização da administração. É a contratação de terceiros, por parte de para realização de atividades gerais, não essenciais, visando à racionalização de custos, à economia de recursos e à desburocratização administrativa.
  Desvantagens: no caso brasileiro, precarização do trabalho, com aumento da carga horária (3 horas a mais), redução dos salários (25% a menos) e maior rotatividade no emprego (3,1 anos a menos do que o não-terceirizado, além de elevação de acidentes de trabalho: oito para cada dez acidentados.

O sentido de “terceiro” não se subsume a sua conotação jurídica (aquele que é estranho a uma relação jurídica entre duas pessoas), mas ao significado usado no campo da administração de empresas: aquele outrem, para quem é descentralizada as atividades da empresa. Este é o significado do “terceiro”, do qual surge a palavra “terceirização.

Alguns autores entendem que na relação jurídica, terceiro é aquele que não faz parte da mesma. Assim inexistiria terceiro quando houvesse intermediação de mão-de-obra, posto que o intermediário seria parte da relação jurídica. Daí, terceirizar significaria o fenômeno da desconcentração empresarial, em atividades do ramo terciário da economia, ou seja, o setor da prestação de serviços, já que as atividades primárias são aquelas ligadas à agricultura, à caça e pesca e às florestas, e as atividades secundárias aquelas ligadas às indústrias extrativas e de transformação, construção, obras públicas, água, gás, eletricidade, etc.
Esse era entendimento jurídico consolidado, que foi posto por terra com a lei aprovada pelo Congresso na semana passada. Há estudos sobre isso:
 (http://jus.com.br/artigos/25901/a-terceirizacao-e-o-enfoque-de-seus-conceitos#ixzz3X82tgIBe)

A  nova lei

A lei nova permite a terceirização de tudo. Diante disso, se não sofrer emendas, é possível uma empresa que detém os meios de produção simplesmente não ter empregados na atividade produtiva, podendo contratar outras empresas para executar esses serviços, como hoje ocorre nas plataformas de petróleo. Nesse caso específico, a vantagem desse tipo de solução é evitar a ampliação da base de segurados da Petros e não pagar os mesmos salários dos empregados da Petrobras.

Com base na nova lei, por exemplo, a Petrobras não precisará realizar concursos para engenheiros, geólogos, químicos, etc, como manda a Constituição. Simplesmente contratará empresas especializadas para realizar os trabalhos necessários. De igual maneira, uma montadora de automóveis não precisará ter empregados na linha produção, todos poderão ser "terceirizados".

Ao estender a terceirização plena ao setor público, a lei abarca atividades essenciais do Estado que a Constituição estabelece como atribuições exclusivas do servidor público. No Executivo, as atividades de fiscalização da Receita Federal poderiam ser terceirizada, da mesma forma como pode ser terceirizada o controle de entrada e saída do país, hoje a cargo da Polícia Federal.

No Legislativo, a poderosa consultoria jurídica do Senado seria substituída pela contratação de escritórios de advocacia de preferência dos senadores; no Judiciário, oficiais de Justiça poderiam ser substituidos por moto-boys juramentados, etc.. Tenho dúvidas se a Constituição permite isso.

Para Marx, a propriedade privada dos meios de produção não era condição inerente à produção propriamente dita. Para provar essa afirmação, citou o caso dos arrendamentos rurais, no qual o produtor capitalista não era proprietário das terras. Agora, teremos no Brasil uma situação inédita na relação entre trabalho e capital, na qual o capitalista será proprietário dos meios de produção mas não pagará salários em toda a linha de produção. Contratará serviços prestados por terceiros, a quem caberá explorar a mão de obra à exaustão.

Ou seja, o Brasil protagonizará uma revolução nas relações entre capital e trabalho, que nem as empresas de ponta da sociedade do conhecimento (que contratam diretamente seus empregados) ousaram fazer. Será? Tenho dúvidas também.  A extinção da atividade-fim não é possível, o que é acontece nesse caso é a possibilidade de extinção do contrato de trabalhado assalariado na atividade-fim.

Produtividade

Como sei que Marx desperta estigmas e respulsas, deixemos o mouro de lado. O pai da terceirização ( ou "reprivatização") foi Peter Drucker, em 1989, que apontou a tendência num célebre artigo do The Economist, no qual previa que até o final daquele século, as empresas iriam passar por reestruturação cada vez mais forte e que seriam seguidas duas regras : (1) as atividades ou funções que não representassem a essência da Missão da Empresa seriam subcontratadas; e (2) o trabalho seria levado aonde as pessoas estão, em vez das pessoas ao local de trabalho. Vem daí essa distinção entre contratar terceirizados na atividade-meio e manter empregados na atividade -fim.

Na ocasião, Drucker preconizou que a General Motors teria que se tornar a Especific Motors, trabalhando na focalização tanto em seu negócio quanto em seus clientes. Sua afirmação tornou-se um "case" do mundo dos negócios porque a gigante automobilística não seguiu seus conselhos, mas os japoneses os adotaram e passaram a perna nas montadoras norte-americanas.

A terceirização ou "outsourcing" estratégico permite esta focalização. Atualmente, as empresas multinacionais podem encontrar no mercado global qualidade superior e maior flexibilidade do que têm internamente por meio da terceirização. Quando funcionários e custos gerais pertencem a serviços que podem ser comprados externamente, uma vantagem competitiva surge: a administração poderá alavancar seu recurso gerencial (um dos recursos mais caros e importantes da empresa), já que não será mais necessário dedicar atenção a atividades periféricas.

Precarização
Ou seja, a questão que está posta é a seguinte: do ponto de vista das empresas, as atividades-fim continuarão existindo; o que muda é a relação com a força de trabalho, que deixa de ser empregado com os mesmos direitos do corpo gerencial e passa a prestar serviços via uma empresa qualquer. Essa relação entre trabalho e capital será o que existe de mais neoliberal na produção, desde a extinção do apartheid, no qual o trabalhador negro sul-africano tinha liberdade para vender sua força de trabalho mas não tinha quaisquer direitos civis.

Voltemos à teoria do valor em Marx (sei que isso incomoda, mas não posso fazer nada): com a terceirização generalizada, as grandes empresas manterão sua capacidade de aumentar a mais-vaia relativa (graças ao insumo tecnológico e à preservação ds corpo técnico e gerencial que detem o conhecimento) e nivelarão por baixo a exploração da mais valia-absoluta (com a terceirização da força de trabalho na atividade-fim). A consequência dissso, na reprodução ampliada de capital, será um aumento de competitividade acompanhado de uma redução ainda maior da massa salarial. Ora, segundo a lei da taxa de lucro decrescente,  em última instância, essa é uma causa das crises cíclicas do capitalismo.

É óbvio que no meio da pelegada em geral, que disputa a tapa o controle dos sindicatos por causa do imposto sindical, essa questão da terceirização tem enorme impacto na relação entre as centrais. Na verdade, a CUT está sendo comida pelas beiradas da terceirização pelos concorrentes. Como ela é controlada pelo PT, a oposição apoia a terceirização em bloco, sem distinguir seus dirigentes dos metalúrgicos, bancários, professores, petroleiros...Que se danem, então? É claro que não!

Mas tudo isso pode cair por terra se acabar o imposto sindical, o que é capaz de provocar uma reorganização do movimento sindical por falta de financiamento de suas desmedidas estruturas atuais.  Duvido, porém, que os sindicalistas das demais centrais, como os da CUT, aceitem também essa mudança. O que estará em jogo não é o interesse do trabalhador em geral, mas as mordomias dos dirigentes sindicais.

100 dias que abalaram o Brasil

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 12/04/2015

Muitas das decisões de Dilma parecem não ter levado em conta as consequências políticas


Peter Drucker é quase uma lenda. Misto de guru da administração pública e ícone do mundo dos negócios, criou conceitos que revolucionaram a gestão de empresas e influenciaram a administração pública moderna. Para ele, a coisa mais importante em uma organização são as pessoas.

Comprometimento é uma palavra-chave. Segundo ele, “uma decisão só se torna eficaz quando os comprometimentos com a ação são incluídos na decisão desde o início”. Uma avaliação dos primeiros 100 dias do segundo mandato da presidente Dilma Rousseff poderia ter como explicação para o fracasso a falta de comprometimento dos parceiros com as suas decisões.

 Por exemplo, Dilma não teve o menor compromisso com o discurso e as promessas de sua campanha eleitoral. No jargão político da oposição, o nome disso é “estelionato eleitoral”.

Aumento dos combustíveis, tarifaço de energia elétrica, desemprego, juros elevados, aumento de impostos e corte nos direitos trabalhistas são, hoje, bandeiras da oposição contra o governo. Na campanha eleitoral, porém,  foram apresentadas por Dilma como propostas dos adversários.

Não é à toa que o senador Aécio Neves (PSDB-MG), derrotado nas urnas na disputa ao Planalto, aparece hoje nas pesquisas de opinião com muito mais prestígio do que a presidente da República.


Imperial, monocrática e voluntarista, a presidente da República colheu, em três meses e alguns dias, tudo o que plantou de errado ao longo dos quatro primeiros anos de governo. Isso foi agravado por decisões políticas intempestivas, de quem pensava que poderia tudo e deu com os burros n’água.

A agenda do Planalto, desde a posse no segundo mandato, é negativa, por mais que o palácio tente inverter o jogo com entrevistas diárias e atos administrativos. Dilma revelou dificuldades para lidar com a crise econômica e as pressões políticas. Governa contra a opinião pública.

A estratégia dela para o desenvolvimento do país, que chamou de “nova matriz econômica”, revelou-se um fracasso. Seu pior desempenho foi na área em que se dizia  grande especialista: a energia.

O escândalo da Petrobras, devido à Operação Lava-Jato, pôs à beira do colapso a estratégia de restauração do capitalismo de Estado como modelo de desenvolvimento.

A nomeação de Joaquim Levy, um economista da Escola de Chicago, para ministro da Fazenda, com a missão de executar um ajuste fiscal monetarista, foi a saída para evitar o colapso da economia. O economista não só  se tornou o principal fiador do governo perante os empresários como passou a negociar diretamente os termos do ajuste com os políticos.

Trapalhadas políticas

Muitas das decisões de Dilma parecem não ter levado em conta as consequências políticas, a começar pela montagem do seu estado-maior, formado pelos ministros Aloizio Mercadante (Casa Civil), Miguel Rossetto (Secretaria-Geral da Presidência), Pepe Vargas (Relações Institucionais) e Thomas Traumann (Comunicação Social), que implodiu. Os dois últimos já nem são mais ministros. A intenção do grupo era minar a influência do PMDB no Congresso e reduzir a participação do aliado principal no governo. Deu tudo errado.

Os primeiros sinais do desastre foram a derrota de Arlindo Chinaglia (PT-SP) na disputa pela Presidência da Câmara. Eduardo Cunha (PMDB-RJ) impôs uma derrota acachapante ao governo e agora dá as cartas na agenda legislativa. A ambiguidade no apoio à reeleição de Renan Calheiros (PMDB-AL) também deixou sequelas, pois o Palácio do Planalto perdeu o controle da pauta do Senado.

Na verdade, Dilma fez uma aposta fracassada nos efeitos da Operação Lava-Jato no Congresso. Faltou noção de que o parlamento tem fuso horário diferente do Judiciário. Os políticos enrolados nas denúncias, entres eles os presidentes das duas Casas, sentiram-se acuados e foram para o tudo ou nada com governo. Já deixaram Dilma de joelhos.

Agora, depois de uma rocambolesca operação política para substituir o ministro das Relações Institucionais, Pepe Vargas, Dilma acabou por extinguir a pasta e entregar a condução política das relações do governo com os aliados ao vice-presidente Michel Temer, que é o presidente do PMDB e o sucessor legal dela em caso de impedimento.

Temer passou a ser tratado pelos políticos como uma espécie de primeiro-ministro. Ninguém sabe o que vai ocorrer daqui para a frente. A primeira missão dele é reacomodar os aliados nos segundo e terceiro escalões do governo e pacificar o PMDB. Nada garante, porém, que a disputa entre os peemedebistas e o PT arrefeça. Pelo contrário, os sinais exteriores são de que o conflito aumentará.

A escolha de Temer também não resolve o problema do governo com a opinião pública, porque o PMDB está tão desgastado quanto o PT. Pode estabilizar a situação no Congresso para garantir a aprovação do ajuste fiscal, porém não promove um reencontro com as ruas. Os políticos torcem para que as manifestações de hoje sejam menores do que as de 15 de março, que  abalaram o país. Se mais gente for às ruas, a crise política se agravará.

quinta-feira, 9 de abril de 2015

Um olhar pra fora da casinha

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 09/04/2015

O encontro com Obama é uma oportunidade que a presidente da República deve agarrar com as duas mãos para reposicionar a diplomacia brasileira

A presidente Dilma Rousseff terá um encontro com o presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, no sábado, durante a Cúpula das Américas, no Panamá. Será o restabelecimento de uma agenda positiva entre os dois países. Os assuntos relacionados à cúpula, abaixo da linha do Equador, são negativos por causa da Venezuela; acima, porém, são positivos devido ao restabelecimento das relações diplomáticas dos Estados Unidos com Cuba.

As relações de Dilma com Obama andaram estremecidas desde o cancelamento da importante “visita de Estado” à Casa Branca que a presidente faria mas desistiu, em razão das denúncias de que líderes mundiais, entre os quais Dilma, haviam sido alvos de espionagem por parte do governo dos Estados Unidos.

Entre eles, estava Angela Merkel, que pôs pilha em Dilma para fazer o gesto de protesto. À época, soube-se que a Petrobras também fora espionada, o que endossou ainda mais a decisão de Dilma. Além disso, a retórica da defesa da estatal e dos interesses nacionais se encaixava como uma luva na estratégia da reeleição.

Uma coisa não justifica a outra, mas seria muito interessante saber quais informações eram essas sobre a Petrobras, ainda mais diante do escândalo de corrupção na estatal revelado pela Operação Lava-Jato, da Polícia Federal e do Ministério Público.

Ironia à parte, o encontro com Obama é uma oportunidade que a presidente da República deve agarrar com as duas mãos para reposicionar a diplomacia brasileira. Nossa política externa anda prisioneira de uma pauta envelhecida e, pior ainda, da geopolítica bolivariana dos vizinhos da Argentina, da Bolívia e da Venezuela.

O encontro com o presidente dos Estados Unidos não será uma agenda isolada, uma vez que Dilma também se encontrará com o secretário-geral da Organização das Nações Unidas (ONU), Ban Ki-moon, e com os presidentes do México, Enrique Peña Nieto; da Colômbia, Juan Manuel Santos; e do Haiti, Michel Martelly.

 É uma oportunidade de aggiornamento diplomático para o Brasil. Dilma bem que poderia aproveitar a nova situação criada pela “terceirizaçao” da política econômica, sob comando do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, e da política propriamente dita, delegada ao vice-presidente, Michel Temer, para dedicar mais tempo às viagens internacionais.

Renúncia branca

A propósito, na reunião da Executiva Nacional do PSDB, ontem, o senador e presidente nacional do PSDB, Aécio Neves (MG), afirmou que Dilma introduziu a “renúncia branca” na política brasileira. “Há, hoje, um interventor na economia, que pratica tudo aquilo que ela combateu ao longo de todo esse primeiro mandato. Agora, delega a coordenação política ao vice-presidente da República, a quem ela desprezou durante o primeiro mandato”, disse.

Não está muito claro ainda o que vai ocorrer com o governo. A ida de Michel Temer para a coordenação política foi uma decisão intempestiva de Dilma, como muitas outras que deram errado. Temer aceitou porque é do ramo e não poderia recusar a missão depois de o ministro da Aviação Civil, Eliseu Padilha, declinar do convite para assumir a agora extinta Secretaria de Relações Institucionais.

Uma nova recusa agravaria a crise política e significaria um rompimento do PMDB com o governo, após a quarta baixa no ministério em pouco menos de 100 dias de governo. A situação de Temer é a de sócio da crise ou da solução dos problemas. Se assumir, de fato, o comando político do governo, Dilma virará uma espécie de rainha da Inglaterra; se for um coordenador como outro qualquer, perderá a liderança do PMDB para os presidentes do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ).

quarta-feira, 8 de abril de 2015

A política por linhas tortas

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 08/04/2015
 
Desgastada pela crise econômica e pelos escândalos na Petrobras, com a popularidade em baixa, Dilma é obrigada a conviver com uma espécie de parlamentarismo velado


 A Presidência da República, por meio de nota oficial, informou que o ministro Pepe Vargas deixou o comando da Secretaria de Relações Institucionais e que o vice-presidente da República, Michel Temer, que preside o PMDB nacional, assumirá a articulação política do Palácio do Planalto.

Marisco na luta entre o mar e o rochedo, o petista encerrou sua melancólica passagem pelo cargo como o último a saber. Dilma, porém, pagou o mico da frustrada indicação para o cargo, na segunda-feira, do ministro da Aviação Civil, Eliseu Padilha, que ontem anunciou que não aceitaria o posto por razões familiares.

Desde que comandou a operação política para emplacar o deputado Arlindo Chinaglia (PT-SP) na presidência da Câmara, Pepe Vargas era alvo constante dos ataques de integrantes da base governista, especialmente dos parlamentares do PMDB.

Dilma tentou manter o velho companheiro de lidas gaúchas no posto, já que ele nada mais fez do que cumprir a orientação dela, mas, finalmente, jogou a toalha. A escolha de Padilha, veterano peemedebista gaúcho, foi outra grande patacoada. A emenda, porém, pode ter saído melhor do que o soneto.

Ao extinguir a pasta e entregar a coordenação política do governo a Michel Temer, Dilma finalmente deixou de lado o jogo de canastra no Palácio do Planalto, no qual dava as cartas, e entrou na roda de pôquer dos caciques do PMDB no Congresso. São outros quinhentos se vai conseguir fazer um Royal Straight Flush (uma sequência de 10 ao As, a melhor mão de cartas possível no pôquer texano).

Grande política

Depois de uma incrível sucessão de erros políticos, pode ser que a escolha de Temer seja um grande acerto. Dilma talvez tenha a intenção de manter o vice-presidente da República como seu principal articulador político pelas mesmas razões que a levaram a mantê-lo afastado do chamado “núcleo duro” do Palácio do Planalto: a desconfiança.

Como dizia Maquiavel, é melhor manter o possível inimigo por perto para controlá-lo. A missão dada a Temer equivale, na crise política, ao papel desempenhado pelo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, na economia. Os dois já vinham protagonizando as negociações do ajuste fiscal. Resta a Dilma o enorme poder administrativo centralizado na Casa Civil para controlar os dois.

Pode ser que isso crie condições mais favoráveis para a aprovação do ajuste e a rearticulação da base do governo no Congresso, mas a indicação de Temer não resolve a queda de braços com os presidentes do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), que foram surpreendidos pela decisão.

O que querem os dois caciques do PMDB no Congresso? Não é descascar o abacaxi da descoordenação política do governo nem salvar Dilma, é ocupar o centro do poder. É a partir daí que poderemos ter desdobramentos importantes. Um deles, é a saída de Aloizio Mercadante da Casa Civil.

Renan e Cunha dizem querer uma reforma ministerial que reduza o número de pastas na Esplanada e corte pela metade os cargos comissionados, a maioria ocupada por petistas. Mas querem a cabeça de Mercadante. Dilma acredita que removê-lo do posto seria uma demonstração de fraqueza.

O ministro da Casa Civil é apontado como autor intelectual de tudo o que deu errado no Palácio do Planalto também pelos petistas, inclusive pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, que gostaria de ver em seu lugar o ministro da Defesa, Jaques Wagner.

Desgastada pela crise econômica e pelos escândalos na Petrobras, com a popularidade em baixa, Dilma é obrigada a conviver com uma espécie de parlamentarismo velado, no qual a agenda política é estabelecida pelo Congresso. É para o Legislativo que convergem as grandes negociações nacionais, como ocorre com o indexador das dívidas dos estados, no Senado, e a votação da lei da tercerização, na Câmara.

É ou não a volta da grande política ao Congresso por linhas tortas?

terça-feira, 7 de abril de 2015

Distância regulamentar

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 17/04/2015


Após a redemocratização, virou palavrão ser de direita. Agora, a mesma coisa pode a acontecer com os partidos de esquerda, inclusive os que estão na oposição

 Inverteram-se as situações. Antes, era o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva que estava evitando aparições públicas ao lado da presidente Dilma Rousseff. Agora, a criatura é que já não faz questão de posar ao lado do criador. Lula temia ser contaminado pela crescente impopularidade do governo, agora é Dilma que teme ser contaminada pela desgastada imagem do PT, que Lula tenta salvar como quem puxa um afogado pelos cabelos.

Na verdade, do ponto de vista das pesquisas de opinião, já não faz tanta diferença se vão aparecer juntos ou separados. A imagem dos dois foi atingida pela crise econômica e o escândalo de corrupção na Petrobras. Não estão rompidos, mas as reclamações mútuas só crescem, como ocorre com os casais cujo casamento entrou em crise. Resultado: cada um adotou a própria estratégia de sobrevivência.

Lula faz movimentos contraditórios: defende a execução do ajuste fiscal com a maior brevidade possível nos bastidores, principalmente com os empresários. Publicamente, porém, atua no sentido de mobilizar os movimentos sociais organizados — CUT, UNE, MST etc. — em defesa das “conquistas”. Mira as eleições de 2018, pois somente sua candidatura pode representar uma alternativa de poder para o PT.

Ontem, na posse do novo ministro da Educação, Renato Janine Ribeiro, Dilma vestiu o manto protetor do patriotismo. “Eu tenho certeza de que a luta pela recuperação da Petrobras que está em curso é minha, é do meu governo, e eu tenho certeza que interessa a todo o povo brasileiro. O que está em jogo é a nossa soberania, o futuro do nosso país e da educação”, disse. Para Dilma, a exploração de petróleo nas áreas do pré-sal vai assegurar recursos permanentes para a educação.

Aparentemente, a presidente da República segue a cartilha do marqueteiro João Santana, que criou o slogan “Brasil, pátria educadora” para ser a marca do segundo mandato de Dilma. “A fonte das riquezas que planejamos para sustentar a educação já está em atividade. Mais do que isso, vai garantir uma renda sistemática para os próximos anos”, afirmou.

Ao se posicionar como salvadora da Petrobras e do pré-sal, porém, Dilma joga no colo do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva a responsabilidade pelos desmandos na estatal, que é a principal causa de desgaste eleitoral do ex-presidente.

No ventilador da Operação Lava-Jato, o discurso de que a oposição é golpista e conspira para derrubar Dilma porque ela defende os mais pobres se mistura com as denúncias de envolvimento do PT no esquema de desvio de dinheiro da estatal. O resultado disso é um desastre para a imagem do governo e do próprio partido perante s parcelas mais pobres da população, nas quais a queda de popularidade de Dilma é vertiginosa, e a rejeição ao PT só aumenta.

Não é só isso: o desgaste político causado pelo mensalão, pela Operação Lava-Jato e por outros escândalos já é semelhante à herança deixada pelo regime militar para as forças conservadoras do país. Após a redemocratização, virou palavrão ser de direita. Agora, a mesma coisa começa a acontecer com os partidos de esquerda, inclusive os que estão na oposição.

Sangue na floresta
A pesquisa Ibope/CNI divulgada na semana passada estimulou os predadores. Seu efeito foi devastador na base do governo no Congresso, principalmente no Nordeste, onde Dilma passou, pela primeira vez, a ter seu governo avaliado como “ruim ou péssimo” pela maioria da população (55%).

A CPI da Petrobras é outro fator complicador. Não é à toa que o assessor especial Marco Aurélio Garcia abriu as baterias contra o tesoureiro do PT, João Vaccari Neto, que prestará depoimento na CPI na quinta-feira. Ele se recusa a sair. O Palácio do Planalto teme que o depoimento funcione como combustível para as manifestações de protesto programadas para 12 de abril, domingo.

Ontem, a presidente convidou o ex-deputado e ministro da Aviação Civil, Eliseu Padilha (PMDB), para ser o novo titular das Relações Institucionais, abrindo uma vaga para o ex-deputado Henrique Eduardo Alves na Aviação Civil. Mas aguarda uma consulta do vice-presidente Michel Temer aos presidentes do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), e da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), para confirmar a indicação.

domingo, 5 de abril de 2015

O voo da galinha e o pato manco

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 05/04/2015

A esperta estratégia de deixar o câmbio e a inflação fazerem o serviço sujo do ajuste fiscal tem seu preço


 Sabe o que significa lame duck? Na gíria política norte-americana, é o político em fim de mandato, em minoria no parlamento, sem poder ou influência, que apenas aguarda a posse do sucessor. A expressão surgiu de um velho provébio de caçadores que diz: Never waste powder on a dead duck, isto é, “nunca desperdice pólvora com pato morto”.

Ocorre que um prefeito, governador ou presidente da República jamais será um pato morto, sempre terá algum poder para ajudar os aliados ou prejudicar os adversários. Ou seja, é melhor chamá-lo de “pato manco”. Se essa prudência serve para um político em fim de mandato, o que dirá então para uma presidente da República que acaba de ser reeleita, como é o caso de Dilma Rousseff.

E o “voo da galinha”? É uma gíria de economistas, que tem a ver com certa característica da economia brasileira, incapz de ter um crescimento sustentável. Galinhas são animais que ainda encontramos vivos em sítios e quintais de subúrbios; nos grandes centros urbanos, hoje, só abatidas, depenadas e congeladas, no freezer do supermercado. Raramente podemos vê-las voando. Ela precisa de espaço para ganhar impulso e dar seu voo curto.

Dilma venceu as eleições em 2010 graças a um voo de galinha da economia, cujo PIB cresceu 7,5% naquele ano e 3,9%, em 2011. Mas aterrissou em 2012, com um crescimento do PIB de 1,8% — em valores revisados pelo IBGE no mês passado. Como uma czarina da economia, a presidente da República tentou fazê-la voar novamente, com anabolizantes, mas a galinha não aguentou o tranco.

Com a queda forçada dos juros e expansão do crédito ao consumidor, desonerações fiscais e contenção artificial das tarifas públicas, o Brasil cresceu 2,7% em 2013. No ano passado, como o governo maquiou as contas públicas, “pedalou” parte das dívidas para este ano e gastou muito mais do que arrecadou. Resultado: o país parou. O crescimento do PIB de 2014 foi de apenas 0,1%, ou seja, quase nada. Tudo isso foi mascarado pela maciça propaganda oficial e, nas eleições, pelos programas eleitorais do PT.

O ajuste fiscal
Em começo de mandato, a presidente Dilma, porém, ainda sonha com um novo voo de galinha. Esse é o discurso oficial para aprovação do ajuste fiscal pelo Congresso. Ou seja, a promessa de que após os sacrifícios que estão sendo impostos ao país, haverá um novo ciclo de crescimento.

O discurso do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, vai na mesma direção, com objetivo de acalmar a base do governo e agradar a presidente da República. Mas ele sabe que as contas da equipe econômica não fecham, que a recuperação da economia não está garantida para 2016 e que o ajuste fiscal, politicamente, é uma negociação na qual terá que fazer mais concessões. Além disso, a esperta estratégia de deixar o câmbio e a inflação fazerem o serviço sujo do ajuste tem seu preço.

Vejamos o caso das dívidas dos estados e municípios, cuja votação foi adiada para esta semana. A federalização das dívidas estaduais, no governo Fernando Henrique Cardoso, foi um dos pilares do Plano Real. Mas os juros cobrados pelo Ministério da Fazenda na renegociação foram elevados demais, o que fez com que os saldos devedores das novas dívidas dos estados, mesmo com os pagamentos anuais realizados, crescessem de forma insuportável.

A renegociação das condições pactuadas em 1997 é uma reivindicação antiga de governadores e prefeitos. Agora, com o cobertor curto, o estresse acumulado ao longo dos anos pelo custo excessivo da dívida federalizada resultou num projeto de lei aprovado pela Câmara e na pauta do Senado que corrige seu saldo devedor. O Tesouro Nacional terá uma perda estimada de R$ 3 bilhões nas receitas com essa mudança de indexador. O que Levy negocia é o adiamento da mudança do indicador para 2016 porque conta com esses recursos para o ajuste fiscal. Bom, se for bem-sucedido, o problema estará apenas adiado por um ano.

Vamos supor, porém, que o ajuste seja feito com pleno êxito e venha mais um voo de galinha no fim de 2016. Mesmo assim a presidente Dilma Rousseff não ficará livre da síndrome do pato manco. A pesquisa Ibope/CNI, realizada entre 21 e 25 de março, mostra que sua gestão é considerada ruim ou péssima por 64% dos brasileiros, índice igual ao do presidente José Sarney em julho de 1989, no auge da hiperinflação e no fim de seu mandato. Apenas 12% dos entrevistados a consideram boa ou ótima.

Dilma perdeu a principal base eleitoral do governo, desde a eleição de Lula em 2002: 60% dos mais pobres, 56% dos menos escolarizados e 55% dos eleitores do Nordeste consideram o governo ruim ou péssimo. Além disso, 76% da população avaliam que o segundo mandato de Dilma está pior do que o primeiro; e 55% acreditam que o restante do mandato será ruim ou péssimo. Para muitos analistas, essa fratura na base social é irreversível.

quinta-feira, 2 de abril de 2015

E agora, caiu a ficha?

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 02/04/2013

O índice de confiança em Dilma contabiliza apenas 24%. Sua aprovação caiu de 63% para 22%, mesmo entre os eleitores que afirmaram ter votado nela 

Não faz tanto tempo assim, a maioria dos adultos ainda se lembra dos orelhões, os antigos telefones públicos, que já são peças de museu.
Ele funcionava por um sistema de fichas, mais ou menos como essas máquinas que vendem café expresso mediante a colocação de moedinhas. O sujeito tirava o telefone do gancho, colocava a ficha e discava o número. Quando a ligação se completava, ficava esperando ela cair. Só depois que isso acontecia poderia começar a conversa. É daí que vem a expressão que intitula a coluna.

Parece que a ficha finalmente caiu no Palácio do Planalto. Os sinais de que isso aconteceu foram dados pela presidente Dilma Rousseff esta semana, mas o fator decisivo foi a pesquisa CNI/Ibope divulgada ontem, que estava pronta desde sexta-feira e chegou ao conhecimento da Presidência no fim de semana. Segundo o Ibope, o governo é considerado “ruim/péssimo” para 64% dos entrevistados. A maneira de Dilma governar é desaprovada por 78%, enquanto 74% não confiam na presidente.

Os números confirmam a tendência já apontada pelas pesquisas anteriores do Datafolha e da CNT/MDA. Mostram que a popularidade da presidente parece ter chegado ao piso de aprovação: 12%. Segundo o Ibope, também é esse o percentual de avaliação positiva do governo. No Datafolha, o índice foi de 13%. Na CNT/MDA, atingiu 10,8%. O governo Dilma é desaprovado em todas as áreas, principalmente na economia. Apenas 23% consideram o governo “regular”.

Coube ao ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, comentar a pesquisa: “O governo tem que ter humildade, trabalho, trabalho e trabalho. Nosso compromisso é para quatro anos e três meses de governo. É apenas o início de um processo. Portanto, a fotografia não é boa, mas o filme vai ser muito bom”. A mensagem é de que o governo não perdeu a perspectiva, mas a verdade é que a situação é muito difícil.

Entre as pesquisas CNI/Ibope de dezembro do ano passado e de março deste ano, houve uma inversão entre os percentuais de avaliação positiva e negativa do governo. O índice “ótimo/bom” caiu 28 pontos, enquanto o percentual “ruim/péssimo” cresceu 37 pontos. Já a avaliação regular caiu nove pontos.

Quem avaliava o governo de forma positiva ou regular, agora o desaprova. Analistas consideram muito difícil uma recuperação em razão de dois fatores: o agravamento da situação da economia e os desdobramentos da Operação Lava-Jato, que investiga o escândalo da Petrobras. São duas variáveis que o governo não controla e que vão perdurar no processo ao longo dos próximos anos, talvez por todo o mandato de Dilma.

Estelionato eleitoral

Uma dessas variáveis foi subestimada por Dilma. Não estava no seu horizonte a contaminação da imagem dela pelo escândalo da Petrobras. A presidente da República, desde a famosa carta na qual tirou o corpo fora da compra superfaturada da refinaria de Pasadena, no Texas (EUA), procurou manter distância regulamentar dos chamados malfeitos da estatal. Mas não conseguiu evitar os danos de imagem.

Havia até uma grande expectativa de que a revelação da famosa lista do procurador-geral da República, Rodrigo Janot, levaria a borrasca que atingiu a Petrobras para o Congresso, mas deixaria ao largo o Palácio do Planalto. Não foi o que aconteceu. Dilma não conseguiu encarnar o papel de reserva moral diante dos políticos envolvidos.

O maior problema, porém, é a contradição entre o discurso de campanha eleitoral, no qual mascarou os problemas e prometeu uma vida cor-de-rosa para os eleitores, e a dura realidade. A “desconstrução” dos adversários na campanha eleitoral cobra agora o seu preço. De acordo com o Ibope, 76% entendem que o segundo governo Dilma é pior do que o primeiro.

Aumentos das tarifas de energia e combustíveis, alta da inflação e dos juros, reajuste dos remédios… Muitos dos indicadores negativos da economia têm impacto direto no bolso dos eleitores. Resultado: o índice de confiança em Dilma contabiliza apenas 24%. Sua aprovação caiu de 63% para 22%, mesmo entre os eleitores que afirmaram ter votado nela na eleição presidencial do ano passado.

O estrago é generalizado. O combate à fome e à pobreza e as medidas para evitar o aumento do desemprego são desaprovados por 64% e 79%, respectivamente. Nessas duas áreas, a aprovação é de apenas 33% e 19%. A educação também é fortemente rejeitada (73%). A esmagadora maioria desaprova o combate à inflação (84%), a taxa de juros (89%) e os impostos (90%). Sobre o futuro do governo, 55% têm uma expectativa negativa (“ruim/péssimo”) contra apenas 14% que demonstram otimismo (“ótimo/bom”).

quarta-feira, 1 de abril de 2015

Na mesma canoa

 Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 01/04/2015

 Enquanto o ajuste fiscal navega como pau de enchente no Congresso, a situação da economia se agrava. Os números são bem piores do que o esperado
 
 Todas as fichas do governo foram apostadas na negociação do ministro da Fazenda, Joaquim Levy, com o PMDB para aprovação do ajuste fiscal pelo Congresso. Não é um acordo fácil, apesar do desempenho do ministro na Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado ontem ter sido considerado satisfatório pelo governo e pelos caciques do PMDB. Os líderes do partido fizeram um acordo com Levy em relação às dívidas dos estados. 
 
O projeto aprovado pela Câmara obriga o governo a abater parte da dívida que estados e prefeituras têm com a União, medida que teria, em um ano, impacto da ordem de R$ 3 bilhões para o Executivo. De acordo com Levy, o governo não pode deixar de ganhar essa receita. 
 
Na verdade, a reunião de ontem da CAE foi cercada de grande expectativa, mas acabou como uma espécie de Batalha de Itararé (SP), aquela que seria uma carnificina entre governistas e rebeldes na Revolução de 1930, mas acabou não acontecendo, porque os moradores receberam Getúlio Vargas em festa. 
 
Na audiência pública, Levy fez um aceno ao PT ao dizer que o Brasil foi um dos únicos países que baixou imposto nos últimos anos — "fizemos mais cortes de impostos do que ampliação de gastos, em comparação com outros países" — e outro para o PMDB, ao sustentar que o ajuste é uma "plataforma para a retomada do crescimento".
 
Também mandou confete para o PSDB: "FHC mudou o câmbio e mudou o ajuste fiscal, que de 1994 a 1998, tinha sido uma economia mais relaxada. Ele fez um ajuste fiscal importante para reequilibrar e voltar a dar condições de competitividade".
 
O discurso de Joaquim Levy foi um recado de que governistas e oposicionistas estão na mesma canoa ameaçada de naufrágio, do ponto de vista da crise econômica. Isto é, precisam do ajuste fiscal para evitar o desastre nos estados e municípios que controlam. 
 
Nas futuras votações do Congresso é que saberemos se esse discurso colou. Ontem, deu uma desanuviada nas negociações em relação ao indexador das dívidas dos estados e municípios e à convalidação dos incentivos fiscais dos estados. 
 
Levy chegou ao Congresso fortalecido pelo fato de a presidente Dilma ter digerido as críticas que fizera a ela, na semana passada, durante encontro com professores e ex-alunos da Universidade de Chicago, da qual foi aluno. Também foi beneficiado pelo discurso de Dilma Rousseff na posse do novo ministro da Comunicação Social, Edinho Silva.
 
A presidente da República acenou com uma espécie de bandeira branca para a mídia: "A liberdade de imprensa, para mim e para o meu governo, é uma das pedras fundadoras da democracia. A liberdade de expressão da qual a liberdade de imprensa é uma pedra fundamental é a grande conquista do processo de redemocratização do nosso país".
 
Dilma também mandou sinais de fumaça para a oposição: "Liberdade de expressão e liberdade de imprensa são, sobretudo, o exercício do direito de ter opiniões, do direito de criticar e apoiar, tanto políticas quanto o governo. O direito de ter oposições e o direito de externá-las sem consequências e sem repressão", afirmou.

Estados e municípios
 
Levy negociou uma alternativa à mudança em 30 dias no indexador da dívida dos estados e municípios, aprovada pela Câmara na semana passada, que tem impacto fiscal estimado em R$ 3 bilhões ao ano. A proposta dele é manter os indexadores das dívidas como estão durante o ano, ressarcindo os estados e os municípios no fim de 2015. "Para os estados, também está sendo um ano de desafio", afirmou. 
 
A proposta dividiu o Senado, a ponto de o colégio de líderes ter proposto a inversão da pauta de ontem, para votar primeiro a consolidação dos incentivos fiscais concedidos pelos estados e só depois o indexador das dívidas. 
 
A maioria dos senadores, independentemente dos partidos, temia que a sessão fosse esvaziada depois da votação do acordo indexador. "Esse não é um assunto partidário nem de governo. Esse é um assunto dos estados, que essa Casa representa", justificava o senador Walter Pinheiro (PT-BA). Após a inversão da pauta, a votação das propostas foi adiada para a próxima semana. Ponto para Levy.
 
Suspeitava-se de uma acordo de Levy com os governadores de São Paulo, Geraldo Alckmin (PSDB); do Rio de Janeiro, Luiz Fernando Pezão (PMDB-RJ); e de Minas Gerais, Fernando Pimentel (PT), para esvaziar a votação da consolidação dos incentivos concedidos pelos demais estados, na guerra fiscal contra a Região Sudeste. 
 
Levy acena com uma mudança no Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), com uma alíquota maior no destino, onde a mercadoria é consumida, do que na origem, onde ela é produzida, para pôr um fim ao contencioso entre os estados. Essa é mais uma polêmica, pois os senadores querem criar dois fundos, um de compensação e outro de desenvolvimento, para aceitar a proposta.
 
Enquanto o ajuste fiscal navega como pau de enchente no Congresso, a situação da economia se agrava. O Banco Central divulgou ontem os resultados das contas públicas em fevereiro. Os números são bem piores do que o esperado: as receitas subiram 0,1%, e as despesas, 5,5%. Em fevereiro, foram R$ 2,3 bilhões no vermelho, ou seja, mais dificuldade para alcançar a economia de R$ 66 bilhões prevista como meta para o superavit primário.