quarta-feira, 28 de janeiro de 2009

Esquerda, volver!

O Palácio do Planalto trabalha para consolidar a candidatura de Dilma como a herdeira de um projeto nacional-desenvolvimentista, cuja pedra de toque é a forte intervenção do Estado na economia

Por Luiz Carlos Azedo

A presença do presidente Luiz Inácio Lula da Silva no Fórum Social Mundial, em Belém, onde pululam representantes de movimentos sociais, de minorias e das esquerdas de todos os matizes, é um gesto simbólico. Resgata para o governo velhas bandeiras de esquerda exumadas pelo PT, com objetivo de vestir de vermelho a candidatura da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff. Pela mesma razão, como uma inhambu que recusa convite de jacu, Lula também esnoba a reunião do Fórum Econômico Mundial, em Davos. Quer se livrar do “mais do mesmo”, a política econômica-financeira que encampou e está sendo volatilizada pela “globalização”.

Contradições
Diante do impacto da crise mundial, ficou difícil manter o equilíbrio entre os grupos de interesse em conflito dentro do governo. Os choques são reveladores. Os ministros da Agricultura, Reinhold Stephanes, e o do Meio Ambiente, Carlos Minc, batem boca pela tevê. O ministro da Fazenda, Guido Mantega, e o presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, trocam farpas nas entrevistas coletivas como num duelo de floretes. O ministro da Justiça, Tarso Genro, virou mais uma pedra no sapato do Itamaraty. O ministro do Trabalho, Carlos Lupi, fala grosso contra as demissões, enquanto seu colega do Desenvolvimento, Indústria e Comércio, Miguel Jorge, zela pelas grandes empresas em dificuldades. O fogo amigo do ministro de Assuntos Estratégicos , Mangabeira Unger, com suas críticas ao “pobrismo”, atinge em cheio o Bolsa Família. E o ministro da Integração Nacional, Geddel Vieira Lima, aperta o cerco contra o governador da Bahia, Jaques Wagner (PT), amigo dileto de Lula.

Velhas contradições hibernavam no governo sobre o manto da política de compromisso. Agora, despertaram com o barulho da crise. Num governo de ampla coalizão, o discurso de união nacional, cujo leito natural é a velha política de conciliação, se encaixaria como uma luva para manter os parceiros coesos. Lula até cede, constrangido, o controle do Congresso Nacional ao PMDB, o partido de patronato político brasileiro. Essa é uma estratégia de acomodação, que garante a estabilidade política do governo, mas também facilita a vitoria da oposição na sucessão de 2010. Não é esse, porém, o desejo de Lula.

Guinada
O Palácio do Planalto trabalha para consolidar a candidatura de Dilma como a herdeira de um projeto nacional-desenvolvimentista, cuja pedra de toque é a forte intervenção do Estado na economia e a existência de políticas sociais voltadas para as parcelas mais pobres da população. Seu lastro era a expansão da economia. Com o apoio das centrais sindicais e os instrumentos de que dispõe, como a Petrobras, as agências reguladoras e os fundos de pensão, o governo Lula atuava no sentido de reorganizar o capitalismo brasileiro, numa parceria do setor público com os grandes oligopólios privados, alguns dos quais fortalecidos graças às verbas federais, como ocorre na telefonia. Um modelo diferente daquele que foi esboçado com as privatizações do governo de FHC, cujo objetivo foi acabar com a inflação e se integrar à economia globalizada.

A crise financeira mundial fortaleceu ideologicamente esse projeto do governo, dando à candidatura de Dilma Rousseff um conteúdo programático que vai muito além da simples execução das obras do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC). Em contrapartida, na política, a convivência entre seus agentes econômicos e sociais se tornou mais difícil. O ambiente de retração econômica esgarça as relações entre seus atores e faz emergir demandas antagônicas, que dificultam a acomodação. Como manter a política de elevação do salário real com o desemprego batendo à porta e os empresários propondo a redução da jornada de trabalho, dos salários e a flexibilização da legislação trabalhista? Como financiar as fusões de grandes empresas e as exportações quando o crédito para a compra de bens de consumo simplesmente sumiu? A agenda da crise é outra, reflete contradições que estavam adormecidas. Pressionado, o governo deriva à esquerda, para preservar suas bases sociais. Os aliados mais importantes, entretanto, preferem uma política centrista.

domingo, 25 de janeiro de 2009

A hora das escolhas

Os sinais de que o governo Lula vive novas contradições, outra correlação de forças e a frustração das tarefas não-realizadas são visíveis

Luiz Carlos Azedo

Um dos textos interessantes que conheço sobre o governo Lula é o breve ensaio O estado novo do PT, do cientista político Luiz Werneck Viana, um estudioso da Era Vargas, cujo fim já foi anunciado algumas vezes e continua aí, firme e forte. Escrito em junho de 2007, pode ser lido integralmente no site Gramsci e o Brasil (www.acessa.com/gramsci) e instiga a reflexão sobre o segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.

Compromisso
Em linhas gerais, Werneck afirma que o presidente Lula construiu um engenhoso governo de compromisso. O programa do PT não diferia muito da esquerda tradicional, mas a opção de Lula e seus jacobinos ao assumir o poder foi aceitar as contingências e rechaçar veleidades revolucionárias de amplos setores do partido. Pôs-se em linha de continuidade com a política econômico-financeira do governo anterior, mas inovou na política. Primeiro, transformou o Estado “num condomínio aberto a todas as classes e principais grupos de interesse”. Segundo, “derivou para uma agenda nacional-desenvolvimentista”, hoje pilotada pela ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, cuja maior expressão é o chamado Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).

Esse “condomínio” compatibilizou as relações entre o agronegócio e os trabalhadores rurais, entre as centrais sindicais e os grandes grupos empresariais, todos com assento na Esplanada. Debateu a “grande política” e seus interesses no interior do próprio governo. Tal processo apontado por Werneck, do meu ponto de vista, lançou o Congresso no atoleiro da “pequena política”. O Executivo legisla por “medidas provisórias”, atalha consensos que deveriam ser mediados pelo Legislativo e arbitra dissensos que caberiam ao Judiciário decidir.

“Na dialética sem síntese da tradição política brasileira”, o comando da máquina pública e as políticas sociais de “transformações moleculares” possibilitaram a conciliação de interesses contraditórios e o congelamento das mudanças sociais, como na questão agrária, por exemplo. Mas o choque entre seus atores é visível: “A esquerda tem como alvo principal a administração do Banco Central, caixa-preta da política econômico-financeira, a direita encontrou o seu na presença do PMDB na coalizão política que sustenta o governo, sem o qual ele perde força no Congresso e na sociedade”, dispara Werneck. Essa constatação dispensa comentários sobre sua atualidade.

Encruzilhada
O Estado de compromisso que incorporou e equilibra interesses tão antagônicos na sociedade é um lugar de permanente tensão, cuja coesão depende essencialmente do prestígio popular do presidente Lula. Por isso, as ações de governo dependem tanto da intervenção carismática de Lula. Pela mesma razão, com o tempo, cada classe, fração social ou grupamento de interesse aprendeu que, para vencer ou se preservar dentro da máquina do Estado, precisa buscar apoio na sociedade.

Essa construção, para Werneck, tem prazo de validade: o fim do mandato presidencial em 2010. Com essa data no horizonte, os antagonismos “começam a procurar formas próprias de expressão, em um cenário de partidos em ruínas e instituições políticas, como o Parlamento, desacreditadas pela população”. Esse é o ponto a que queria chegar. Werneck previu o choque no interior do “condomínio” em razão da sucessão de 2010, mas num contexto diferente do que estamos vivendo, sob o impacto da renovação política dos Estados Unidos, representada por Barack Obama na Presidência, e de uma crise que ninguém sabe quando acaba.

Por causa da crise, o governo de compromisso, antes mesmo do choque entre as forças de sua coalizão política, está sendo obrigado a arbitrar conflitos de interesses entre seus agentes econômicos e sociais. O presidente Lula, por exemplo, não esconde a irritação com as demissões na mineração, na siderurgia, nas montadoras, nas usinas de álcool, setores fortemente beneficiados por seu governo, sem falar na contenção do crédito pelo mercado financeiro. Flexibilização da legislação trabalhista, redução de salários e outras propostas na ordem do dia ameaçam os direitos e a renda dos trabalhadores. Chegou o momento de escolhas muito difíceis, que podem levar o condomínio de roldão. Os sinais de que o governo Lula vive novas contradições, outra correlação de forças e a frustração das tarefas não-realizadas são visíveis. A deriva à esquerda e à direita começou.

Publicado hoje na coluna Nas Entrelinhas do Correio Braziliense

quarta-feira, 21 de janeiro de 2009

A sorte de Obama

Obama não anunciou fórmulas novas, nem planos mirabolantes. Jogou suas fichas nos valores da democracia americana. Foram eles que possibilitaram a construção do “sonho americano”

Por Luiz Carlos Azedo

Desejo muito boa sorte ao novo presidente dos Estados Unidos, Barack Hussein Obama, cuja posse é um divisor de águas na história daquele país e da política mundial. Como ele mesmo disse, as crianças negras passarão a olhar as crianças brancas de outra maneira e as crianças brancas também olharão para as crianças negras de forma diferente. Um colega aqui da redação, tão veterano quanto eu, considera essa visão muito antropológica. Julga que eu deveria dar mais peso às contradições econômicas e sociais com as quais o mundo se depara. Digamos, ter um olhar “mais sociológico”. Não importa, vejo a posse de Obama na presidência dos Estados Unidos como um avanço civilizatório. O mundo mudou, os Estados Unidos também estão mudando, como o novo presidente dos EUA assinalou.

O declínio

Nossa civilização tem os seus fundamentos na Grécia Antiga e no Império Romano, cujos monumentos em ruínas e obras de arte são reverenciados por sua beleza estética e nos remetem a valores de Justiça e Democracia. Entretanto, a riqueza e o esplendor dessas civilizações não permitem maniqueísmo: foram fundados na guerra, na dominação de outros povos e no trabalho escravo. Também é bom lembrar que a decadência de Roma pôs fim à escravidão na Europa, mas também teceu uma cortina de obscurantismo e misticismo no Ocidente, que somente veio a ser rasgada por Cervantes com as aventuras de Dom Quixote.

Para os pessimistas, diante da realidade nua e crua da crise do capitalismo global e dos conflitos e guerras legados pelo unilateralismo de Bush, Obama é uma espécie de novo cavalheiro andante. Discordo, Obama não é um descuidado dos perigos que o cercam, embora seu discurso renovador dos Estados Unidos me lembre a fracassada pretensão de Mikhail Gorbatchov de democratizar o socialismo da antiga União Soviética e demais países do leste europeu. Será possível resgatar o legado moral da Independência e o chamado “sonho americano”? Ou o declínio dos Estados Unidos é irreversível? Prefiro acreditar na primeira hipótese, pois a contrapartida dessa crise de hegemonia não foi a desejada “governança mundial” sustentada no multilateralismo. É armadilha invisível do ódio fundamentalista e o choque de civilizações nas muralhas religiosas do Ocidente e do Oriente.

A esperança

Disse-nos Obama: “Nossa nação está bastante enfraquecida, uma consequência da ganância e da irresponsabilidade de alguns, mas também da nossa incapacidade coletiva de tomar decisões difíceis e preparar a nação para uma nova era. Lares foram perdidos; empregos foram cortados; empresas destruídas. Nossa saúde é cara demais; nossas escolas deixam muitos para trás; e cada dia traz novas evidências de que a forma como usamos a energia fortalece nossos adversários e ameaça nosso planeta”. Estou entre aqueles que consideram a eleição do novo presidente dos Estados Unidos uma resposta do povo norte-americano a tudo isso que diagnosticou e ao status quo mundial, cujo maior símbolo é a crise de Wall Street.

No coração do capitalismo globalizado, o que se afirma é o compromisso com a liberdade política e uma nova relação de poder entre o Estado defensor do interesse comum e o mercado. Nada será como antes. Nem a desregulamentação dos mercados, nem a vertigem especulativa, nem a ganância dos lucros de curto prazo, nem a desarticulação entre os fluxos financeiros e as necessidades reais. “Aos povos das nações pobres: comprometemo-nos a trabalhar ao lado de vocês para que suas fazendas floresçam e águas limpas possam fluir; para alimentar corpos esfomeados e mentes famintas. E àquelas nações como a nossa, que gozam de relativa abundância, dizemos que não podemos mais aceitar a indiferença ao sofrimento fora de nossas fronteiras; nem podemos consumir os recursos do mundo sem pensar nos efeitos disso. Pois o mundo mudou, e precisamos mudar junto com ele”, promete Obama.

A sorte de Obama está lançada. Ele aposta na força do povo que o elegeu para mudar a política e a economia de seu país e do mundo. É esse significado do que diz ao afirmar: “É a gentileza de socorrer um estranho quando um dique é destruído, a generosidade dos trabalhadores que aceitam reduzir sua jornada de trabalho para que um amigo não perca seu emprego, que nos fazem superar os piores momentos. É a coragem do bombeiro que atravessa uma escadaria cheia de fumaça, mas também a disposição de um pai para criar um filho, que decidem afinal a nossa sorte”. Obama não anunciou fórmulas novas, nem planos mirabolantes. Jogou suas fichas nos valores da democracia americana, no trabalho e nas relações de solidariedade. Foram esses valores que possibilitaram a construção do “sonho americano” e a hegemonia do “americanismo” no mundo, muito mais do que o poderio econômico e militar, embora muitos dentro e fora dos EUA ainda pensem o contrário.

Publicado hoje na coluna Nas Entrelinhas do Correio Braziliense

terça-feira, 13 de janeiro de 2009

Los hermanos

O Brasil não exerce liderança em relação à Argentina, Bolívia e Colômbia, e nossa política para os países menores (e mais pobres) é vista como uma pretensão imperialista

Por Luiz Carlos Azedo
A estratégia diplomática brasileira para a América do
Sul está em xeque. Os grandes investimentos econômicos
feitos pelo governo e por empresários brasileiros
nos países vizinhos se transformaram em dores
de cabeça para o presidente Luiz Inácio Lula da Silva. O Brasil
não exerce liderança em relação à Argentina, Bolívia e Colômbia,
e nossa política para os países menores (e mais pobres)
é vista como uma pretensão imperialista.Itaipu
A Itaipu Binacional anunciou sexta-feira que pagou
US$ 218,9 milhões ao Tesouro paraguaio em 2008, pela utilização
do potencial hidráulico do Rio Paraná para geração de
energia elétrica. Desde maio de 1985, o Paraguai já recebeu
U$ 3,25 bilhões. É um grande negócio: recebe antes mesmo
de terminar de pagar a sua parte na construção da usina,
que o Brasil financiou. Mas esse é o nosso ponto de vista.
Os paraguaios pensam de outra maneira. Primeiro, guardam
ressentimentos históricos por causa da derrota de Solano
Lopez e das atrocidades cometidas pelas tropas brasileiras
comandadas pelo Conde D'Eu durante a guerra de 1865-
1870, na qual a industrialização do Paraguai foi abortada. Segundo,
até a eleição do atual presidente paraguaio, o bispo
Fernando Lugo, a Itaipu Binacional serviu de bunker para a
oligarquia do Partido Colorado. A revisão do acordo de Itaipu
foi bandeira de campanha de Lugo, em torno da qual
uniu a oposição. Os colorados substituíram a ditadura do general
Alfredo Strossner, que reinou de 1954 a 1989, numa
transição mais gradual e segura do que a brasileira.
A obra e a empresa enriqueceram a elite empresarial e política
paraguaia, chamada por Lugo de “los barones de Itaipu”. O Paraguai
não quer apenas aumentar o valor das tarifas da energia, quer
também a revisão da dívida de Itaipu, que teria
sido inflada por administradores corruptos.Além disso, depois da
posse de Lugo, começaram as ocupações de terras dos plantadores
de soja brasileiros nos departamentos de fronteira de Itapúa, Alto Paraná,
San Pedro, Concepción,Amambay e Canindeyú. Os “brasiguaios” controlam 40% das terras e produzem 80 % da soja do país vizinho.

Negócios
O Brasil tem mais problemas com os vizinhos. Digeriu o caso
do gás nacionalizado por Evo Morales na Bolívia, mas há outro
contencioso diplomático por causa das usinas hidrelétricas
de Santo Antônio e Jirau, no Rio Madeira. Segundo os bolivianos,
as represas inundarão parte do território boliviano.
Por isso, as comunidades indígenas de Chacobo, Tacana e
Cavineño, supostamente afetadas, devem ser indenizadas.
O assunto faz parte do acervo de problemas ambientais das
duas usinas. As relações entre empresários brasileiros e as
elites rebeldes da Meia Lua boliviana, nas ricas províncias da
região de Santa Cruz de La Sierra e Tarija, também aumentam
a tensão com o governo Morales.
As relações com o Equador, que nem fronteira com o Brasil
faz, vão de mal a pior. A Petrobras desistiu de explorar petróleo
e entregou seu bloco de exploração à empresa estatal
local. A confusão maior, porém, é com a Odebrecht, que levou
um calote na construção da hidrelétrica de San Francisco,
na Amazônia equatoriana, inaugurada em junho de
2007. A empresa também seria responsável pela construção
da estrada Manaus-Manta, cujo objetivo é ligar o Brasil ao
Pacífico, mas a obra foi suspensa por ordem do presidente
Lula. O presidente Rafael Correa acusa a Odebrecht de ter financiado
seus adversários.
Na última década, o agronegócio brasileiro tomou de assalto
o Uruguai, onde arrendou ou comprou as melhores
terras. Das 10 maiores empresas exportadoras do país, cinco
são brasileiras. Quatro frigoríficos nossos controlam 45%
das exportações de carne. Um criador paulista comprou 100
mil hectares de terras nos pampas uruguaios. Outra empresa
brasileira controla metade das exportações de arroz. A
produção de cerveja uruguaia foi monopolizada pela Ambev.
O presidente uruguaio Tabaré Vázquez, um moderado,
está sendo pressionado para fazer uma reforma ministerial e
endurecer o jogo com os brasileiros.
Publicado na coluna Nas Entrelnhas do Correio Braziliense de 11 de janeiro de 2009

segunda-feira, 5 de janeiro de 2009

Esperando por Obama

A antecipação de medidas anticíclicas em todo mundo será capaz de evitar a depressão mundial? A resposta dependerá da eficácia das decisões do novo presidente dos EUA

Por Luiz Carlos Azedo


O mundo espera a posse do novo presidente dos Estados Unidos, Barack Obama, no próximo dia 20, para fazer alguma previsão sobre o que acontecerá em 2009. É como se o novo ano demorasse mais um pouco para começar, embora aqui no Brasil, tradicionalmente, todos puxem o freio de mão até o carnaval.

A guinada

Os mais otimistas apostam numa mudança política nos EUA, com muitas repercussões no mundo. A primeira seria na política internacional propriamente dita, na qual a diplomacia viria à frente do belicismo, para reverter uma concepção militarista que marcou o governo Bush e que ainda ruge na Faixa de Gaza. A segunda, em grande medida, ocorreria em relação à política de petróleo, com o gigante do Norte em busca de um novo padrão energético, menos dependente do carbono, o que seria muito bom para o planeta achar o rumo do desenvolvimento sustentável. Os pessimistas acham graça dessa expectativa, avaliam que os norte-americanos são predadores por natureza e não perderão a oportunidade de aproveitar o petróleo mais barato para reativar seu velho complexo militar-industrial e voltar a ser o que sempre foram: imperialistas. Prefiro começar 2009 com a esperança das utopias.

A propósito, li uma entrevista muito interessante do jornalista francês Marc Saint-Upéry, reproduzida no blog do meu amigo Gilvan Cavalcanti de Melo (gilvanmelo.blogspot.com), na qual ele trata da crise mundial e da esquerda socialista. Cita Ralph Nader, aquele candidato alternativo a presidente dos Estados Unidos que nunca foi levado muito a sério. Segundo Nader, quando era criança, seu pai fazia a seguinte pergunta: “Por que o capitalismo sempre sobreviverá?” E ele próprio respondia: “Porque sempre se usará o socialismo para salvá-lo”.

É mais ou menos essa lógica que me leva a acreditar que Obama adotará medidas reformadoras. Ele precisa delas para enfrentar a crise econômica. Sua política é uma mescla de trabalhismo, intervencionismo e preocupações verdes: mais sinergia entre público e privado, grandes programas estatais e ações de governo para estimular a economia e acelerar a transição a um modelo energético sustentável. Não é pouco para os EUA. Alguns podem ponderar que sua equipe é pluralista demais, tem muitos conservadores. Não importa. Como Saint-Upéry lembra em sua entrevista, o mundo já virou o disco. Segundo ele, quando o capitalismo enlouquece e desaba o mito do mercado autorregulado, se redescobre o receituário intervencionista e se escutam discursos anticapitalistas de parte de políticos conservadores. É o caso do presidente francês Nicolas Sarkozy. Por igual razão, artigos sobre o pensamento econômico de Marx, com sua “lei da tendência decrescente da taxa de lucro”, começam surgir em tradicionais revistas de economia ou são citados por figuras como o megaespeculador George Soros. É que o fetiche da mercadoria virou a “reificação” do mercado.

O tranco
A crise chegou ao Brasil, com menos intensidade do que a turma do “quanto pior, melhor” previa, mas já atrapalha a vida do governo, das empresas e dos cidadãos. Num primeiro momento, ela foi vista com jubilo pela esquerda, pois representou o colapso do neoliberalismo. Mas agora se verifica que é algo mais grave e sobra pra todo mundo: uma crise capitalista semelhante à de 1929. Porém, o peso do Estado na economia é muito maior, sobretudo na Europa e na Ásia, mesmo com a onda de privatizações e regulamentações que ocorreu na década de 1980. Essa força serviria de alavanca para governos de todos os matizes — conservadores, trabalhistas, social-democratas, populistas — reagirem à crise mundial. O governo Lula não é exceção.

Faz-se o que Lord Keynes preconizou como saída da crise em 1929, em maior ou menor grau. Sua velha teoria sobre as bolhas especulativas foi confirmada nessa crise. Mas há uma grande interrogação: a antecipação de medidas anticíclicas em todo mundo será capaz de evitar outra grande depressão? A resposta dependerá da eficácia das decisões do novo presidente dos EUA. Há uma contradição entre a superprodução mundial e a capacidade real de consumo dos países, inclusive a China, porque a renda real (principalmente a massa salarial) não acompanhou essa expansão. O déficit em conta corrente dos EUA, durante 30 anos, de certa forma alavancou a bolha do crédito e o consumismo. Gerou uma assimetria perversa do sistema financeiro, que bancou o consumo norte-americano 7% acima do que seria possível. Agora, o mundo está pagando a conta, porque tirou muito proveito disso. Nos anos 1990, a Ásia, o Brasil e a Rússia atraíram grandes fluxos de capitais e créditos; com a crise, o crédito sumiu e os investidores estão voltando aos títulos norte-americanos. Esse é o tranco.

Publicada em 4 de janeiro de 2009 na coluna Nas Entrelinhas do Correio Braziliense