sexta-feira, 29 de novembro de 2013

Voto aberto desce goela abaixo

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 29/11/2013

Para não correr o risco de descumprir a decisão do STF, Henrique Alves ainda tem a opção de votar a chamada PEC dos mensaleiros.

A emenda constitucional que institui o voto aberto nas votações de processos de cassação de mandatos de deputados e senadores e de vetos presidenciais foi promulgada ontem em sessão do Congresso Nacional. O texto apenas suprime a expressão “votação secreta”, ou seja, não explicita que as apreciações terão de ser abertas. Como os regimentos da Câmara e do Senado preveem a votação secreta nos dois casos, essa ambiguidade ainda gera desconfianças sobre a eficácia legal da mudança. Renan Calheiros (PMDB-AL), que preside o Senado, porém, garante que “não há motivos para preocupação”.

A emenda constitucional foi aprovada sob pressão da opinião pública, depois do caso do deputado Natan Donadon (ex-PMDB-RO), condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF) a 13 anos de prisão, que escapou de cassação na Câmara graças ao voto secreto. Com quórum de menos de 410 deputados, 233 votaram a favor de sua cassação, 131 contra e 41 se abstiveram. Para cassá-lo, eram necessários 257 votos, mais da metade. Mesmo cumprindo pena na Papuda, Donadon mantém o mandato até hoje.

A posterior decretação da prisão dos réus do mensalão apressou a decisão. Henrique Alves havia aprovado a toque de caixa uma proposta prevendo o voto aberto em todos os casos e engavetou outra proposta, aprovada pelo Senado, que só abria o voto no caso de cassações. Ou seja, jogou para a arquibancada e deixou a bomba no colo de Renan. No Senado, o voto aberto para tudo enfrentou resistências porque a emenda acabava também com o sigilo na aprovação das indicações de autoridades pela Presidência da República, como ministros dos tribunais superiores e do Tribunal de Contas da União (TCU); presidente e diretores do Banco Central; e diretores das agências reguladoras e embaixadores. Também passaria a ser aberta a votação para escolha e exoneração do procurador-geral da República.

Nada disso passou. No primeiro turno de votação, a emenda do voto aberto obteve 54 votos a favor contra 10 e uma abstenção, mas depois empacou. Na segunda, em sessão polêmica, votou-se apenas a supressão do voto secreto para cassação de mandatos e derrubada de vetos, o resto foi para as calendas. Houve controvérsias em plenário quanto a necessidade de a emenda voltar à Câmara. Renan decidiu promulgar o fim do voto secreto para as cassações de mandatos e os vetos presidenciais assim mesmo, após acordo com Henrique Alves. Na cerimônia de ontem, porém, o estranhamento entre o presidente do Senado e seu colega da Câmara era evidente.

O estresse tem muito a ver com os condenados da Ação Penal 470, que perderam os mandatos por decisão do STF. O presidente da Câmara disse que cumprirá o “texto constitucional” no caso da cassação dos deputados João Paulo Cunha (PT-SP), José Genoino (PT-SP), Valdemar Costa Neto (PR-SP) e Pedro Henry (PP-MT) e levará a plenário a decisão. Havia anunciado que só faria isso após o fim do voto secreto. Agora, Henrique terá de submeter os deputados ao plenário e corre risco de o caso Donadon se repetir. Esse procedimento é muito diferente do que definiu o STF, de que só cabe à Câmara formalizar por decreto a perda de mandato. O deputado José Genoino, por exemplo, muito querido na Casa, pode escapar da cassação mesmo numa votação aberta.

Para não correr o risco de descumprir a decisão do STF, Henrique Alves ainda tem a opção de votar a chamada PEC dos mensaleiros, de autoria do senador Jarbas Vasconcelos (PMDB-PE), já aprovada pelo Senado, que prevê a perda automática de mandato de parlamentares condenados por crimes de improbidade administrativa (enriquecimento ilícito, causar lesão ao erário e atentar contra a administração pública) e crimes contra a administração pública punidos com prisão por mais de um ano (corrupção, peculato, tráfico de influência). Nesse caso, a perda de mandato dos quatro parlamentares seria imediata, poupando os colegas de ter que votar pela cassação de cada um deles. Essa decisão, porém, provocaria um rompimento com a bancada do PT, com a qual o PMDB fez um pacto de revezamento no comando da Câmara.

Reino de Meirelles
Tudo como dantes. Os juros voltaram ao patamar de dois dígitos, com o aumento desta semana da taxa Selic para 10%. A decisão sepulta as veleidades do presidente do Banco Central, Alexandre Tombini, no sentido de desfazer o nó dos juros altos. Acaba também com as dúvidas da presidente Dilma Rousseff quanto ao ex-presidente do BC Henrique Meirelles, cuja política de juros era atribuída aos interesses do mercado financeiro e não à exigência de combate à inflação.

quarta-feira, 27 de novembro de 2013

Nas mãos de Barbosa

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 27/11/2013  
   
Todo esse barulho, entretanto, do ponto de vista eleitoral, atrapalha mais do que ajuda a presidente Dilma Rousseff, candidata à reeleição, que procura manter-se ao largo da polêmica, embora tenha prestado solidariedade a Genoino "por razões humanitárias".

Presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), o ministro Joaquim Barbosa está com a faca e o queijo nas mãos para mandar o ex-presidente do PT José Genoino de volta à Papuda ou mantê-lo em prisão domiciliar. Ontem à tarde, recebeu o laudo da junta médica do Hospital Universitário de Brasília que avaliou o estado de saúde do deputado petista, segundo o qual a manutenção de Genoino em prisão domiciliar fixa "não é imprescindível" à preservação da sua saúde. Para a junta, o ex-presidente do PT tem "condição patológica tratada e resolvida", apesar de ser portador de hipertensão "leve e moderada". O laudo foi encaminhado por Barbosa aos advogados de defesa e ao Ministério Público para que opinem antes de sua decisão.

Com perdão para a piada, o laudo parece até vingança da turma de branco contra a contratação de médicos cubanos pelo governo sem o "Revalida" dos conselhos de medicina. Funciona como um banho de água fria na campanha de solidariedade promovida pelo PT para que Genoino cumpra a pena em prisão domiciliar, à qual teria direito indiscutível se o caso de saúde fosse tão grave quanto afirmam seus advogados, parentes e amigos — com o endosso da gerente de Saúde Prisional do Distrito Federal, Larissa Ramos, que diz nunca ter visto "um quadro tão delicado em todo o sistema".

Mas a campanha de solidariedade a Genoino continua. Ontem, os protestos deixaram as redes sociais e foram para a porta do Supremo Tribunal Federal (STF), onde sindicalistas da Central Única dos Trabalhadores (CUT) e militantes do PT protestaram contra Barbosa. Além de advogados dos réus e juristas garantistas, a Ordem dos Advogados do Brasil (OAB) engrossou a onda de críticas ao ministro relator da Ação Penal 470 e recorreu ao Conselho Nacional de Justiça (CNJ) por supostas irregularidades na execução das penas dos condenados do processo do mensalão.

O presidente do Supremo também é criticado porque alguns condenados ainda não tiveram executadas suas respectivas prisões, caso do ex-presidente do PTB Roberto Jefferson, que delatou o mensalão e que se diz pronto para cumprir pena na cadeia, apesar de também ser convalescente de grave doença e pleitear a prisão domiciliar. O ex-deputado parece satisfeito com o desfecho de suas denúncias no Congresso em relação aos petistas, que resultaram na CPI dos Correios e na própria Ação Penal 470.

O ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, ontem, também foi protagonista de fato novo em relação ao processo, com seu pedido de autorização para trabalhar durante o dia no Hotel Saint Peter, em Brasília, como gerente administrativo, com um salário de R$ 20 mil. Localizado no coração de Brasília, o hotel pertence a seu velho amigo Paulo de Abreu, que já encaminhou toda a documentação necessária para que a Vara de Execuções Penais do Distrito Federal examine o pedido.

Para Dirceu, que considera o cargo de gerente subalterno, é um valor muito abaixo do que faturaria como advogado e consultor de empresas, mas está muito acima do salário médio dos profissionais de nível superior. Do ponto de vista da opinião pública, é visto como mais um privilégio dos petistas condenados. Ou seja, outro banho de água fria na campanha de solidariedade.

A propósito, não existe precedente de pressões dessa natureza contra o Supremo Tribunal Federal (STF). Embora as decisões da Corte estejam sendo "fulanizadas" por Barbosa, que assumiu a responsabilidade de executar as penas de forma monocrática, é muito provável que o ministro relator tenha a solidariedade da maioria da Corte, responsável pelas sentenças.

Qualquer advogado sabe que solidariedade não tira condenado da cadeia, só a revisão ou o cumprimento da pena. Tanto que a maioria dos réus aceita a situação e enfrenta a condenação apenas no plano jurídico, por meio dos advogados. Acontece que Genoino e Dirceu se consideram presos políticos, seus amigos e aliados também. A memória da Campanha da Anistia parece presidir as ações do PT, cujos dirigentes foram condenados em pleno regime democrático, por crimes considerados comuns. Para a Justiça e a opinião pública, são políticos presos.

Todo esse barulho, entretanto, do ponto de vista eleitoral, atrapalha mais do que ajuda a presidente Dilma Rousseff, candidata à reeleição, que procura manter-se ao largo da polêmica, embora tenha prestado solidariedade a Genoino "por razões humanitárias". Esse esforço, porém, não mantém o governo longe do caso. Na segunda-feira, o Supremo encaminhou ao Banco do Brasil cópia integral do processo do mensalão. A expectativa é que a área jurídica da instituição financeira encontre uma fórmula para recuperar os R$ 73,8 milhões desviados do fundo Visanet. Um dos argumentos dos advogados dos condenados é que não houve o desvio. Ou seja, mais uma celeuma à vista.

segunda-feira, 25 de novembro de 2013

Campanha será cruenta e suja

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 25/11/2013
  “Não foi à toa que o Congresso limitou a propaganda visual nas próximas eleições. A grande incógnita é saber o poder de fogo das redes sociais com os eleitores”

Não faltam indícios de que teremos uma campanha eleitoral em 2014 duríssima, na qual as denúncias de corrupção protagonizarão o debate eleitoral, em lugar da discussão sobre as prioridades e os graves problemas do país — embora todo marqueteiro saiba que esse tipo de abordagem, no horário eleitoral, tira mais votos do que dá aos candidatos que a utilizam. O problema é que as chamadas mídias sociais ocupam cada vez mais espaço no debate político e, nelas, a campanha eleitoral já começou. Verdadeiros exércitos de blogueiros e internautas estão se formando para uma guerra virtual que promete ser cruenta e suja. E que pode também dar o tom da campanha nas ruas.

Nas eleições de 2010, já houve intensas campanhas eleitorais nas redes sociais, mas esse peso será muito maior agora. As manifestações de junho passado estão aí para mostrar do que as novas mídias são capazes, em termos de difusão de informações sobre os candidatos e suas respectivas campanhas. Não foi à toa que o Congresso limitou a propaganda visual nas próximas eleições. A grande incógnita é saber o poder de fogo das redes sociais com os eleitores. A maioria dos atores das manifestações recentes é avessa aos partidos políticos e, mais ainda, a quem está no poder. Os mais radicais e descontentes tenderão a votar nulo.

O epicentro dessa disputa nas redes está em São Paulo. O desfecho do chamado mensalão, que levou à prisão políticos e empresários, esquentou o debate. São paulistas os mais ilustres petistas condenados pelo Supremo Tribunal Federal (STF) na Ação Penal 470. Cumpre pena na Papuda o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu. O deputado José Genoino, ex-presidente do PT, que também estava lá, passou mal, foi hospitalizado e agora está em prisão domiciliar provisória, na casa de sua filha, em Brasília — ainda corre o risco de ter de voltar para cadeia.

O caso de Genoino, em razão de sua saúde frágil, provocou a emoção que faltava. Os petistas recuperaram a velha combatividade ao se digladiarem com a oposição nas redes sociais. O presidente do Supremo Tribunal Federal, Joaquim Barbosa, que executou as sentenças em pleno feriadão da Proclamação da República, virou o saco de pancadas dos autodenominados blogueiros progressistas, ao mesmo tempo em que é endeusado pelos oposicionistas.

O pau de aroeira também está cantando pra cima dos tucanos paulistas e seus aliados por causa do cartel de empresas do metrô dos trens, que teria atravessado as administrações de Mário Covas, José Serra e Geraldo Alckmin. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva comanda as articulações do PT visando a eleição do ministro da Saúde, Alexandre Padilha, para o governo de São Paulo. O presidente do PT, Rui Falcão, que é deputado estadual, organiza uma brigada de choque nas redes sociais para esse embate. É nesse contexto que novas denúncias surgiram na semana passada, mirando parlamentares que apoiam a reeleição do governador paulista e alguns de seus secretários.

A denúncia provocou uma nota de protesto do presidente do PSDB, Aécio Neves (MG), pré-candidato a presidente da República, que ontem pediu o afastamento do ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, e do presidente do Cade, Vinícius Marques de Carvalho, acusando-os de vazar um documento anônimo que serviu de base para a denúncia de suposto envolvimento dos políticos tucanos com o cartel do metrô e dos trens. “Essa nova operação remete à prática nefasta e habitual do PT de se utilizar de dossiês fajutos para denegrir adversários políticos. O caso agora é ainda mais grave do que o episódio dos aloprados de 2006, pois Simão Pedro, José Eduardo Cardozo e o presidente do Cade, Vinícius Carvalho, são figuras prestigiadas no PT”, acusa.

O ministro Cardozo se defende: “Qual é o papel do ministro da Justiça? É mandar apurar, com sigilo. Se não faço isso, prevarico”. Segundo ele, não há uso político do órgão: “O Cade vive hoje uma situação semelhante à da PF. Quando você investiga aliados, afirma-se que é um órgão que o ministro e o presidente não controlam. Quando você investiga adversários, fala-se que é instrumentalização”. Cardozo admitiu, porém, ter recebido o documento em fim de semana, em sua casa, em São Paulo, de Simão Pedro (PT), deputado estadual licenciado e secretário de Serviços da prefeitura de São Paulo.

Supõe-se que o parlamentar também tenha vazado o documento, depois de esquentá-lo, e que o ministro esteja protegendo o presidente do Cade, seu subordinado. Os delegados que apuram o caso dizem ter recebido o documento do Cade e não do ministro. Apesar da controvérsia, o fato é que os políticos citados na denúncia apócrifa terão muito trabalho para se explicar. Nas mídias sociais, esse tipo de tarefa será inglória. Há munição de sobra para os “virais sujos” da guerra nas redes.


sexta-feira, 22 de novembro de 2013

Uma crise anunciada

Quem acompanha as conversas no cafezinho da Câmara sabe que José Genoino dificilmente será cassado. É o chamado "efeito Orloff": eu sou você amanhã

Notificada pelo Supremo Tribunal Federal (STF) sobre as prisões decretadas na Ação Penal 470, o julgamento do mensalão, a Mesa Diretora da Câmara tentou iniciar ontem o processo de cassação do deputado federal José Genoino (PT-SP), único parlamentar dos condenados na Ação Penal 470 cuja sentença transitou em julgado. Mas o processo não andou porque parlamentares petistas pediram vista, adiando a decisão. Genoino estava preso na Penitenciária da Papuda, em Brasília, e, ontem, ganhou o direito de cumprir pena no hospital ou em casa, provisoriamente, devido ao seu estado de saúde. De acordo com a decisão do STF, o ex-presidente do PT deve perder o mandato automaticamente por ter sido condenado, mas o presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), determinou que o processo siga a mesma tramitação ocorrida no caso do deputado Natan Donadon (sem-partido-RO).

Como se sabe, após o Supremo ter condenado Donadon a 13 anos de prisão por peculato e formação de quadrilha, o plenário da Câmara, em votação secreta, absolveu o deputado no processo de cassação de mandato. Foram 233 votos favoráveis ao parlamentar, 131 votos contrários e 41 abstenções. Ele também está preso na Papuda. A decisão trouxe grande desgaste para a Câmara e seu presidente, mas era parte de uma estratégia que visava a criar um precedente em relação aos condenados da Ação Penal 470 que ainda exercem mandato: além de Genoino, os deputados Pedro Henry (PP-GO), Valdemar Costa Neto (PR-SP) e João Paulo Cunha (PT-SP).

 O deputado federal Natan Donadon foi condenado em definitivo pelo STF a partir de atos ilícitos que praticara quando exercera a função de diretor financeiro da Assembleia Legislativa de Rondônia. Há meses cumpre pena privativa de liberdade no Presídio da Papuda, em Brasília, mas continua com o mandato. Transitada em julgada, sua condenação implicaria na cassação, nos termos do artigo 55º, inciso VI, da Constituição Federal, mas não perdeu o mandato porque a votação foi secreta. Houve manobra nos bastidores da sessão para criar um impasse entre o Congresso e o Supremo Tribunal Federal quanto à questão dos mandatos. Na verdade, a intensa mobilização para levar o caso Donadon a plenário, e não decidi-lo no âmbito da Mesa Diretora, nada teve a ver com o desejo de salvá-lo. Deputado do chamado baixo clero, Donadon nunca foi prestigiado entre os cardeais da Câmara. Tratava-se de criar o paradigma para lidar com os deputados condenados pelo Supremo no processo do mensalão.

Quem acompanha as conversas no cafezinho da Câmara sabe que José Genoino, que se licenciou do mandato para tratar da saúde e que pleiteia a aposentadoria por invalidez (um direito adquirido graças às contribuições para o instituto de previdência dos parlamentares), sabe que o petista dificilmente será cassado. Genoino é querido pelos colegas e sempre teve atuação destacada. Quando houve as cassações por falta de ética do ex-ministro da Casa Civil José Dirceu e do ex-presidente do PTB Roberto Jefferson, também condenados na Ação Penal 470, a situação era muito diferente. O PT e o PMDB viviam às turras, a oposição tinha mais força em plenário e o país ainda estava sob o impacto do relatório da CPI dos Correios. Além disso, os dois eram considerados arrogantes pelos colegas. Tanto era assim que o deputado João Paulo Cunha (PT-SP), ex-presidente da Casa, escapou da cassação sem renunciar ao mandato. Foi salvo pelos próprios colegas. À época, Genoino estava sem mandato.

Por tudo isso, a próxima semana promete fortes emoções no Congresso. O Senado já aprovou uma lei que determina a cassação automática de mandato dos parlamentares condenados criminalmente, mas isso ainda depende do referendo da Câmara. Por sua vez, os deputados aguardam a aprovação do fim do voto secreto no Congresso pelos senadores. Esse jogo de empurra deveria ter se resolvido nesta semana, mas ficou para a próxima. Nada garante que termine. Por isso mesmo, caso se confirme a votação do pedido de cassação de Genoino, em escrutínio secreto, provavelmente o desfecho da votação será igual ao do caso Donadon. Ou seja, o petista não será cassado. Para muitos parlamentares, que respondem a processos na Justiça, o caso Genoino teria o chamado "efeito Orloff": eu sou você amanhã.

O discurso do PT e de seus aliados no mundo jurídico, no sentido de desqualificar a Ação Penal 470 como um julgamento justo, estigmatizar o presidente do STF, Joaquim Barbosa, como magistrado que atropela a boa norma jurídica e de tratar os condenados do mensalão como presos políticos — e não como políticos que foram presos por crimes comuns — faz parte de uma estratégia para preservar os mandatos de Genoino e de João Paulo e desmoralizar as decisões da Corte Suprema quanto ao mensalão. No Estado Democrático de Direito, quem faz as leis não interpreta as leis. Por isso, estamos na iminência de um impasse institucional entre o Legislativo e o Judiciário, que passarão a ser Poderes independentes e desarmônicos, com a ajuda do presidente do STF, Joaquim Barbosa, que pesou a mão ao mandar Genoino para a cadeia sem considerar a saúde frágil dele.

quarta-feira, 20 de novembro de 2013

Erro de conceito

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 20/11/2013
O velho padrão de financiamento da política --  em bom português, o saque aos cofres públicos por meio do superfaturamento  -- está esgotado

De toda a polêmica sobre a Ação Penal 470, que levou à condenação o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, o ex-presidente do PT José Genoino e o ex-tesoureiro petista Delúbio Soares, a questão central é a existência ou não do mensalão — que o PT diz ser um caixa dois de campanha oriundo de um empréstimo bancário. Sobre ela, porém, os políticos deveriam tirar a seguinte conclusão: trata-se de um erro de conceito. Foi-se a época em que o destino dado ao dinheiro não declarado da campanha eleitoral distinguia o político honesto do corrupto, desde que o primeiro não usasse o recurso para formar patrimônio — o que é cada vez mais raro —, mas, sim, na campanha propriamente dita. Herança da nossa política tradicional, há muito isso poderia dar cadeia. E agora deu. Essa é a maior lição da Ação Penal 470, que levou à condenação quase todos os réus do escândalo do mensalão.

A ideia de que os fins justificam os meios é uma espécie de ovo da serpente da perversão política. E raiz de uma velha tensão entre os políticos e a burocracia nas democracias, que se traduz de forma clássica na definição de Max Weber: os primeiros se movem pela ética das convicções e, os segundos, pela ética da responsabilidade. Essa tensão é que garante a legitimidade dos meios empregados na ação. Na nossa política, porém, isso se traduz pelo senso comum de que os políticos só pensam nas eleições e a burocracia só atrapalha. Um bom exemplo de como isso acontece na prática é o caso das obras da Copa do Mundo, que ganharam um regime especial de contratação, para que as exigências da Fifa fossem cumpridas dentro dos prazos, pois as licitações demoram e dão muito trabalho. O que se viu na Copa das Confederações é que o assunto não se resolve apenas porque os políticos do Congresso facilitam a vida dos políticos do Executivo. O povo nas ruas cobrou outras prioridades das autoridades e tudo indica que, no próximo ano, durante a Copa do Mundo, esse tema ainda dará muitos panos para as mangas da presidente Dilma Rousseff e dos governadores e prefeitos envolvidos diretamente com os jogos, mesmo sendo o futebol uma paixão nacional.

Mas, voltando ao tema inicial, no caso da Ação Penal 470, o Supremo Tribunal Federal (STF) entendeu que houve desvio de dinheiro público para comprar votos no Congresso, tese que fundamentou o relatório do presidente da Corte, ministro Joaquim Barbosa. Esse entendimento foi, desde o início, contestado pelo ex-ministro da Justiça Márcio Thomaz Bastos, que hoje atua como advogado no processo, segundo o qual se tratava de um caixa dois de campanha, formado a partir de empréstimos bancários contraídos pelo PT. O fato não seria do conhecimento do então presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O argumento serviu para evitar um processo de impeachment e grave crise institucional, mas não salvou os envolvidos no escândalo das duras condenações que sofreram.

O desfecho do processo provocou um verdadeiro Fla-Flu entre os petistas e a oposição, uns defendendo as condenações, outros criticando. O clima se tornou ainda mais emocional pelo fato de que o ex-presidente do PT José Genoino tem uma cardiopatia grave, que quase já lhe tirou a vida. Acabou condenado por ser corresponsável legal por toda a movimentação financeira do partido. Mas, provavelmente, sabia da heterodoxia do tesoureiro Delúbio Soares. Os políticos governistas dos demais partidos, mesmo aqueles que comandam as legendas de Roberto Jefferson (PTB), Valdemar Costa Neto (PR-SP) e Pedro Henry (PP-GO), porém, fingem-se de mortos diante das agruras dos aliados. Por quê? Ora, porque sabem que essa é uma batalha perdida na opinião pública, que endossa as condenações, independentemente da qualidade das críticas de juristas e advogados à atuação do presidente do STF, Joaquim Barbosa.

No Congresso, há um amplo entendimento de que o velho padrão de financiamento da política — em bom português, o saque aos cofres públicos por meio do superfaturamento — está esgotado. Cada vez mais, a burocracia encarregada de zelar pelos recursos públicos — destaque para o Ministério Público, a Receita Federal e a Polícia Federal, que ganharam autonomia com a Constituição de 1988 — aumenta o grau de eficiência de seus mecanismos de controle e de investigação. O risco que isso traz aos políticos que desviam recursos públicos para campanha é cada vez maior. A velha diferença entre quem formava patrimônio e quem gastava o dinheiro na campanha já não faz o menor sentido. Além disso, a Lei da Ficha Limpa e o desfecho da Ação Penal 470 mostram que a impunidade para esse tipo de prática acabou.

segunda-feira, 18 de novembro de 2013

Aécio, Tancredo e Juscelino


Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 18/11/2013

É natural que a carreira e o estilo político de Aécio tenham como referência o avô, mas, do ponto de vista da conjuntura e das próximas eleições, a agenda dele é mais próxima de JK

O ex-presidente Fernando Henrique Cardoso reúne-se hoje, em Poços de Caldas, com os oito governadores tucanos, para resgatar 30 anos de história política do país, ao relembrar o encontro entre Tancredo Neves e Franco Montoro, que governavam Minas e São Paulo, respectivamente, e firmaram um pacto político para pôr fim ao regime militar. Desse encontro, em 1983, nasceu a campanha das Diretas Já e o compromisso de que Tancredo seria o candidato da oposição no colégio eleitoral, caso a emenda de Dante de Oliveira não fosse aprovada pelo Congresso, o que frustraria as pretensões presidenciais de Ulysses Guimarães, que comandava o PMDB. Desta vez, o encontro servirá para sepultar as pretensões do ex-governador de São Paulo José Serra, que pleiteia o lugar do ex-governador de Minas Aécio Neves como candidato do PSDB na disputa pela Presidência da República e, também, discutir a nova agenda do PSDB.

Naquela época a oposição também estava dividida. O então governador do Rio de Janeiro, Leonel Brizola (PDT), não escondia de ninguém as pretensões de disputar a presidência, mas não tinha força política para liderar uma campanha como a das Diretas Já. Muito menos para vencer no colégio eleitoral que elegeria o presidente por via indireta, formado por senadores, deputados federais e delegados indicados pelas assembléias legislativas, num total de 686 votos. Para ganhar tempo, Brizola chegou a propor a prorrogação por dois anos do mandato do general João Batista Figueiredo, que deixaria a presidência em 1985. Pressionado pelas ruas, porém, aderiu com todas as suas forças à campanha pelas eleições diretas, enquanto Tancredo já negociava uma transição pactuada com setores que apoiavam o regime militar, mas que, também, queriam a volta da democracia.

Candidato da principal força de oposição, o PSDB, Aécio Neves não pleiteia sozinho a presidência. Seu concorrente é o governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), que recebeu o apoio da ex-senadora Marina Silva (PSB), ambos egressos da base governista. Toda a estratégia do político mineiro, que herdou do avô Tancredo Neves os dotes de conciliador, reside no esforço de levar a eleição para o segundo turno e, lá, unir a oposição, ou seja, obter o apoio de Campos e de Marina mediante a promessa de fazer a mesma coisa caso a situação se inverta. Até recentemente, esse objetivo parecia impossível. Agora, com a união de Campos e Marina, não é mais. O que ainda poderia complicar a estratégia seria a substituição da presidente Dilma Rousseff pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva como candidato do PT.

O cenário desse novo encontro de Poços de Caldas, porém, tem mais a ver com a candidatura de Juscelino Kubitschek, que, em 1954, foi eleito presidente da República com 36% dos votos, numa coligação PSD-PTB, cujo slogan era “Cinquenta anos em cinco”. Não havia dois turnos, o que criava muita instabilidade política. Daí, a tentativa dos derrotados de impedir a posse de JK. Na presidência, Juscelino construiu hidrelétricas, estradas e promoveu a industrialização e a modernização da economia. Seu governo foi marcado por um alto astral que refletia as mudanças sociais e culturais em curso no país. Um de seus principais feitos foi a construção de Brasília.

É natural que a carreira e o estilo político de Aécio Neves tenham como referência o avô, mas, do ponto de vista da conjuntura e das próximas eleições, a agenda dele é mais próxima de Juscelino. Restabelecer a democracia, abrir a economia, estabilizar a moeda e redistribuir renda — o programa de Tancredo contra o regime militar — são tarefas já realizadas pelos presidentes José Sarney, Collor de Mello, Fernando Henrique e Lula. O que está na ordem do dia é a retomada do desenvolvimento econômico e a oferta de serviços públicos de qualidade, além de uma injeção de otimismo no povo, que foi marca registrada de Juscelino.

Giocondo
A propósito, o líder comunista Giocondo Dias, que completaria 100 anos hoje e que sucedeu Luiz Carlos Prestes na Secretaria-Geral do PCB de 1980 a 1987, foi um dos artífices do apoio da esquerda à candidatura de Juscelino Kubitschek, candidato da aliança PSD-PTB, em 1954, com apoio dos comunistas. De igual maneira, defendeu o apoio a Tancredo Neves no colégio eleitoral, em 1985. Líder da revolta comunista de Natal (RN), em 1935, o ex-cabo do Exército tornou-se um dirigente político reformista e comprometido com a democracia, apesar de passar 41 anos na clandestinidade. Na quarta-feira, será homenageado pelo governador Jaques Wagner e pela Assembleia Legislativa da Bahia, que fará a devolução simbólica de seu mandato de deputado estadual constituinte, cassado em 1947. Hoje, no Rio de Janeiro, parentes, amigos e companheiros realizam um almoço em comemoração ao seu centenáriio na Churrascaria Gaúcha, em Laranjeiras.

sábado, 16 de novembro de 2013

Giocondo Dias, 100 anos



Durante os debates da Constituinte, quando foi formado o chamado “Centrão”, uma coalizão de forças conservadoras, das quais a maioria apoiou o regime militar, houve intensa mobilização popular no sentido de garantir os avanços que acabaram consagrados na atual Constituição. Giocondo Dias, então secretário-geral do PCB, que nesta segunda-feira, 18 de novembro, completaria 100 anos, acompanhava de perto as discussões. Numa de suas idas ao Congresso Nacional, para se reunir com a pequena bancada do PCB (Roberto Freire -PE, Fernando Santana- BA e Augusto Carvalho-DF) e alguns aliados, foi reconhecido e abordado por jovens que protestava contra os “gazeteiros” da Constituinte, que não compareciam às votações. 

“Que bom ver o senhor por aqui, sou militante da juventude do PCB”, disse um deles àquele senhor de cabelos brancos, magro, de face avermelhada e intensos olhos azuis. “Muito prazer, camarada. Mas posso lhe fazer uma pergunta?” Para surpresa do jovem militante, completou: “Se esse pessoal estivesse presente, votaria com a gente ou com o Centrão?”

O episódio, de certa forma, ilustra duas características pessoais de Giocondo Dias como um dos dirigentes políticos mais importantes da história do PCB, superado apenas por Luiz Carlos Prestes, a quem sucedeu no cargo máximo do antigo Partidão: a fina ironia diante das contradições da política e a capacidade de pôr as pessoas para pensar com a própria cabeça. 

Natural de Salvador, Bahia, era filho de Antonio Alves Dias (Totti) e de D. Ana Maria Frederico Gerbase Alves Dias. Primogênito de cinco irmãos, perdeu o pai aos sete anos. E começou a trabalhar nessa mesma época, no cais do porto, socando pimenta no pilão. Aos 13 anos, já distribuía o jornal do Partido Comunista pelas ruas soteropolitanas.

Mas foi em 1935 que começou a escrever seu nome na História do Brasil. Em novembro daquele ano, com 22 anos de idade, foi o líder militar da Aliança Nacional Libertadora (ALN) em Natal, capital do Rio Grande do Norte, onde os comunistas por três dias tomaram o poder. 

Levou três tiros no decorrer da luta, de um soldado aliancista que atirara contra ele, porque impediu que penetrassem no palácio para fuzilar o governador Rafael Fernandes. Fracassada a revolta, durante a qual os bondes circularam de graça para a população e outras medidas do gênero foram adotadas, os recursos do Tesouro, porém, permaneceram nos cofres do governo. Não houve saques, “expropriações” de dinheiro público, nem violência contra a população.

Contido o levante no Rio de Janeiro e em Pernambuco, logo no primeiro dia, a resistência em Natal se tornou impossível. Os rebeldes foram atacador por tropas governistas. O assalto aos céus durara apenas três dias. O cabo Dias conseguiu se esconder numa fazenda no interior do Estado, mas foi covardemente atacado por jagunços e levou 13 facadas. 

Jogado quase morto numa estrada vicinal, foi salvo por D. Alzira Floriano, ex-prefeita de Lages, a mesma pessoa que tinha providenciado a sua fuga. Ela chamou um médico e o removeu para um hospital. Apesar do estado grave em que se encontrava, o líder revolucionário se recuperou. Saiu do hospital para a cadeia.

Começava assim a fama do Cabo Dias, que fora um soldado exemplar, recomendado por seus superiores por sua atuação em regiões remotas da fronteira do Brasil na Amazônia. Não foi por acaso que virou personagem de dois romances de Jorge Amado, em “Subterrâneos da Liberdade” e “Seara Vermelha”, no qual é retratado como o personagem Juvêncio, o Neném, o mesmo apelido que intitula uma homenagem comovente do escritor baiano a Giocondo, em seu livro “Bahia de Todos os Santos”, editado em Portugal, em 1978: 

Nenen…

Onde andará, não sei. Qual o caminho que o leva adiante, que rua atravessa com passo firme, em que cidade vive e trabalha, em que país de seu obscuro universo subterrâneo? Não sei se está magro ou gordo, se o cabelo loiro tornou-se grisalho, se o sorriso fez-se mais tímido, se as cicatrizes das balas e das punhaladas ainda o incomodam, mas imagino como deve se sentir sozinho desde que Lourdes morreu longe da pátria. Não sei sequer o nome pelo qual atende, sempre cortês e paciente, capaz de ouvir e aprender quem tanto tem a dizer e a ensinar. De seus nomes, um, quem sabe o primeiro, lhe foi dado pela mãe e é usado pelos mais próximos, seus irmãos, seus filhos, alguns poucos amigos de data antiga e maior intimidade – Nenen lhe dizemos com acentos de admiração e profundo afeto, em vez de amor.


Durante um tempo, vai longe, quando se decidiam os destinos da humanidade, cruzamos juntos, num vai-e-vem constante, as ruas da cidade da Bahia e realizamos uma saga inesquecível. Nossa luta era a da liberdade contra a escravidão nazista, nosso sonho o mundo farto, nossa bandeira a da fraternidade, ou seja, da anistia. Num dos meus romances, no Tenda dos Milagres, eu o coloquei numa tribuna de comício durante a guerra, falando em nome dos trabalhadores – em muitas tribunas ergueu a voz – na praça, no sindicato, na Câmara de Deputados, nas reuniões abertas e fechadas, mas ergue a voz apenas o necessário para argumentar e convencer, jamais para impor e violentar a opinião alheia. Nasceu para a convivência e por isso mesmo em nenhum momento suportou o dogma nem se curvou aos ídolos. Manteve-se íntegro, nem mesmo o mando o corrompeu por jamais ter desejado o poder, querendo apenas servir. Tão decente quanto ele certamente existem outros; mais decente e leal, impossível.


Baiano com as virtudes todas; o riso fácil, a discrição inata e a capacidade de sonhar com a aurora. Nunca será amargo quem luta por seu país e seu povo com ambição de concorrer na medida de suas forças para o bem comum. De quando em vez leio jornais que o procuram, com ódio mortal, policiais e inimigos da paz e da liberdade. Onde andará Giocondo Dias, dito Nenen por sua mãe? Não sei mas vos afirmo que, esteja onde estiver, estará trabalhando para que o amanhã dos brasileiros seja mais belo.


Baiano com régua e compasso e uma luz no coração.”


Casado desde 1934 com a estudante Maria de Lourdes Tavares, com quem teve os cinco filhos, Gilberto, Antônio Eduardo, Eduardo Luís, Ana Maria e Jade, Giocondo também passou momentos difíceis no cárcere. 

Esteve na mesma cela com um pistoleiro que matara a própria mãe. Ao ser libertado, um ano e meio depois, o assassino lhe contou que fora contratado para matá-lo, mas recusou a empreitada. E perguntou por que razão o tratara "como gente", apesar de tudo. A resposta de Giocondo foi corajosa e desconcertante: "o senhor quer mesmo que eu diga a verdade? Pois é simples: o senhor matou a sua mãe e não a minha".  

De volta a Bahia, já em liberdade, Giocondo Dias passou a dirigir
o Partido Comunista, clandestinamente, até a queda do Estado Novo, em 1945. Com a democratização, foi eleito deputado estadual constituinte. Nessa ocasião, revelou-se um extraordinário articulador político, logrando reunir quase toda a oposição a Getúlio Vargas, aliando-se aos grupos liberais, com os quais formou um bloco democrático expressivo na Bahia.

Foi nesse período que travou amizades com Jorge Amado e Alberto Passos Guimarães e dirigiu homens da bravura de Carlos Marighela e João Falcão. Até mesmo no terreno cultural, a atividade dos comunistas se fazia sentir na Bahia, e isso se expressava por intermédio da revista Seiva, importante publicação antifascista animada por João Falcão, Armênio Guedes e outros jovens intelectuais e estudantes baianos. 

Seu mandato, porém, foi cassado quando o PCB voltou à ilegalidade, em 1947, durante o governo Dutra. Somente no próximo dia 20 de novembro, ou seja, 68 anos depois, a Assembleia Legislativa da Bahia lhe fará a devida reparação, com a devolução simbólica do seu mandato, iniciativa da Comissão da Verdade do Legislativo baiano.

Foi dura a volta à clandestinidade, que durou praticamente 40 anos, com alguns momentos de semilegalidade. Durante boa parte dos anos 1950, cuidou da segurança de Luiz Carlos Prestes, então o dirigente máximo do PCB. O Cavaleiro da Esperança era o homem mais procurado pela polícia política do país e todo cuidado era pouco, mas exerceu com competência a arriscada função. 

Já na condição de secretário de organização do PCB – o segundo posto na hierarquia partidária -, Giocondo foi o principal responsável pela articulação política que resultou na elaboração da Declaração de Março de 1958, uma espécie de aggiornamento do PCB. 

Do governo Dutra ao suicídio de Getúlio Vargas, em 1954, o PCB tivera uma atuação muito sectária, descolada da própria realidade que o país vivia. Giocondo estava convencido disso e, pragmático, começou a articular construção de uma linha política mais ampla e flexível, que levou os comunistas a se unirem ao PTB e ao PSD na campanha que elegeu Juscelino Kubitscheck para a Presidência da República.

Internamente, o PCB fora sacudido pelo XX Congresso do PCUS, no qual o novo secretário-geral, Nikita Kruschev, denunciou os crimes de Stálin, o que provocou uma crise na direção, que chegou a ficar dois anos sem se reunir. Giocondo Dias articulou a mudança de orientação política, ao coordenar uma comissão composta por Alberto Passos Guimarães, Mário Alves, Dinarco Reis, Armênio Guedes, Jacob Gorender e Orestes Timbaúba para elaborar uma nova linha política, que contou com o apoio de Prestes: a Declaração de Março de 1958. 

Essa resolução do Comitê Central apontou claramente a democracia como o caminho para as transformações sociais no Brasil e condenou as concepções golpistas que impregnavam a atuação da esquerda no Brasil. Foi essa linha política, por exemplo, que norteou o PCB no episódio da renúncia de Jânio Quadros, levando os comunistas a participarem ativamente da Cadeia de Legalidade, lidera por Leonel Brizola, e que mobilizou as forças democráticas do país para garantir a posse do vice-presidente eleito, João Goulart, e a democracia.

Giocondo tentou apaixonadamente evitar os erros do PCB que facilitaram o golpe de 1964, combateu o esquerdismo das lideranças de esquerda que queriam a reforma agrária na marra e pregavam a insubordinação de soldados e marinheiros que antecedeu a queda de Jango. 

Derrotado, como todos os demais democratas, foi um dos primeiros a compreender a verdadeira natureza do golpe de estado e as dificuldades que isso traria para a oposição, o que se confirmou com o Ato Institucional nº -5 e a conseqüente "fascistização" do regime militar. Batalhou dia e noite, na mais dura clandestinidade, para organizar a resistência democrática e rearticular o Partido, em meio à desesperança e à perplexidade que se seguiram à tomada do poder pelos militares, inclusive entre as forças políticas conservadoras que apoiaram o golpe.

Estava entre os dirigentes que compreenderam a inutilidade da resistência armada à ditadura militar, que poderia levar o país a um banho de sangue, o que foi evitado, mas Giocondo não conseguiu impedir que seus velhos amigos Carlos Marighela e Mário Alves, ambos assassinados, como outros oposicionistas, liderassem as dissidências do partido que optaram pelo "foquismo" e a guerrilha urbana. 

Tentou em vão convencê-los de que a luta armada seria um gesto desesperado e ineficaz. Insistia que se devia trilhar o caminho capaz de isolar e derrotar o regime autoritário pela luta política de massas em defesa da redemocratização do país. A grande maioria dos ex-militares que integravam a direção do PCB, como Giocondo e Prestes, compartilhava essa opinião. Era preciso encontrar uma tática adequada à correlação de forças adversa, tese que prevaleceu no VI Congresso do PCB, realizado em 1967, na mais completa clandestinidade: a política de frente democrática. A História lhes daria razão.

Reconhecer a importância dessa política para a derrota do regime é fazer justiça ao PCB e à visão de alguns de seus principais estrategistas políticos. Na aplicação dessa estratégia, Giocondo Dias foi um craque: sabia desatar os nós da conjuntura e armar a tática partidária mais condizente com a realidade. 

Essa foi a sua marca registrada como dirigente político, mesmo no exílio, ao qual for a obrigado após a série de assassinatos de membros do PCB, que culminaram com a morte de Vladimir Herzog nas dependências do II Exército, em São Paulo. Sua fuga para o exterior foi uma operação espetacular, comandada por Artmênio Guedes de Paris e executada por José Salles, que entrou e saiu clandestinamente do país para resgatar Giocondo.

Foi ainda no exílio que Giocondo desempenhou um papel fundamental na concepção da nova tática do partido após a anistia, quando o PCB permaneceu na ilegalidade, embora seus dirigentes estivessem de volta ao país e atuassem à luz do dia.

“Nunca mais volto à clandestinidade”, dizia, ao insistir que os comunistas deveriam atuar abertamente e realizar intensa atividade política para preservar a frente democrática, combatendo a divisão das forças de oposição. E aproveitar o enfraquecimento e a desagregação do regime militar para conquistar a legalidade do PCB junto com a convocação de uma Constituinte.

Essa compreensão prevaleceu na direção e na militância, mesmo enfrentando ferrenha oposição de Luiz Carlos Prestes, que se afastou do PCB, levando consigo valorosos companheiros. Giocondo só o sucedeu na secretaria-geral do PCB porque a própria vida política e social, cada vez mais complexa e diferenciada, exigia uma direção coletiva e impunha a necessidade de lutar pela legalidade do partido. 

Foi assim que o PCB participou das eleições de 1982, mesmo com seus candidatos ainda no PMDB, da campanha das Diretas Já e da campanha de Tancredo Neves, em 1985. Essa posição prevaleceu mesmo nos momentos mais dramáticos, com os atentados a bomba, as ameaças e provocações contra dirigentes e militantes, e a absurda prisão de Giocondo e dos delegados ao 7º Congresso, em São Paulo, dezembro de 1982. 

A tática do PCB contra ditadura acabou vitoriosa no processo político, com o fim das perseguições aos comunistas e a conquista da liberdade de organização partidária, em maio de 1985, durante o governo Sarney. Giocondo faleceu no dia 7 de setembro de 1987, quando a Constituinte ainda debatia a atual Constituição democrática, mas cumpriu seu papel na História do Brasil como um de seus grandes homens públicos. Foi árdua e dura a tarefa de tecer na clandestinidade a luta pela democracia e por um mundo melhor, como diria Brecht:

Pela glória quem não faria grandes coisas?
Mas quem as faz pelo olvido?
E a glória busca em vãoos autores do grande feito.
Sai da sombra por um momento
rostos anônimos, dissimulados,e aceitai;
o nosso agradecimento.

Obrigado, Giocondo Dias!!!







sexta-feira, 15 de novembro de 2013

A última estação de trem

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliensae - 15/11/2013

 
Chegou-se a dizer que Dirceu pediria asilo político a Cuba, mas isso nunca foi admitido pelo petista, que durante todo o processo procurou manter intensa atuação política e promete continuar a fazê-lo, mesmo da cadeia

Quando o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu (PT-SP) deixou o Palácio do Planalto e voltou à Câmara dos Deputados, para a qual havia sido eleito por São Paulo como o segundo deputado mais votado do país — com 556.563 votos —, o ex-presidente da União Nacional dos Estudantes (UNE) em 1968, ex-guerrilheiro treinado em Cuba e grande artífice da chegada do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva ao poder em 2002 ainda acreditava na possibilidade de se safar das acusações contidas no relatório da CPI dos Correios, que deu origem ao processo do mensalão.

“Não existe nada contra mim. Se cassarem o meu mandato, será uma decisão política, contra a qual me insurgirei”, dizia. Seus colegas de Câmara dos Deputados não lhe deram ouvidos, Dirceu foi cassado juntamente com seu algoz, o deputado Roberto Jefferson (RJ), presidente do PTB, autor da denúncia que provocou a instalação da CPI e abalou o governo Lula, em 2005. Outros envolvidos renunciaram ao mandato ou foram absolvidos pela Câmara.

Ontem, no fim da tarde, o Supremo Tribunal Federal (STF) publicou as decisões da sessão plenária de quarta-feira, que tratou do pedido de prisão imediata de todos os réus. “À luz do Art. 105 da Lei de Execuções Penais, a execução da condenação transitada em julgado independe de qualquer pedido, sendo providência a ser tomada de ofício pelo relator”. A publicação abre caminho para que o presidente do STF, ministro Joaquim Barbosa, que relatou a Ação Penal 470, possa emitir os mandados de execução da pena a qualquer momento, inclusive os de Dirceu e de Jefferson.

Dos 25 condenados, pelo menos 16 cumprirão pena por algum crime: quatro irão para a cadeia no regime fechado; sete no semiaberto (quando ficam em colônias penais industriais ou agrícolas); dois ficarão no regime aberto, em que só passam a noite presos. Outros três terão punições alternativas. Alguns réus ainda têm recursos para serem analisados e, por isso, não começarão a cumprir pena imediatamente. É o caso do ex-presidente da Câmara João Cunha (PT-SP).

Na sessão do STF de quarta-feira, ainda havia dúvidas se a proclamação do resultado fora feita. Agora não há mais. Independentemente do julgamento sobre parte das penas, aquelas contra as quais não há mais possibilidades de recurso serão cumpridas imediatamente. Ao contrário de Jefferson, que está conformado com a condenação, embora se considere uma espécie de anti-herói no escândalo do mensalão, Dirceu sustenta a posição de sempre: considera-se inocente, diz que não há provas contra ele e que o julgamento foi político.

Chegou-se a dizer que Dirceu pediria asilo político a Cuba, mas isso nunca foi admitido pelo petista, que durante todo o processo procurou manter intensa atuação política e promete continuar a fazê-lo, mesmo da cadeia. O advogado José Luís de Oliveira, que pretende pedir ao plenário do STF uma revisão da pena de Dirceu, anunciou que o ex-ministro se apresentará à Justiça tão logo seja expedido o mandado de prisão. Como a defesa recorreu apenas do crime de formação de quadrilha, cumprirá a pena por corrupção ativa imediatamente.

Dirceu foi condenado a 10 anos e 10 meses de detenção, em regime fechado, por corrupção ativa e formação de quadrilha, mas tem direito a novo julgamento na última condenação. Caso não seja aceito o seu pedido, promete recorrer à Corte Interamericana de Direitos Humanos para tentar anular o julgamento. “Nós entendemos que o duplo grau de jurisdição foi violado no caso do ex-ministro José Dirceu e dos demais que tinham o foro privilegiado”, argumenta seu advogado.

Miscelânea

Dîner à trois/ A presidente Dilma Rousseff recebeu para jantar no Palácio da Alvorada, na quarta-feira à noite, o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral, e seu vice, Luiz Fernando Pezão, candidato à sucessão fluminense. Ambos continuam inconformados com a candidatura do senador Lindberg Farias (PT-RJ) ao Palácio Guanabara, assunto que para eles provoca indigestão.

Nada a declarar/ Tanto a presidente Dilma como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva evitaram dar entrevistas ontem aos jornalistas na emocionante cerimônia de recepção dos restos mortais do presidente João Goulart, o Jango, deposto pelos militares em 1964. Pura estratégia de marketing. Os dois decidiram não falar sobre o julgamento do mensalão, o que seria inevitável no quebra-queixo com jornalistas.

quarta-feira, 13 de novembro de 2013

Dilma joga damas; Lula, xadrez

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 13/11/2013

Dilma procura manter os aliados no governo, tratando-os com distância regulamentar. Lula joga com a capacidade de transferir votos e criar expectativas de poder

Nove entre os 10 maiores empresários do país estão fazendo lobby para que o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva concorra às eleições presidenciais do próximo ano no lugar da presidente Dilma Rousseff. Frequentam o Instituto Lula, no Ipiranga, com muito mais assiduidade do que o gabinete do ministro da Fazenda, Guido Mantega, que consideram perdido diante das dificuldades da economia. E nunca tiveram tanta saudade do ex-ministro da Fazenda Antonio Palocci, que, por breve período, foi chefe da Casa Civil da presidente Dilma Rousseff e hoje vive de consultorias na área econômica.

Na verdade, Lula retroalimenta essa romaria dos empresários, que mantêm vivo o “Volta, Lula!”. Nas conversas com os políticos, o petista sempre descarta a possibilidade de disputar a próxima eleição no lugar de Dilma, mas seu olho brilha quando trata do assunto, garantem todos os interlocutores. “Se me encherem o saco, eu volto… Em 2018”, chegou a admitir durante almoço no Senado, por ocasião da festa dos 10 anos do Programa Bolsa Família, conforme revelou a repórter Denise Rothenburg na coluna Brasília-DF. Aquela foi mais uma semana na qual o ex-presidente da República roubou a cena e sufocou os esforços da presidente Dilma para ter uma marca própria de seu governo, além de pôr mais lenha na fogueira do “Volta, Lula!”

Dilma e o ex-presidente Lula operam o mesmo tabuleiro político, mas cada um tem um jogo diferente. Dilma se movimenta como quem joga damas, no qual todas as peças são iguais e se movem da mesma forma. Ganha quem capturar todas as peças do oponente. Lula joga xadrez: as peças são variadas e cada tipo faz um movimento específico. O objetivo final é comer o rei do adversário. Dilma procura manter os aliados no governo, tratando-os com distância regulamentar; é bem-sucedida porque conhece e usa o poder de cooptação da máquina do governo, ou seja, de sua caneta cheia de tinta. Lula joga com a sua capacidade de transferir votos e criar expectativas de poder, inclusive para reaproximar os ex-aliados que se desgarraram. O rei adversário nesse jogo é o governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), que de aliado histórico dos petistas passou à oposição aberta. 

Para quem quiser ouvir, Campos jura que será candidato a qualquer preço. Ele não perdoa as retaliações que sofreu do Palácio do Planalto desde que se colocou na disputa presidencial de 2014. Na conversa que selou o destino de Marina Silva e da Rede, Campos disse que será candidato mesmo que o ex-presidente Lula concorra no lugar de Dilma. Foi somente após essa resposta que a ex-senadora decidiu ser vice na chapa de Campos e recomendar aos militantes da Rede a entrada em bloco no PSB. Na noite do acordo, Campos ligou duas vezes para Lula e não foi atendido. Considerou o ex-presidente da República informado de sua decisão, o que só veio acontecer pelos jornais, no dia seguinte. Em 27 de outubro, Campos ligou para Lula novamente, para dar os parabéns pelo aniversário do ex-presidente. Conversaram como se nada demais houvesse ocorrido: “Eduardo, estaremos juntos como sempre”. É ou não um jogo de xadrez?

Miscelânea
Guerra fiscal/ A Comissão de Assuntos Econômicos (CAE) do Senado aprovou projeto de lei complementar do senador Paulo Bauer (PSDB-SC) que disciplina a compensação das perdas dos estados com a redução das alíquotas interestaduais do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS). São reduzidas para 4% e 7% as atuais alíquotas interestaduais, de 7% e 12%, com exceção dos produtos da Zona Franca de Manaus e do gás natural, que continuariam com 12%. O placar de 12 a 8 na CAE mostra que a guerra entre a União e os estados está só começando no Senado. 

Pessimista/ Nunca o ministro da Fazenda, Guido Mantega, esteve tão jururu, nem mesmo quando enfrentou grave problema de saúde na família. Anda pessimista porque não consegue reduzir os gastos do governo e os indicadores da economia sinalizam baixo crescimento para 2014.

segunda-feira, 11 de novembro de 2013

A exumação de Jango


Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 11/11/2013

O vínculo de Dilma Rousseff com o trabalhismo e o com “castilhismo” de Vargas é maior do que se imagina

Os restos mortais do ex-presidente João Belchior Marques Goulart (Jango) serão exumados na próxima quarta-feira, no cemitério de São Borja (RS), por decisão da Comissão Nacional da Verdade, que apura crimes políticos praticados durante o regime militar. Sempre houve a suspeita de que Jango teria sido envenenado durante a Operação Condor, que integrou ações dos agentes de segurança dos regimes militares do Brasil, Argentina, Bolívia, Chile e Uruguai. Legítimo herdeiro político de Getúlio Vargas, Jango morreu exilado, aos 57 anos, no Argentina, onde vivia com a ex-primeira-dama Maria Thereza e os filhos pequenos.

Era o vice-presidente da República em 25 de agosto de 1961, quando o presidente Jânio Quadros, em um gesto controverso, renunciou ao mandato. Estava em visita oficial à China e só assumiu o cargo porque houve uma grande mobilização nacional, liderada pelo então governador do Rio Grande do Sul, Leonel Brizola, seu cunhado. Jango era muito popular. Quando ministro do Trabalho de Getúlio Vargas, em 1953, concedeu 100% de aumento do salário mínimo. Foi eleito vice de Juscelino Kubitschek , em 1955, com mais votos do que o presidente. Acabou reeleito vice de Jânio Quadros (PTN), o candidato apoiado pela UDN, em 1960, graças aos sindicalistas de São Paulo, que “cristianizaram” o candidato do PTB, o marechal Henrique Teixeira Lott, e fizeram uma dobradinha pirata: Jan-Jan (Jânio-Jango). Naquela época, o vice era escolhido pelo elei tor e podia até ser reeleito.

Para assumir a Presidência, em setembro de 1961, Jango teve de aceitar o parlamentarismo. No ano seguinte, convocou um plebiscito para janeiro: o povo preferiu a volta do presidencialismo. Acabou deposto pelos militares em 31 de março de 1964, acusado de comandar uma “república sindicalista”. O golpe foi bem-sucedido por causa da “guerra fria”, que estava mais quente; do fracasso do Plano Trienal, que tornou a inflação descontrolada; além de erros políticos cometidos pelo próprio Jango (foi tolerante com a revolta dos marinheiros e quis mudar a Constituição) e pelos aliados de esquerda (queriam a reforma agrária “na lei ou na marra” e atacavam o próprio governo por sua “política de conciliação” com os Estados Unidos).

Jango e o líder comunista Luiz Carlos Prestes acreditavam ter um “dispositivo militar” capaz de mantê-los no poder. Não tinham força pra isso. A grande imprensa, a classe média e a Igreja Católica queriam sua deposição. O falecido senador Darci Ribeiro (PDT), o fundador da Universidade de Brasília (UnB), seu chefe da Casa Civil à época, porém, dizia que o ex-presidente foi derrubado principalmente por suas virtudes. Jango queria fazer as reformas agrária, fiscal, educacional, urbana e eleitoral. Seu último ato presidencial foi encampar as refinarias de petróleo privadas e desapropriar terras às margens de rodovias e ferrovias federais para a reforma agrária.

O Palácio do Planalto prepara honras militares para receber os restos mortais de Jango, que será um marco da restauração da verdade e reparação aos familiares das vítimas da ditadura. Mas a cerimônia também resgata muito da identidade política da atual presidente da República. O vínculo de Dilma Rousseff com o trabalhismo e o com “castilhismo” de Vargas é maior do que se imagina, haja vista suas atitudes, ideias e trajetória políticas. Como se sabe, a presidente da República não é uma petista histórica. Dilma aderiu ao PDT de Brizola logo após a anistia, em 1979. Somente em 2001, no governo de Olívio Dutra, no Rio Grande do Sul, se filiou ao PT. No ano seguinte, Luiz Inácio Lula da Silva seria eleito Ppresidente da República.

Azebudsman

O assessor especial da Presidência da República Marco Aurélio Garcia, em carta à coluna, informa que a presidente Dilma Rousseff receberá o presidente francês François Hollande nos dias 12 e 13 de dezembro. “Não fiquei ‘enrolando’ o embaixador francês, como foi escrito. Tive com ele vários e amistosos encontros. O relacionamento com a França, como com todos os demais países, é conduzido, com muita competência, pelo Itamaraty. A mim me cabe — junto de minha equipe — assessorar a presidente da República.”

sexta-feira, 8 de novembro de 2013

Estratégia para tomar o Congresso

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 08/11/2013

O problema de Lula é combinar com os caciques do PMDB, principalmente o presidente do Senado, Renan Calheiros
 
O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva começou a operar uma estratégia eleitoral com o objetivo de controlar as duas Casas do Congresso a partir das eleições de 2014, o que garantiria ao PT a consolidação de sua hegemonia. Para isso, preserva as candidaturas próprias do PT nos estados de maior colégio eleitoral — como o Rio de Janeiro —, nos quais poderia eleger mais deputados federais, e entrega a cabeça das chapas para o PMDB e outros aliados na disputa dos governos de estados menores, que elegem menos deputados, mas três senadores, como os grandes colégios eleitorais.

Lula faz juras de amor ao governador do Rio, Sérgio Cabral (PMDB), que tenta viabilizar o vice, Luiz Fernando Pezão (PMDB), como sucessor, ao mesmo tempo em que garante a legenda para o senador Lindbergh Farias (PT-RJ), que desafia o candidato oficial. No Espírito Santo, Lula tenta convencer o ex-governador Paulo Hartung (PMDB) a abrir a vaga do Senado para o ex-prefeito de Vitória João Coser (PT) e concorrer ao Palácio Anchieta contra o governador Renato Casagrande (PSB), que pleiteia a reeleição.

Essa estratégia foi parcialmente executada nas eleições passadas, quando Lula conseguiu desalojar do Senado a maioria dos seus desafetos pessoais na oposição, como os senadores Arthur Virgílio Neto (PSDB-AM), Heráclito Fortes (ex-DEM-PI), Tasso Jereissati (PSDB-CE) e Jorge Bornhausen (ex-DEM-SC). Agora, o ex-presidente da República tenta matar dois coelhos com uma só cajadada: garantir uma posição mais confortável para o Palácio do Planalto nas relações com o Congresso, cujo controle absoluto passaria do PMDB para o PT, e reduzir as tensões entre as duas legendas na montagem dos palanques de 2014. 

É mais ou menos como naquela história do Mané Garrincha, à véspera do jogo entre Brasil e União Soviética na Copa de 1958. O técnico Vicente Feola levou Garrincha para o canto da concentração e explicou o que ele deveria fazer em campo: “Mané, você pega a bola e dribla o primeiro beque. Quando chegar o segundo, você dribla também. Vai até a linha de fundo e cruza forte para trás, para o Vavá marcar”. Malicioso, Garrincha respondeu: “Tudo bem, seu Feola, mas o senhor já combinou com os russos?” O problema de Lula é combinar com os caciques do PMDB, principalmente o presidente do Senado, Renan Calheiros (AL), cuja reeleição para o cargo, em 2015, subirá no telhado se a estratégia de Lula for bem-sucedida.

Como se sabe, no Rio de Janeiro, no Ceará, em Pernambuco, na Bahia, no Maranhão, no Paraná e no Rio Grande do Sul, as relações entre as duas legendas são ruins. São estados com muito poder na convenção nacional do PMDB, que poderia até retaliar o avanço petista na suas bases com um veto à coligação com a presidente Dilma Rousseff. O PMDB também tem sérias contradições eleitorais com o PT em Mato Grosso do Sul, em São Paulo, em Minas Gerais, em Roraima e no Acre. O que garante a aliança do PMDB com Dilma, hoje, são estados de menor colégio eleitoral, como Santa Catarina, Espírito Santo, Paraíba, Rio Grande do Norte, Alagoas, Tocantins, Amapá e Rondônia, além de Pará e Amazonas, que abrigam o grosso do eleitorado nortista. 

Como o PMDB depende da manutenção de suas posições nos estados para manter a hegemonia no Congresso e preservar a influência no governo federal — que passa pela confirmação do vice-presidente Michel Temer (PMDB) na chapa da reeleição —, a estratégia de Lula é arriscada e exige muita precisão. Qualquer descuido pode pôr a perder a reeleição de Dilma. O que não falta no Congresso é gente predisposta a traições, principalmente quando a própria sobrevivência corre perigo.

Miscelânea
Pesquisa / A pesquisa CNT-MDA divulgada ontem mostra a presidente Dilma Rousseff em posição confortável, mas em ponto morto do ponto de vista da corrida eleitoral: a aprovação do governo melhorou pouco (39% de positivo, 37,7% de negativo e 22,7% de regular) e a da presidente da República manteve praticamente o mesmo patamar (58,8% de aprovação e 38,9% de desaprovação). No cenário principal, a petista seria eleita no primeiro turno, com 43,5% dos votos, contra Aécio Neves, com 19,3%; e Eduardo Campos (PSB), com 9,5%. Quando entra na simulação no lugar de Eduardo Campos, Marina Silva (PSB) arranca 22,5% dos votos, contra 40,6% de Dilma e 16,5% de Aécio. Ou seja, leva a eleição para o segundo turno. É aí que mora o perigo: Marina pode transferir votos para Eduardo Campos e embananar a reeleição.

Diplomacia/ Em baixa nas pesquisas, o presidente socialista da França, François Hollande, aguarda, sem sucesso, a confirmação da visita ao Brasil, prevista para dezembro. Quem cuida do assunto é o assessor especial Marco Aurélio Garcia, que anda enrolando o novo embaixador francês Denis Pietton. Apesar das críticas do governo francês à espionagem norte-americana no Brasil, Dilma empurra a visita com a barriga por causa da novela dos novos aviões de caça que a Força Aérea Brasileira pretende adquirir, assunto pelo qual Holland tem grande interesse.

quarta-feira, 6 de novembro de 2013

Qual é a marca da presidente Dilma?

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo


Correio Braziliense - 06/11/2013 


Bem que a presidente da República está tentando realizar um governo com a sua identidade, a ponto de provocar reações de petistas e aliados saudosos do trato com Lula na Presidência.
 
Não foi à toa a reunião do sábado passado da presidente Dilma Rousseff com seus ministros da área social. A um ano das eleições, o governo não tem uma marca para chamar de sua. O que ancora o prestígio da atual administração no eleitorado são velhas bandeiras que a petista herdou do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, como os programas de Aceleração de Crescimento (PAC), que tem problemas de execução nos projetos mais grandiosos, como a transposição do Rio São Francisco e a construção da ferrovia Transnordestina; o Minha Casa, Minha Vida, de financiamento da habitação; e, principalmente, o Bolsa Família, que beneficia 13,5 milhões de lares.

Isso quer dizer que a proposta de continuidade da Era Lula não seja um bom chamamento eleitoral? Claro que não. Mas também é aí que mora o perigo se o cenário eleitoral se complicar na virada do ano, por força das circunstâncias econômicas. Ou Dilma alavanca sua administração, a ponto de consolidar a expectativa de que será reeleita logo no primeiro turno, ou o fantasma do ex-presidente Lula continuará assombrando o Palácio do Planalto e os corações e mentes de seus aliados, com risco de contaminar a base eleitoral do governo, uma vez que Lula faz campanha aberta em defesa de suas realizações.

Bem que a presidente da República está tentando realizar um governo com a sua identidade, a ponto de provocar reações de petistas e aliados saudosos do trato com Lula na Presidência. O programa Mais Médicos, por exemplo, é uma tentativa audaciosa de construção de sua própria marca na área da saúde. Mas nem sempre isso soma a favor de sua reeleição. É o caso, por exemplo, da marcha forçada para baixar os juros, que fracassou diante da alta da inflação. Nove entre 10 empresários ligados ao governo se queixam do Palácio do Planalto. A rigor, até os executivos das empresas estatais.

Dilma foi eleita com a economia bombando, os peso-pesados do empresariado nacional ao seu lado e o maior arco de alianças políticas já visto no país. Mas tudo indica que o cenário da reeleição será outro, mais adverso do ponto de vista das condições macroeconômicas e correlação de forças políticas. Sua política de concessões na área de infraestrutura, por uma série de erros de seus gestores, acabou não deslanchando. Somente agora, após o leilão de Libra — que só teve um consórcio interessado, graças ao empenho do próprio governo —, parece que deslancharão as privatizações de aeroportos, estradas, ferrovias e portos. Se o governo for bem-sucedido nessas privatizações, Dilma terá uma marca importante para mostrar na economia: a retomada dos investimentos privados em infraestrutura.

Esses investimentos, porém, estão mais para programa de governo do segundo mandato do que para bandeira de realizações com apelo eleitoral. O bicho pega é na área social, que puxa para baixo a avaliação da administração e da própria presidente da República. O modo de governar da presidente Dilma Rousseff, por exemplo, no Ibope/CNI de setembro, havia subido de 45% para 54% de aprovação, mas quase todas as áreas de atuação do governo registraram quedas. A saúde havia caído de 32% para 21%, com desaprovação passando de 66% para 77%. Na educação, passou de 47% para 33%, enquanto a desaprovação foi de 51% para 65%. Na segurança pública, caiu de 31% para 24%, enquanto a desaprovação foi de 67% para 74%.

O setor melhor avaliado foi o combate à fome e à pobreza. Mesmo assim, a aprovação caiu de 60% para 51%, enquanto a desaprovação foi de 38% para 47%. No combate ao desemprego, a aprovação de 52% baixou para 39% e a desaprovação subiu de 45% para 57%. A pior queda, porém, foi na política de juros. O índice caiu 16 pontos percentuais, de 39% para 23%. A desaprovação foi de 54% para 71%. Pior, é que no combate à inflação, a aprovação caiu de 38% para 27% e a desaprovação passou de 57% para 68%. Ou seja, um dilema de Sofia, pois não dá pra segurar a inflação sem subir os juros.

Como se sabe, um cenário desses, durante campanhas eleitorais, com suposta paridade de armas, é um campo aberto para ataques de adversários. Além disso, com esse desempenho, a cara do governo Dilma pode ser muito diferente do de Lula, mas para pior. Vem daí o puxão de orelhas na equipe de ministros da área social.

Polícia pra quem?

O ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, admitiu ontem disse que 70% das pessoas não creem nas polícias brasileiras, segundo pesquisa feita pela Fundação Getulio Vargas (FGV) para a elaboração do Índice de Confiança na Justiça Brasileira. Divulgado ontem, em São Paulo, o 7º Anuário Brasileiro de Segurança Pública aponta que, em 2012, pelo menos 1,89 mil pessoas foram mortas em confrontos com policiais civis e militares.

segunda-feira, 4 de novembro de 2013

Por que o senhor atirou em mim?

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 04/11/2013
A cultura da violência está plasmada no cotidiano da população, associada ao simpático "jeitinho", quase sempre sinônimo de iniquidades e privilégios

Jovens são, por sua natureza, rebeldes. Acreditam que podem mudar o mundo e não têm rabo preso com ninguém. São transgressores, principalmente em relação aos costumes. Desde junho, a insatisfação da juventude está nas ruas e não arrefecerá tão cedo, na melhor das hipóteses somente após as eleições de 2014. Porém, outra questão emergiu com a rebeldia: a violência como forma de ação política, que virou marca registrada das manifestações de protestos que ocorrem por todo o país. Tanto que a presidente Dilma Rousseff decidiu sair da zona de conforto, abandonar certa benevolência com os protestos e combater as organizações que praticam atos de vandalismo. Quando a violência política causa prejuízos ao patrimônio público e agride a propriedade privada, a mão pesada do estado, que detém o monopólio legal do uso da força, entra em ação.

Grupos de jovens mascarados, organizados pela internet, principalmente os black blocs, não são um fenômeno local e ocasional. O movimento se espalhou pelo mundo inteiro, é um problema com o qual os regimes democráticos são obrigados a conviver. Despertam a simpatia de jovens adolescentes, uma febre entre estudantes secundaristas de nossas cidades, inclusive do interior. Ao contrário dos Anonymous, organização mais sofisticada, o black bloc nem sequer se considera uma organização. Forma grupos autônomos, que se comunicam pela internet e se infiltram nas manifestações, a pretexto de defender os seus participantes da violência policial. Crentes de que estão na vanguarda das mudanças anticapitalistas, são portadores de velhas ideologias e novas teorias pseudorrevolucionárias; contam com certa simpatia de intelectuais progressistas e velhos militantes de esquerda, mas suas ações violentas acabam por prejudicar e esvaziar movimentos democráticos legítimos.

Esse diagnóstico seria suficiente para que as forças de segurança identificassem os responsáveis pelo vandalismo e impedissem sua ação predadora. Mas o problema é complexo. No Brasil, a violência é a “banalização do mal”, para usar a expressão de Hannah Arendt, popularizada pelo filme sobre o julgamento do criminoso nazista Adolf Eichmann em Jerusalém. A filósofa judia-alemã escreveu muito sobre a condição humana e as raízes do totalitarismo. Quando houve o plebiscito do desarmamento, as forças políticas e instituições democráticas do país apoiaram a campanha para a proibição da venda de armas; a chamada “bancada da bala” ficou isolada. Mas o povo disse “não” ao desarmamento. A maioria quis preservar o direito de se defender pelos próprios meios, não confia na polícia. O cotidiano da população é violento e as forças de segurança também são protagonistas dessa violência. Vimos isso no caso do pedreiro Amarildo, torturado até a morte por policiais de uma “unidade de pacificação” da Rocinha, no Rio de Janeiro. E também na morte do adolescente Douglas Rodrigues, de 17 anos, na periferia de São Paulo, vítima de um “descuido” do policial que o abordou. “Por que o senhor atirou em mim?”, foram suas últimas palavras, as mesmas que intitulam a coluna.

A cultura da violência está plasmada no cotidiano da população, associada ao simpático “jeitinho”, quase sempre sinônimo de iniquidades e privilégios. O povo está desassistido devido a políticas públicas dominadas por grandes interesses econômicos, seja na educação seja na saúde ou na própria segurança pública. A grande síntese dessa violência são as milícias e os negócios que elas protegem nas favelas e periferias. É sinuosa a fronteira entre o bem e o mal, entre o policial e o bandido; às vezes, nem sequer existe. As manifestações dos jovens estão desnudando o outro lado do anacronismo do nosso sistema de segurança pública. A truculência policial indiscriminada é a demonstração de falta de adestramento e de foco na solução do problema. O simples endurecimento da legislação, que atenta contra direitos e garantias individuais, também não resolve a questão. O despreparo de nossas polícias para lidar com o vandalismo nas manifestações de protestos dos jovens de classe média é o mesmo que caracteriza suas ações contra jovens suspeitos apenas por serem negros, mulatos e pardos, durante a perseguição a bandidos. A diferença é que usa balas de borracha.

Sargento de milícias
Velhos métodos e práticas policiais sobrevivem desde os tempos de Leonardo Pataca, o anti-herói de Manuel Antônio de Almeida, em Memórias de um sargento de milícias (Editora Ática). Folhetim publicado em 1852-53, conta a história de um vadio que acaba se transformando num sargento de milícias no tempo de D. João VI. O major Vidigal, outro protagonista da história, realmente existiu. Temido e respeitado, era policial e juiz ao mesmo tempo, como se julgou o major Edson Raimundo dos Santos, que comandava a UPP da Rocinha e condenou à morte o pedreiro Amarildo. Quanta diferença para o coronel Reinaldo Simões Rossi, da PM de São Paulo, que manteve a disciplina da tropa sob seu comando, apesar de agredido por manifestantes mascarados.