quarta-feira, 18 de fevereiro de 2009

O barraco no PMDB

Ninguém pode dizer que se enganou com o PMDB e seus caciques regionais. Mas a política brasileira poderia ser ainda pior sem eles, como aliás já foi provado

Por Luiz Carlos Azedo


O senador Jarbas Vasconcelos , ex-governador de Pernambuco e fundador do partido, armou o maior barraco no PMDB e ficou por isso mesmo. A cúpula da legenda resolveu deixá-lo falando sozinho, embora a repercussão de sua entrevista à revista Veja, na qual acusa o partido de corrupção e fisiologismo, continue grande na mídia. Aparentemente, Jarbas cansou de ser escanteado pelos demais caciques da legenda e resolveu abrir uma dissidência que, pelo teor das acusações, não tem volta e deixa o PMDB na berlinda.

Fiel da balança

Não vou entrar no mérito da discussão aberta por Jarbas, que resolveu lavar a roupa suja de seu partido em público, para alegria da imprensa, pois quebrou a monotonia da cobertura política. Tão pouco quero adivinhar suas motivações íntimas, que para alguns analistas seriam fundar outro partido e virar vice da candidatura do governador paulista José Serra (PSDB) a presidente da República. Também não discuto suas críticas ao governo Lula, principalmente ao Bolsa Família, que para alguns são coisas de quem não gosta de pobre. Vou fechar o foco no que julgo mais importante: o PMDB começa a pagar o preço de ser o fiel da balança na sucessão de Lula em 2010.

Com seus governadores, prefeitos e parlamentares, a força renovada do PMDB no Congresso foi construída de baixo para cima, nas duas últimas eleições, e sua presença no governo Lula é muito mais uma consequência do que a causa desse fortalecimento. A legenda é fiadora da governabilidade do país. Sem o apoio do PMDB, o governo Lula não teria sustentação política no Congresso e ficaria à matroca. Não é à toa que ocupa seis ministérios na Esplanada, muito menos que tenha conquistado as presidências do Senado e da Câmara, ocupadas respectivamente por um antigo desafeto de Jarbas, o senador José Sarney (AP), e um suposto aliado, o deputado Michel Temer (SP).

A propósito, há uma curiosa assimetria nas relações do PT com o PMDB nas duas casas do Congresso. No Senado, as relações entre os dois partidos do “governo de coalizão” vão de mal a pior. Jarbas apoiou o petista Tião Viana (AC), que deveria ter retirado a sua candidatura anti-Sarney e não o fez porque recebeu o apoio da oposição. Na Câmara, ao contrário do que se poderia supor, o PT nunca esteve tão afinado com o PMDB, numa aliança que serviu de eixo para eleição de Michel Temer, diga-se de passagem, com apoio dos partidos de oposição.

Uma esfinge

Ninguém pode dizer que se enganou com o PMDB e seus caciques regionais. Mas a política brasileira poderia ser ainda pior sem eles, como aliás já foi provado. Ocorre que a cúpula do PMDB — da qual Jarbas se excluiu — há muito não estava tão unida como agora. E transformou a legenda numa esfinge, capaz de devorar aqueles que não forem capazes de decifrá-la. Ninguém, por exemplo, precisa falar ao ex-presidente José Sarney que ele é um personagem do passado, que teima em protagonizar o presente. Ele sabe disso melhor do que ninguém.

Mas qual Sarney? O da UDN Bossa Nova, que era suspeito de ser comunista? O deputado da Arena que apoiava o regime militar? O dissidente que articulou o PDS e se filiou ao PMDB para ser vice do presidente Tancredo Neves? O presidente da República que legalizou o Partido Comunista? O chefe de Estado que autorizou o Exército a reprimir os operários de Volta Redonda? O oligarca que resolveu embarcar na candidatura de Lula em 2002? Ninguém sabe o que Sarney fará na eleição de 2010, só que ele está no jogo.

Temer, com a sua troika de escudeiros na bancada de deputados do PMDB — Henrique Eduardo Alves (RN), Eliseu Padilha (RS) e Eduardo Cunha (RJ) —-, dá as cartas na Câmara. Qual é a do presidente licenciado do PMDB, um notório equilibrista da política? Para onde irá essa turma em 2010? Ninguém sabe ainda, pois operam ao mesmo tempo com o governo e a oposição, num jogo em que garantem apoio ao presidente Lula mas se reservam ao direito de lançar um candidato próprio ou apoiar um candidato não oficial desde que não seja um anti-Lula. Por isso, dividir o PMDB anula esse jogo.

Publicado hoje na coluna Nas Entrelinhas do Correio Braziliense

domingo, 15 de fevereiro de 2009

Entre dois mundos

Diante do colapso do mercado financeiro internacional, da perplexidade do mundo empresarial e das incertezas nas principais economias do mundo, o Brasil seria uma espécie de “elo fraco” da globalização?

Por Luiz Carlos Azedo

Alguma coisa está fora da ordem no projeto Dilma 2010. No plano eleitoral, a estratégia do presidente Luiz Inácio Lula da Silva para sua sucessão pode ser bem-sucedida, depende das circunstâncias e da ajuda dos candidatos de oposição. A questão é outra. O projeto econômico que emerge com a candidatura da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, lembra o II Plano Nacional de Desenvolvimento (PND) do governo Geisel, na década de 1970, que foi volatilizado pela crise do petróleo, a incapacidade de financiamento do setor público e o esgotamento do processo de substituição de importações.

O colapso

Há muitas polêmicas sobre as causas da queda do Muro de Berlim e do fim da União Soviética e a subsequente hegemonia do neoliberalismo, mas algumas são aceitas por todos. Por exemplo, o fato de que o avanço tecnológico do Ocidente, com a informática, as telecomunicações, os novos materiais, a miniaturização, a biogenética e os sistemas de produção flexíveis, colocou em xeque modelos baseados fundamentalmente na grande indústria mecanizada e no planejamento estatal centralizado. Essa foi a base objetiva do colapso do “socialismo real”, que não acompanhou uma economia na qual os capitais circulavam cada vez mais rápido e os mercados estavam sincronizados pela desregulamentação financeira. A China sobreviveu porque se adaptou ao processo e endureceu a repressão aos que contestam o Partido Comunista.

Agora, estamos vendo o desfecho desse processo nas economias capitalistas. As inovações tecnológicas proporcionaram aumento da produtividade, mas a massa salarial não acompanhou a superprodução, sobretudo na China. O consumo, principalmente nos Estados Unidos, foi financiado pelo crédito ilimitado, que alavancou as principais instituições financeiras. Foi a vez de Wall Street entrar em colapso, dando início a essa crise sem precedentes desde a Grande Depressão de 1929. No plano político, uma surpresa: os falcões do complexo militar industrial norte-americano e os lobbies petrolíferos, que mandaram e desmandaram no governo Bush, foram derrotados por Barack Obama. Um cenário diferente daquele que havia durante e após a II Guerra Mundial.

O projeto

A ministra Dilma Rousseff conquistou a posição de principal integrante da equipe ministerial e candidata à sucessão de Lula . Se qualificou, durante seis anos de governo, como melhor gerente dos negócios do Estado junto aos interesses públicos e privados. Numa linha de ampliação do dirigismo estatal na economia, Dilma travou uma luta surda contra a equipe econômica para que a política do “mais do mesmo” — juros altos, câmbio flutuante e superávit fiscal — fosse flexibilizada. No lugar da meta de inflação, a de crescimento. Na verdade, essa contradição foi mitigada pela expansão da economia mundial. Mas a crise chegou por aqui justamente quando o Brasil ultrapassava taxas de 5% de crescimento do PIB.

É nessa conjuntura nova que emerge com força o projeto protagonizado pela Casa Civil. Que modelo é esse? A grosso modo, se inspira no velho processo de substituição de importações e no planejamento governamental da Era Vargas. Para garantir os investimentos, mais atuação dos bancos oficiais, dos fundos de pensão e das agências reguladoras junto às grandes empresas do país. Para assegurar a demanda, ampliação das políticas sociais para a população de baixa renda, expansão dos gastos públicos e da massa salarial do funcionalismo. Tudo sob comando de uma nova burocracia federal, engajada partidariamente, menos liberal que a tradicional. Uma espécie de novo “capitalismo de Estado”, que ainda é visto com ingenuidade pela esquerda petista como uma suposta antessala do socialismo.

Diante do colapso do mercado financeiro internacional, da perplexidade do mundo empresarial e das incertezas nas principais economias do mundo, o Brasil seria uma espécie de “elo fraco” do globalização? Não acredito. Sem entrar no mérito da qualidade dos investimentos do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), tal modelo é meio “asiático”, sem sustentação a longo prazo. É prisioneiro da velha economia do petróleo, da exploração mineral, das velhas plantas industriais e da monocultura de exportação, enquanto os países centrais, justamente os mais atingidos pela crise, buscarão construir saídas mais sustentáveis, com base em novas fontes de energia, novas tecnologias, novos materiais, etc. Enfim, explorar as fronteiras do conhecimento e uma nova relação com meio ambiente para se desenvolver e melhorar a qualidade de vida.

Publicado hoje na coluna Nas Entrelinhas do Correio Braziliense

quinta-feira, 12 de fevereiro de 2009

Casuísmo eleitoral

A reforma política não passa no Congresso, só os casuísmos,
como a janela para o troca-troca partidário


Por Luiz Carlos Azedo


Não estou entre aqueles que consideram o nosso
sistema eleitoral a matriz de todos os males da política
brasileira. Temos a maior democracia de
massas do mundo, com eleições limpas, voto direto,
secreto e universal. A crise de representatividade dos
partidos é um problema mais profundo, que independe
do sistema eleitoral. Desconfio de reformas políticas aprovadas
a toque de caixa, às vésperas das eleições. É um cacoete
herdado do regime militar, que recorria aos casuísmos
eleitorais para favorecer o status quo.
Por isso mesmo, a proposta de reforma política enviada
ao Congresso pelo governo Lula, por mais bemintencionada
que seja, acabará virando mais um casuísmo
eleitoral. Se a reforma política fosse mesmo fundamental
para o governo, teria sido feita no primeiro
mandato do presidente Lula ou logo nos primeiros meses
do segundo. Ou seja, estamos diante de mais uma
mudança nas regras do jogo às vésperas da eleição, o
que não é novidade. Eis a reforma:

Lista partidária fechada
Os eleitores não votarão em candidatos a vereador, deputado
estadual e federal, mas nos partidos, que concorrerão
com listas fechadas de nomes. A cédula eleitoral terá espaço
apenas para que o eleitor indique a sigla ou o número
do partido em cuja lista pretende votar.
Comentário: a proposta
dá poderes ilimitados aos "donos" dos partidos.


Financiamento de campanhas
O Orçamento da União incluirá dotação destinada ao financiamento
público exclusivo de campanhas. O TSE
distribuirá os recursos da seguinte forma: 1% dividido
igualmente entre os partidos registrados; 19% divididos
igualmente entre os partidos com representação na Câmara;
e 80% divididos entre os partidos proporcionalmente
ao número de eleitos na última eleição para a Câmara.
Comentário: só beneficia os grandes partidos.

Fidelidade partidária
Os parlamentares que mudarem ou forem expulsos de
partido perderão os mandatos para os respectivos suplentes.
Será permitida a desfiliação em caso de perseguição
política ou mudança de programa partidário, desde que
aprovada pela Justiça. Será possível mudar de partido para
disputar a eleição subsequente.
Comentário: abre-se uma
janela para o trocatroca partidário.


Inelegibilidade

São inelegíveis candidatos
condenadosem segunda instância,seja por crime
eleitoral ou por um rol de delitos, que inclui
abuso do poder econômico ou político,crime contra a
economia popular,contra a administração
pública ou por tráfico de entorpecentes. A inelegibilidade
valerá para a eleição à qual o candidato concorre
ou foi eleito e para as que se realizarem no três
anos seguintes.
Comentário: contraria decisão do STF de
que ninguém pode ser impedido de concorrer à eleição
antes do processo ser concluído na última instância.


Coligações
Fim das coligações para eleições proporcionais (para
deputado federal, estadual e vereador). A coligação das
eleições majoritárias (para presidente, governador, prefeito
e senador) disporá do tempo de rádio e televisão
destinado ao partido com o maior número de representantes
na Câmara.
Comentário: liquida os pequenos
partidos e redistribui os tempos de televisão dos partidos
que não lançarem candidaturas próprias.


Cláusula de barreira
O mandato de deputado (federal, estadual ou distrital)
só poderá ser exercido pelo candidato eleito cujo
partido alcançar pelo menos 1% dos votos válidos, excluídos
os brancos e os nulos, em eleição para a Câmara,
e distribuídos em pelo menos um terço dos estados,
com o mínimo de 0,5% dos votos em cada estado.
Comentário: a representação dos pequenos partidos
será cassada.


A reforma política não passa no Congresso, só os casuísmos,
como a janela para o troca-troca partidário,
sem a qual o fim das coligações e a clausula de barreira
dificilmente serão aprovadas. O voto em lista tem apoio
no Senado, mas não na Câmara. Eleitos pelo voto proporcional
uninominal, os deputados não entregarão a
própria reeleição à burocracia partidária. O financiamento
público enfrenta resistência pelo mesmo motivo.
Quanto à inelegibilidade, é como falar de corda em
casa de enforcado.

Publicado na coluna Nas Entrelinhas do Correio Braziliense em 11 de janeiro de 2009

Em marcha forçada

Dilma opera com o Orçamento da União, os bancos oficiais,
os fundos de pensão e as agências reguladoras,
numa espécie de novo “dirigismo estatal”


Por Luiz Carlos Azedo
O Brasil, tecnicamente, entrou em recessão. Ilha
de tranquilidade num mar proceloso, o nosso
ciclo de desaceleração está em curso desde dezembro
passado, no rastro da crise nas 30 nações
mais ricas do mundo. Talvez por isso, o presidente
Luiz Inácio Lula da Silva tenha resolvido antecipar a
disputa sucessória. Numa espécie de marcha forçada,
colocou na estrada a candidatura da “mãe do PAC”, a ministra-
chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff (PT), gerente
do “Programa de Aceleração do Crescimento”. Se o Brasil
conseguir sair da recessão antes das eleições de 2010,
Dilma poderia virar uma espécie de Fernando Henrique
Cardoso de saias, isto é, se eleger presidenta da República
de forma semelhante ao tucano, que chegou ao Palácio
do Planalto, em 1995, graças ao Plano Real.
Recessão
Nesta semana, a Organização para a Cooperação e o
Desenvolvimento Econômico (OCDE) diagnosticou a
desaceleração da economia brasileira. O presidente
Luiz Inácio Lula da Silva enfrenta a recessão de duas
maneiras. No plano objetivo, adota medidas fiscais e
monetárias para garantir o crédito e a produção, estimula
o consumo das famílias e amplia o gasto público.
No subjetivo, diz que o novo presidente dos Estados
Unidos, Barack Obama, está com um “pepinaço” nas
mãos e estamos pagando pelos erros dos norte-americanos.
Ou seja, se a crise chegar aqui pra valer o fracasso
será de Obama.
A estratégia de Lula é eficiente do ponto de vista eleitoral.
Dos 35 países avaliados pela OCDE, o Brasil é o único
que não está em “forte desaceleração”. Ou seja, a “marolinha”
virou “calhau”, mas não deu um “caldo” no governo.
Porém, não sabemos ainda se a crise chegou mais
branda por aqui ou está vindo atrasada. Os próximos
meses é que dirão. Na primeira hipótese, as chances de o
governo Lula sair altaneiro da crise em 2010 são reais; na
segunda, a sucessão presidencial ocorreria em plena recessão,
com o governo desgastado.Nos países industrializados
e emergentes,a desaceleração foi de 8,2 pontos em 12 meses, chegando
a 92,9 pontos.Na zona do euro, a queda foi de 8,2 pontos
em relação a 2007,com 93,8 pontos. Nos Estados Unidos, o recuo
foi de 9,5 em um ano, com total de 91,3 pontos. O Japão caiu
para 92,2 em dezembro,uma queda de 7,3 pontos em relação
ao ano passado. O Brasil ficou abaixo de cem pontos
pela primeira vez em cinco anos. Em dezembro, ficou em
98,8 pontos, uma perda de 5,4 pontos no ano, a melhor situação
entre os BRICs: China recuou 14 pontos no ano,
total de 87,6 pontos; Índia, 7,5 pontos, soma de 94,4 pontos;
e Rússia queda de 17,7, total de 86,7 pontos. Para a
OCDE, nota inferior a 100 significa recessão.
Sucessão
O presidente Lula, cuja popularidade cresceu ainda mais
com a crise, conseguiu a proeza de transformar a ministra
Dilma Rousseff na candidata natural do PT dois anos antes
da eleição. Agora, tece alianças para que seja a monopção
das forças que apoiam o seu governo. Essa aglutinação,
inicialmente, não se dá por meio dos partidos políticos.
É construída a partir das relações do governo Lula
com os movimentos sociais e os agentes econômicos. Dilma
ocupa a segunda posição no vértice do sistema de poder,
abaixo da presidente da República, mas acima de todos
os demais ministros. Não há demanda social expressiva
ou grande negócio no país que não dependa do aval
“técnico” da ministra.
Graças ao marketing político, que dita o gestual, a retórica
e o visual de Dilma, a ministra subiu nas pesquisas
e acumula forças para conquistar a adesão maciça
do PMDB, hoje muito bem plantado na Esplanada dos
Ministérios. Há que se considerar, para isso, o papel dela
na execução da política “anticíclica” do governo Lula.
Dilma opera com o Orçamento da União, os bancos oficiais,
os fundos de pensão e as agências reguladoras,
numa espécie de novo “dirigismo estatal”, sem precedentes
desde o governo Geisel. A crise econômica fortaleceu
no governo os setores que veem no “capitalismo
de Estado” uma alternativa para o desenvolvimento
econômico e as mudanças sociais, ainda que o “ciclo de
substituição de importações”, que fomentou essa concepção
entre os militares e na esquerda brasileira, tenha
sido ultrapassado pela integração do Brasil à economia
mundial na década de 1990. Dilma defende e encarna
esse projeto no governo.

Publicano na coluna Nas Entrelinhas do Correio Braziliense em 08 de fevereiro de 2009

quarta-feira, 4 de fevereiro de 2009

A restauração peemedebista

A leitura atenta da pesquisa divulgada pela CNT-Sensus mostra que uma avenida se abriu para a cúpula do PMDB chegar ao centro do poder

Por Luiz Carlos Azedo


A grande incógnita da sucessão de 2010 é o jogo do PMDB, que acabou de empalmar o comando do Congresso, para o qual elegeu José Sarney (AP), no Senado, e Michel Temer (SP), na Câmara. Ninguém sabe quem será o candidato da legenda na sucessão do presidente Luiz Inácio Lula da Silva em 2010, o que embaralha o jogo.

O déjà vu
Nas colunas de cartas de leitores nos jornais, a volta do PMDB ao comando do Congresso é vista pela maioria da pessoas como uma espécie de déjà vu. A expressão francesa significa um reação psicológica a lugares, pessoas e situações que parecem se repetir. Literalmente, é o “já visto”, aquilo que não acrescenta nada de novo. Na História, o grande déjà vu foi a restauração da monarquia na França, em 1851, como se fosse reverter historicamente a Revolução Francesa (1789-1799). Em pleno capitalismo, a volta às velhas relações feudais era uma missão impossível para a aristocracia francesa.

Marx escreveu sobre isso num livro famoso, sua única obra dedicada à análise do processo político real: O Dezoito Brumário de Luís Bonaparte. É desse livro a afirmação que me vem à cabeça quando tento entender o desfecho das relações do governo Lula com o PMDB depois de seis anos de poder: “Os homens fazem sua própria história, mas não a fazem como querem; não a fazem sob circunstâncias de sua escolha e sim sob aquelas com que se defrontam diretamente, legadas e transmitidas pelo passado. A tradição de todas as gerações mortas oprime como um pesadelo o cérebro dos vivos. E justamente quando parecem empenhados em revolucionar-se a si e às coisas, em criar algo que jamais existiu, precisamente nesses períodos de crise revolucionária, os homens conjuram ansiosamente em seu auxilio os espíritos do passado”.

As ganas

Por causa da crise mundial, as ações do governo Lula apontam para uma guinada à esquerda, no rumo de uma espécie de novo “capitalismo de Estado” nacional-desenvolvimentista. Porém, a estabilidade política do governo e o projeto eleitoral encarnado pela candidatura de Dilma Rousseff foram confiados ao ex-presidente Sarney, o mais veterano dos caciques políticos em atividade, e a Temer, cristão-novo na base governista, que darão as cartas no PMDB. Ambos são políticos moderados, de formação liberal, sem nenhum alinhamento às concepções socialistas da ministra-chefe da Casa Civil. A conversa mais fácil de Sarney é com o governador mineiro Aécio Neves; a de Temer, com o governador paulista José Serra. Ambos são do PSDB, mas um deles está sobrando na luta pela vaga de candidato tucano.

A cúpula do PMDB realizou com sucesso exemplar o “aggiornamento” do partido em direção ao governo. Mesmo assim, para a maioria dos analistas, está irremediavelmente dividida, não tem projeto nacional, faz valer sua hegemonia no parlamento apenas para participar com ganas do condomínio de poder. Será mesmo isso? Não está escrito nas estrelas que a única alternativa do partido é se dividir entre dilmistas e serristas. Se o grupo de Sarney convergir em direção ao de Temer, com apoio dos governadores e das bancadas, pode surgir uma candidatura própria do PMDB, que sempre foi um projeto derrotado na luta interna da legenda, seja pela falta de um candidato que empolgasse realmente as bases do partido, seja em razão das conveniências regionais de seus caciques. A leitura atenta da pesquisa divulgada pela CNT-Sensus mostra que uma avenida se abriu para a cúpula do PMDB chegar ao centro do poder. O presidente Lula aparece mais forte do que nunca, no alto dos seus 84% de aprovação pessoal. Serra continua na frente. Dilma se consolidou. Mas Aécio é um candidato competitivo, seu problema é conseguir uma legenda confiável. Ou seja, o PMDB tem três alternativas pela frente, mas precisa marchar como monobloco em torno de um candidato para a História não se repetir como farsa.

Publicado hoje na coluna Nas Entrelinhas do Correio Braziliense

domingo, 1 de fevereiro de 2009

Alguma coisa está errada

O Brasil não discutiu o terrorismo com a intensidade da Itália. Nossa Lei de Anistia, fruto de uma transição negociada entre líderes políticos e generais, é um manto de silêncio sobre esse assunto

Por Luiz carlos Azedo
O ministro da Justiça, Tarso Genro, não convence ao defender a concessão de refúgio político ao italiano Cesare Battisti, ex-militante do PAC, Proletariados Armados para o Comunismo, uma antiga organização terrorista, condenado à prisão perpétua pela Justiça italiana por autoria de quatro homicídios. O ministro argumenta que Battisti não teve direito de defesa e sofre perseguição política na Itália. A decisão provocou forte reação dos meios de comunicação e dos partidos políticos, do Congresso e do governo Berlusconi. O presidente da Itália, o ex-comunista Giorgio Napolitano, escreveu uma carta para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, na qual pediu a reconsideração do ato. O presidente Lula, porém, manteve a decisão. Agora, cabe ao Supremo Tribunal Federal (STF) revê-la ou não. Uma pergunta fica no ar: vale a pena comprar essa briga por Battisti?

O crime
Oriundis como a juíza Denise Frossard e o jornalista Mino Carta, com dupla nacionalidade, baixam o sarrafo na decisão. Battisti foi um jovem delinquente convertido à esquerda radical no decorrer dos anos 70, marcados na Itália pelo surgimento das Brigadas Vermelhas e outras organizações terroristas. Magistrados, políticos, sindicalistas e jornalistas foram assassinados, inclusive o presidente da Democracia Cristã, Aldo Moro. Em plena Guerra Fria, Moro negociava um governo de coalizão com o então secretário-geral do PCI, Enrico Berlinguer, o chamado “compromisso histórico”. O crime provocou comoção na Itália .

Battisti foi condenado à prisão perpétua porque teria matado um carcereiro, um joalheiro, um açougueiro e um agente policial. Preso, foi espetacularmente resgatado por seus companheiros. Exilou-se na França, de onde fugiu para o Brasil, quando as autoridades francesas resolveram extraditá-lo. Hoje, escreve histórias policiais e diz que nunca foi terrorista e não matou ninguém, considera-se um perseguido político. É difícil acreditar mais em Battisti do que nas autoridades italianas. Por que a decisão monocrática de nosso ministro da Justiça seria mais justa do que o processo penal nos tribunais da Itália? Quanto mais o presidente Lula tenta justificar a concessão de asilo político como um ato de soberania, mais as autoridades italianas se sentem afrontadas.

O castigo

A Itália é um país democrático. Battisti foi condenado durante o governo do socialista Sandro Pertini, veterano da resistência italiana ao fascismo. Um episódio ocorrido em 1943 por si só lhe garantiria um lugar na História: Benito Mussolini tenta voltar ao poder pelo norte da Itália e acaba encurralado. Começa a negociar a própria fuga numa reunião no Arcebispado de Milão, na qual propõe um acordo. No meio da conversa, sem ser convidado, entra um homem pequeno e valente: “Nada disso! Vai ter que prestar contas ao povo!”. Era Pertini. Mussolini fugiu, mas acabou apanhado e fuzilado pelos “partiggianis”.

O Brasil não discutiu o terrorismo com a intensidade da Itália. Nossa Lei de Anistia, fruto de uma transição negociada entre líderes políticos e generais, é um manto de silêncio sobre esse assunto. Durante a ditadura, além da brutal repressão de Estado, houve ações terroristas da esquerda militarista e dos militares linha-dura. Na Itália, porém, o terrorismo ocorreu em pleno regime democrático e provocou intenso debate político, no qual se destacou o jurista Norberto Bobbio, que escreveu vários artigos no jornal La Stampa. Alguns deles estão publicados no livro As ideologias e o poder em crise (Editora UnB, 1988). Vale conferir os argumentos de mestre, que trata da relação entre os fins e os meios, a moral e a política naquele momento dramático que ensanguentava a Itália.

A democracia derrotou o terrorismo. Milhares de brigadistas depuseram as armas e fizeram autocrítica. Muitos foram presos e condenados. Cumpriram pena para voltar à vida normal. “A política não pode absolver o crime”, bradou Bobbio, em 1979, ao se opor à anistia para os presos políticos. “O terrorismo italiano é ignominioso porque mantém uma ação sanguinária diante de um regime democrático, fraco e instável, com defeitos, que consente e exige manifestações de luta política não-cruenta”. Segundo ele, a “insânia terrorista” estava no fato de que a escalada da violência só teria sucesso como “regime de terror geral, que seria o fim da liberdade de todos”. Este o busílis: a concessão de refúgio político a Battisti funciona como uma espécie de anistia à brasileira, a mesma “anistia recíproca” que justifica o asilo concedido ao ex-ditador paraguaio Alfredo Stroessner e ao guerrilheiro colombiano Oliverio Medina. Porém, a situação na Itália era muito diferente do que aconteceu no Brasil, no Paraguai e na Colômbia.

Publicado hoje na coluna Nas Entrelinhas do Correio Braziliense