domingo, 18 de maio de 2014

Quem vai pagar a conta?

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 18/052014
 Ou o governo gasta menos e foca, ou tira mais do bolso do contribuinte, cujas prioridades não são sequer consideradas. Estão aí os gastos da Copa
O jogo é jogado. O PT optou pela tática de disseminar o medo de mudança entre os eleitores porque essa é a lei do menor esforço para conservação do poder. Como se sabe, porém, o temor em relação ao futuro alimenta o status quo. É uma velha tática do conservadorismo, que o transformismo petista abduziu depois de quase 12 anos de poder. O problema é que o governo não conseguiu dar conta das obras de infraestrutura indispensáveis à retomada do crescimento, o que provocou generalizada insatisfação do setor produtivo, e enfrenta ampla insatisfação da população em relação aos serviços prestados pelo Estado, principalmente nas áreas de transportes, segurança, saúde e educação.

Como não há tempo para resolver essas demandas, o Palácio do Planalto procura desqualificar a oposição. É do jogo. O cerne da estratégia do medo é acusar os pré-candidatos Aécio Neves (PSDB) e Eduardo Campos (PSB) de propor o desemprego e o arrocho nos salários para reduzir a taxa de inflação. "Um desempregozinho", como disse o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, aproveitando-se do senso comum do trabalhador assalariado, cuja psicologia conhece bem, pois foi metalúrgico e líder sindical. É óbvio que qualquer assalariado prefere garantir o emprego, mesmo com a perda de poder aquisitivo, do que ter estabilidade de preços sem salário para receber no fim do mês.

Essa lógica, porém, não resolve a equação estabilidade com crescimento, que é única maneira de garantir os empregos e os salários, simultaneamente, bem como gerar investimentos em infraestrutura e melhorar a qualidade dos serviços públicos. No longo prazo, a inflação continuará ascendente, porque se torna inercial, e aí os empregos começam a ir para o espaço com os salários. A fórmula para resolver esse problema, na situação atual, é uma taxa de juros que mire os 4,5% do centro da meta; um superavit primário que reduza a dívida pública em relação ao Produto Interno Bruto (PIB) e uma taxa de câmbio que garanta o equilíbrio das contas externas. Fora disso, nada impede que tudo possa piorar na economia.

Voluntarismo
Ocorre que a presidente Dilma Rousseff resolveu jogar esse "tripé" pela janela ao concluir que garantiria mais capacidade de investimento do Estado e maior produtividade da economia reduzindo a taxa de juros a fórceps. Como crescer com inflação baixa não era apenas uma questão de vontade política, a "nova matriz" não emplacou: os juros voltaram a subir, a economia avança a passos de cágado e a economia começa a dar sinais de que não conseguirá, pela inércia, manter o atual nível de emprego.
Há mais exemplos de como o voluntarismo fez a presidente Dilma Rousseff tropeçar nas próprias pernas: o Brasil poderia ter mais 10 mil quilômetros de ferrovias, mas somente conseguiu dar sequência à construção de 3 mil quilômetros da Transnordestina e da Norte-Sul. Motivo: o modelo de concessão adotado é considerado uma roubada pelas empresas interessadas no setor, que fogem das licitações. É mais ou menos o que aconteceu com as estradas, até que governo decidiu recuar. Construir ferrovias, porém, demora mais e custa mais.

Outro exemplo de que nem tudo depende de um ato de vontade: o truco nas empresas do setor elétrico, que o governo quebrou ao jogar as tarifas para baixo, sem garantir as margens de lucro necessárias aos investimentos e à própria operação. Agora, transfere recursos do Tesouro para garantir o funcionamento do sistema com a promessa de recuperá-los em 2015, quando, inevitavelmente, haverá um choque tarifário. A mesma coisa acontece com a Petrobras: o governo segura o preço dos combustíveis para manter a inflação na órbita dos 6,5% do teto da meta, mesmo que o preço disso seja a absurda desvalorização da empresa e o comprometimento de seus investimentos. É uma espécie de estelionato eleitoral.

Deixemos de lado os escândalos envolvendo ex-diretores da empresa, que há meses ocupam as páginas dos jornais. Para crescer 4% ao ano — e assim garantir o emprego e a renda familiar —, o Brasil precisa de taxas de investimento de 22% a 24% do PIB, mas a sua poupança está entre 14% e16%. De onde sairá esse dinheiro? Ora, só há duas maneiras: ou o governo gasta menos e foca, ou tira mais do bolso do contribuinte, cujas prioridades não são sequer consideradas. Estão aí os gastos da Copa.

PS: vou curtir 20 dias de férias, volto à coluna em 10 de junho.

quinta-feira, 15 de maio de 2014

A CPI chapa-branca

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 15/05/2014

Vital do Rêgo (PMDB-PB) lidera o grupo de raposas governistas escalado para domar a CPI da Petrobras, que será a mais chapa-branca das comissões de inquérito já instaladas no Senado. Tanto que o relator, senador José Pimentel, é o líder do governo no Congresso

O doleiro Yousseff e da Costa, ex-diretor da Petrobras
 A Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) da Petrobras do Senado começou a funcionar ontem. Aprovou requerimentos de convocação da presidente da Petrobras, Graça Foster, e do ex-diretor da área internacional da empresa Nestor Cerveró. Ambos foram chamados para prestar esclarecimentos sobre a compra da refinaria de Pasadena, no Texas (EUA). A CPI aprovou também um plano de trabalho elaborado pelo relator, senador José Pimentel (PT-CE), e outros 74 requerimentos apresentados por parlamentares aliados ao governo. O único titular da oposição é senador Cyro Miranda (PSDB-GO), apenas para marcar posição.
O depoimento de Graça Foster à CPI foi marcado para a próxima terça-feira e o de Gabrielli, para quinta-feira. Ambos foram chamados para pôr um ponto final na polêmica sobre a compra de Pasadena, nos EUA: a primeira dirá que a operação passou a ser um mau negócio depois da crise mundial; o segundo, que foi um bom negócio quando realizado. Ficará o dito pelo não dito. As demais convocações não têm data definida, segundo o presidente da CPI, Vital do Rêgo (PMDB-PB), que lidera o grupo de raposas governistas escalado pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL) para domar o colegiado. Essa será a mais chapa-branca das comissões de inquérito já instaladas no Senado. Tanto que o relator, senador José Pimentel, é o líder do governo no Congresso.
Também são titulares da CPI os senadores governistas João Alberto Souza (PMDB-MA), Valdir Raupp (PMDB-RO), Ciro Nogueira (PP-PI), Humberto Costa (PT-PE), Vanessa Grazziotin (PCdoB-AM), Acir Gurgacz (PDT-RO), Aníbal Diniz (PT-AC), Jorge Viana (PT- AC), Antonio Carlos Rodrigues (PR-SP) e Gim Argello (PTB-DF). A maioria tem interesses na Petrobras e suas subsidiárias. As prioridades dos trabalhos da comissão não estão muito claras. Uma delas é o Porto de Suape, que tem uma ligação com a refinaria de Abreu e Lima, esta sim, prevista no requerimento de criação da CPI. O porto é uma empresa pública do estado de Pernambuco e, segundo Pimentel, haveria denúncias de sobrepreço nas obras de interligação entre a refinaria e o Píer de Suape. Abreu e Lima está situada dentro da área portuária. O requerimento mira o ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos, candidato do PSB à Presidência da República.
O elo perdido
A CPI é tão chapa-branca que não dá sequer para imaginar um Fla-Flu parecido com o que ocorreu na CPI Mista do Banestado, entre o relator, o deputado petista José Mentor (SP), e seu presidente, e o então senador tucano Antero Paes de Barros. Aquela foi uma das mais conturbadas investigações parlamentares já realizadas pelo Congresso. O Palácio do Planalto também tentou impedir a instalação, mas fracassou por causa da repercussão negativa do caso. Um dos momentos de maior tensão na CPI ocorreu em torno da convocação do ex-prefeito de São Paulo Paulo Maluf. O PT posicionou-se contra, Maluf não foi convocado.
Após um ano e meio de investigações, Mentor sugeriu o indiciamento de 91 pessoas, entre elas o ex-presidente do Banco Central Gustavo Franco; o ex-prefeito de São Paulo Celso Pitta; e o ex-dono das Casas Bahia (maior rede varejista do Brasil) Samuel Klein. Foram acusados de participar de um esquema de evasão de divisas, por meio de contas CC5, que teria chegado a R$ 150 bilhões. Franco foi denunciado apenas porque criou os mecanismos legais usados pelo Banestado para envio de dinheiro ao exterior. Havia a presunção de que mais de 130 políticos estavam envolvidos no esquema, além de empresários e pessoas ligadas ao tráfico de drogas, de armas e de mulheres, mas nenhum nome surgiu no relatório.
A CPI foi acusada de abusar das quebras de sigilos bancários e fiscais. Foram mais de 1,7 mil pedidos. Um dos atingidos foi o então presidente do Banco Central, Henrique Meirelles, acusado de não declarar à Receita Federal movimentações financeiras feitas no exterior. Para protegê-lo, o então presidente Luiz Inácio Lula da Silva mandou uma Medida Provisória ao Congresso para dar status de ministro e foro privilegiado ao presidente do Banco Central. O que tem a ver a fracassada CPI do Banestado com a CPI da Petrobras? Aparentemente nada, exceto o fato de que o doleiro envolvido no caso Banestado era o mesmo Alberto Youssef, preso na Operação Lava-Jato com o ex-diretor da Petrobras Paulo Roberto da Costa, também detido e considerado o homem-bomba do suposto propinoduto da Petrobras que assombra o Congresso.

quarta-feira, 14 de maio de 2014

Jogada de risco

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 14/052014
Em regime de pleno emprego, a alta dos preços leva os trabalhadores a intensificar as lutas salariais sem o fantasma das demissões em massa. É o que veremos a partir de agora, tendo por pano de fundo a Copa do Mundo
A presidente Dilma Rousseff resolveu contra-atacar. Para conter o avanço da oposição, pôs o pé na estrada e engrossou a voz contra os pré-candidatos do PSDB, o senador Aécio Neves, e do PSB, o ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos. Acusa-os de querer jogar o ônus do combate à inflação nas costas dos mais pobres — o primeiro, ao defender o fim dos subsídios; o segundo, ao propor uma meta de inflação de 3%. Segundo Dilma, essas propostas provocariam muito desemprego. Essa é a velha estratégia do PT para polarizar a eleição com o discurso de que haveria uma conspiração das elites e da mídia com objetivo de apeá-la do poder e liquidar as políticas sociais do atual governo. 
Esse discurso de campanha — é realmente do que se trata — passa uma borracha nas denúncias de corrução no governo, como o escândalo da Petrobras, e rechaça as críticas ao seu fraco desempenho — na saúde, na educação e na segurança pública, principalmente. Por trás da narrativa, existe também uma estratégia de manutenção dos atuais níveis de emprego a qualquer preço, para conter a insatisfação social e garantir a reeleição de Dilma. Para isso, a inflação é administrada muito próxima dos 6,5% do teto da meta, que é de 4,5% ao ano, mediante a contenção de tarifas de combustíveis e de energia. Ainda que isso dê grandes prejuízos à Petrobras e quebre o setor elétrico.
Onda de greves
A estratégia de Dilma Rousseff para se reeleger arma uma bomba-relógio que será detonada depois das eleições, pois a inflação projetada para 2015 já é de 7,5%. Ou seja, cedo ou tarde, talvez logo após o pleito, terá de ser feito um ajuste. Falar sobre isso, porém, virou uma armadilha mortal para a oposição. Endossa o discurso governista de que Aécio Neves e Eduardo Campos não querem o melhor para os mais pobres, defendem apenas os interesses dos mais ricos. Todo plano, porém, tem fricção, nunca acontece como foi concebido. Nesse caso, o que está fora do controle do governo é a reação dos trabalhadores à perda de poder aquisitivo com a inflação. No Rio de Janeiro, professores e rodoviários entraram em greve ontem. Em Pernambuco, trabalhadores da petroquímica de Suape depredaram ônibus e pararam o trânsito.
Em regime de pleno emprego, a alta dos preços leva os trabalhadores a intensificar suas lutas, sem o fantasma das demissões em massa. É o que veremos a partir de agora, tendo por pano de fundo a Copa do Mundo, embora a onda de greves deva se desdobrar até setembro, quando ocorrerão as grandes campanhas salariais de metalúrgicos, petroleiros, carteiros e bancários. Mesmo que a Central Única dos Trabalhadores (CUT), mais ligada ao governo, adote uma política de "apertar o cinto", as outras centrais, como a Força Sindical e a União Geral dos Trabalhadores (UGT), se encarregarão de radicalizar as campanhas salariais. Sem falar nos sindicalistas que têm outros candidatos disputando as eleições para Presidência da República, como os do PSTU, de José Maria e do PSOL, do senador Randolfe Rodrigues, ambos pré candidatos.

Mantega e Gabrielli
Mesmo sem CPI em funcionamento, a Petrobras continua na agenda negativa do Palácio do Planalto. Irão depor na Comissão de Fiscalização e Controle da Câmara dos Deputados, hoje e amanhã, respectivamente, o ministro da Fazenda, Guido Mantega, e o ex-presidente da Petrobras José Sérgio Gabrielli. A pauta é a compra da refinaria de Pasadena (EUA), com prejuízo superior a 500 milhões de dólares à empresa. 
Segundo a presidente Dilma, a direção executiva da Petrobras omitiu do Conselho de Administração, presidido por ela à época, duas cláusulas do contrato com a empresa belga Astra Oil, consideradas prejudiciais. A presidente diz que aprovou negócio com base num parecer falho juridicamente. Gabrielli rebate: "Não posso fugir da minha responsabilidade, do mesmo jeito que a presidente Dilma não pode fugir da responsabilidade dela, que era presidente do conselho", sustentou o ex-presidente da Petrobras ao comentar a acusação de Dilma.

terça-feira, 13 de maio de 2014

Firme, ma non troppo

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 13/05/2014

 A deriva do PMDB ocorre numa situação em que a presidente Dilma não tem como cobrar fidelidade maior da legenda, porque, no apoio à reeleição, do ponto de vista formal, o mais importante é o tempo de televisão
 O PMDB continua firme com a presidente Dilma Rousseff, ma non troppo. A expressão musical nas partituras significa que o andamento da composição deve ser allegro (rápido), mas de forma moderada. Ou seja, os caciques da legenda começam a apoiar Dilma com certa cautela e mandam sinais de fumaça para o senador Aécio Neves (MG) e para o ex-governador Eduardo Campos (PE), pré-candidatos do PSDB e do PSB, respectivamente. Não vão para o tudo ou nada, mais ou menos como já disse, certa vez, o senador Eunício Oliveira (PMDB-CE) sobre um colega em apuros: "Vou até a beira do túmulo, mas não pulo dentro da cova".
O cientista político Murillo Aragão, da Arko Advice, cita o caso do presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), pré-candidato a governador do Rio Grande do Norte, que abriu ainda mais o leque de alianças com adversários da presidente Dilma Rousseff: depois do PSDB, de Aécio Neves, e do PSB, de Eduardo Campos, Henrique Alves terá na coligação o PSC, que tem o Pastor Everaldo como candidato à Presidência da República. O acordo foi fechado durante encontro evangélico da Convenção Estadual das Assembleias de Deus, em Natal. "Esse modelo de alianças do PMDB reflete a insegurança do partido com a candidatura de Dilma diante das recentes pesquisas, que apontam para uma disputa no segundo turno", avalia Aragão.
Desembarques
"Teremos o apoio do PSB de Eduardo Campos, do PSDB do Aécio e do PSC do Everaldo. Todos serão importantes na nossa caminhada e terão também o nosso respeito às candidaturas dos respectivos partidos, mas sabendo do nosso compromisso nacional com a presidente Dilma e com o nosso vice Michel Temer. Tudo às claras, ética e politicamente responsável", justifica Alves. A situação não para aí. O próprio vice-presidente Michel Temer comanda uma operação para desembarcar da candidatura mais querida do Palácio do Planalto, a da senadora Gleisi Hoffman (PT) ao governo do estado do Paraná.
A ex-ministra da Casa Civil, que hoje atua como porta-voz informal da presidente Dilma Rousseff no Senado, ofuscando o líder do governo, Eduardo Braga (PMDB-AM), contava com o apoio do PMDB para formar uma poderosa aliança contra a reeleição do governador tucano Beto Richa. Temer puxou o freio de mão e orientou o senador peemedebista Roberto Requião, ex-governador do estado, a considerar seriamente a candidatura ao governo do Paraná. A propósito de Temer, a pré-candidatura do presidente da Federação das Indústrias do Estado de São Paulo, Paulo Skaf, pelo PMDB, vai de vento em popa. Na semana passada, com o apoio de Michel Temer, Skaf fechou o apoio do Pros, o que lhe garante mais tempo de televisão e complica ainda mais a vida do pré-candidato petista ao Palácio dos Bandeirantes, o ex-ministro da Saúde Alexandre Padilha.
A deriva
As dificuldades com o PMDB já não eram pequenas, por causa de outros conflitos regionais de Pernambuco, Bahia, Rio Grande do Sul, Mato Grosso e outros estados, mas se agravam por causa do Rio de Janeiro e do Ceará. Os dois últimos são muito cabeludos, por causa das disputas locais com o PT. Líder nas pesquisas de opinião, Eunício Oliveira não abre mão do apoio do PT a sua candidatura ao governo do Ceará e ameaça rever as alianças no estado, se aproximando do ex-senador tucano Tasso Jereissati. No Rio de Janeiro, apesar da boa relação do governador Luiz Fernando Pezão (PMDB) com a presidente Dilma Rousseff, o presidente do diretório regional, Jorge Picciani, já embarcou de mala e cuia na campanha de Aécio Neves.
A deriva do PMDB ocorre numa situação em que a presidente Dilma Rousseff não tem como cobrar fidelidade maior da legenda, porque o apoio à reeleição, do ponto de vista formal, é o mais importante, pois lhe garante tempo de televisão. Mas, ao acenar para os candidatos de oposição nos estados em que tem candidato próprio, o PMDB abre espaço para uma futura cristianização de Dilma; diga-se de passagem, com a ajuda do PT, que acirra os conflitos locais e joga os caciques peemedebistas nos braços de Aécio Neves e Eduardo Campos.

domingo, 11 de maio de 2014

Guerra de posições

Nas Entrelinhas - Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 11/05/2014 

Mudança, pois, é palavra-chave para a oposição, que avança no vácuo deixado por Dilma. Aécio é apontado como o mais preparado para fazer isso por 19% dos eleitores; Campos, por 10%. A presidente Dilma, apenas 15%. 

A pesquisa Datafolha divulgada na sexta-feira aponta duas tendências do processo eleitoral. Ambas estão sujeitas a modificações, mas são robustas o suficiente para atravessar o período da Copa do Mundo, que vai de 12 de junho a 13 de julho: a primeira é a inviabilidade de uma eleição de turno único, como sonhara a presidente Dilma Rousseff; a segunda, a polarização PT versus PSDB. Ambas decorrem do crescimento das intenções de voto do pré-candidato tucano, Aécio Neves. A petista teria hoje 37% das intenções de voto, e todos os outros candidatos, somados, 38%.

A avaliação de Dilma, que está com 37%, frustrou o Palácio do Planalto. Esperava-se uma recuperação, devido ao pronunciamento que fizera em cadeia de rádio e televisão no Primeiro de Maio, que foi transformado numa espécie de trampolim eleitoral. Na ocasião, Dilma anunciou a correção do Imposto de Renda da Pessoa Física em 4,5% e um aumento da bolsa família em 10%. Essas medidas, na verdade, serviram para evitar o desastre de mais uma queda abrupta na pesquisa, que faria recrudescer o "Volta, Lula!". A agenda do governo, porém, continua negativa: novos escândalos na Petrobras, quebra-quebras nas manifestações populares, greves selvagens em setores essenciais. Como as projeções são de que a inflação chegará a 7,5% em 2015, possivelmente o programa de tevê do PT marcado para o próximo dia 15 também não reverterá esse cenário eleitoral.

A grande novidade no quadro eleitoral foi mesmo o crescimento de 4 pontos percentuais do presidente do PSDB, Aécio Neves, que saltou de 16% para 20% nas pesquisas. O tucano avançou posições na disputa não só porque manteve uma postura mais ofensiva no Congresso, onde atua intensamente a favor da instalação de uma CPI exclusiva para investigar os escândalos da Petrobras, mas também porque conseguiu unificar o PSDB em torno do seu nome. Essa postura facilita a penetração da candidatura no maior colégio eleitoral do país, São Paulo, onde a polarização já existe e é radicalizada. Como se sabe, o crescimento do tucano no chamado Triângulo das Bermudas, que além de São Paulo, inclui Minas e Rio de Janeiro, é o objetivo estratégico da campanha de Aécio para garantir sua presença no segundo turno.

A pesquisa desmentiu declaração de Marina Silva de que a candidatura de Aécio Neves tem cheiro de derrota. Pelo contrário, quem teve crescimento menor foi o ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos (PSB), o terceiro colocado, que registrou 11% de intenções de votos, um ponto percentual a mais, dentro da margem de erro. O resultado, porém, mostra tendência contínua de crescimento: tinha 9% em fevereiro e 10% em abril. Conhecido por apenas 25% dos eleitores, contra 86% de Dilma e 42% de Aécio, o pessebista enfrenta dificuldades de penetração nos grandes colégios eleitorais, onde chega com atraso, além de ser contingenciado por conflitos de sua coalizão, que inclui a Rede, de Marina Silva; o PPS, de Roberto Freire; e o PPL, o antigo MR-8. O maior problema de Campos é que não conseguiu alavancar o Nordeste em torno de seu nome, por causa da defecção que sofreu no Ceará, com a saída do governador Cid Gomes e o irmão dele, Ciro, do PSB para o Pros. Ambos apoiam a reeleição da presidente Dilma.

Discurso da mudança

Dilma ainda não se livrou do "Volta, Lula!", apesar das afirmações em contrário dele mesmo. Essa possibilidade deixou de ser uma conspiração interna do PT para refletir um desejo de 58% dos eleitores em geral e de 75% dos simpatizantes da legenda. com 35% de bom e ótimo, apenas, a aprovação de seu governo Continua sendo um drogue difícil de arrastar; ou seja, se essa avaliação piorar, estará aberto o caminho para a vitória da oposição, pois está muito próxima do piso necessário para garantir sua reeleição. Segundo os marqueteiros, com essa taxa de aprovação, hoje, essa possibilidade já estaria abaixo de 50%. Os números da pesquisa parecem corroborar essa tese. Com 74% dos eleitores desejosos de mudanças na forma como o país é governado, apenas 15% dos quais veem a presidente Dilma como capaz de representar esse anseio. Essa seria a causa de uma eventual recidiva do "Volta, Lula!", pois o ex-presidente conta com 38% de eleitores que o veem como capaz de promover a mudança.

Mudança, pois, é palavra-chave para a oposição, que avança no vácuo deixado por Dilma. Aécio é apontado como o mais preparado para fazer isso por 19% dos eleitores; Campos, por 10%. O discurso da continuidade em relação ao governo Lula — que levou Dilma ao poder em 2010 — , desta vez, pode estar em contradição com o sentimento do eleitor, que deseja a mudança de rumo. Não é à toa que a estratégia adotada por Dilma para neutralizar a oposição é caracterizar a polarização com o PSDB como um retrocesso, mas falta combinar com os beques, como diria o saudoso Mané Garrincha.

quinta-feira, 8 de maio de 2014

A pátria de chuteiras



Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 08/05/2014

Por maiores que sejam os protestos dos insatisfeitos — pesquisa recente mostrou que a maioria da população gostaria que o dinheiro gasto com os estádios fosse destinado a finalidades mais sociais —, prevalecerá a máxima do jornalista Nelson Rodrigues

Ninguém mais tem dúvidas de que haverá Copa de Mundo. Fracassou o movimento de rua que tentou inviabilizar o evento. Nas 12 cidades sedes, o que haverá daqui pra frente serão protestos contra o governo por dar mais prioridade ao evento do que ao que acontece “da porta pra fora da casa” dos brasileiros. A expressão foi adotada pela presidente Dilma Rousseff para explicar o mau humor da maioria da população em relação aos transportes, à saúde, à educação e à segurança. “Da porta pra dentro”, segundo Dilma, vai tudo bem, obrigado, do microondas ao carro novo. Com exceção da inflação, é claro.

Ontem, o técnico Luiz Felipe Scolari, o Felipão, anunciou os 23 convocados para a Seleção Brasileira que nos representará nos jogos. O treinador manteve a base do grupo que conquistou a Copa das Confederações de 2013. O time teve boa aceitação, com exceção de dois nomes, o zagueiro Henrique, ex-jogador do Palmeiras que atualmente joga pelo Napoli, da Itália, uma espécie de “peixe” do Felipão, como diria o deputado Romário (PSB-RJ), e o veterano goleiro Júlio Cesar, que vacilou na última Copa, mas continua sendo ídolo da torcida do Flamengo e goza da confiança do técnico. Somente os atacantes Fred (Fluminense) e Jô (Atlético Mineiro) e os goleiros Jefferson (Botafogo) e Victor (Atlético Mineiro) jogam por aqui. Os demais jogadores brilham nos gramados estrangeiros, do Canadá à Ucrânia.

Para Felipão, o jogo mais importante da Copa do Mundo está marcado para 12 de junho, na abertura dos jogos, contra a Croácia. Será no polêmico Itaquerão, em São Paulo, que está sendo concluído a toque de caixa. A Seleção Brasileira já passou sufoco com os croatas, que são guerreiros e foram derrotados por apenas 1 x 0 na África do Sul. Se o time jogar mal na abertura, estará no sal, sob pressão tremenda da torcida, uma experiência inédita para os atuais jogadores e o próprio técnico. A última vez que o Brasil disputou o título mundial em casa foi naquele fatídico Brasil x Uruguai, na Copa de 1950, no qual perdemos a Copa nos últimos minutos do jogo. Se tudo der certo, veremos a Seleção jogar no novo Maracanã, no dia 13 de junho, para redimir o goleiro Barbosa, seus companheiros e o orgulho nacional.

Por maiores que sejam os protestos dos insatisfeitos — pesquisa recente mostrou que a maioria da população gostaria que o dinheiro gasto com os estádios fosse destinado a finalidades mais sociais —, prevalecerá a máxima do jornalista Nelson Rodrigues: “A Seleção é a pátria de chuteiras”. A segurança para as equipes e os torcedores será pesada e, se for preciso, o Exército tomará conta dos estádios. O que pode estragar a festa são eventuais excessos de manifestantes e/ou dos policiais encarregados de garantir a ordem nas arenas, principalmente, se houver alguma vítima. Mesmo assim, nesses tempos de linchamentos e de banalização da violência, somente uma minoria dará bola para isso, no caso de o Brasil sair do Maracanã com o caneco na mão. Se perder, é outra história…

A estrela de Chinaglia
O plenário da Câmara dos Deputados elegeu ontem o deputado Arlindo Chinaglia (SP) como primeiro-vice-presidente da Casa. Líder do governo, o parlamentar atropelou o deputado fluminense Luiz Sérgio na reunião da bancada do PT que o indicou, com apoio do Palácio do Planalto e da Executiva Nacional da legenda. A votação revelou, porém, uma profunda divisão na bancada, pois o placar foi 44 a 38. Luiz Sérgio representava o grupo de parlamentares do chamado “Volta, Lula”.

O cargo estava vago desde 16 de abril, quando o deputado André Vargas (sem partido-PR) renunciou para se defender das denúncias de envolvimento com o doleiro Alberto Youssef, preso na Operação Lava-Jato da Polícia Federal. Com a eleição, Chinaglia passa a ser forte candidato à Presidência da Casa em 2015, pois há um acordo com o PMDB para que os dois partidos se revezem no comando da Câmara.

quarta-feira, 7 de maio de 2014

Um bordo negativo

Nas Entrelinhas:Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 07052014

 Hoje, na sessão do Congresso, a CPI mista deve ser instalada. O governo não foi capaz de manter coesa a sua base e o PT, contrário à investigação conjunta, acabou isolado 

A presidente Dilma Rousseff tenta avançar contra a corrente como aquele velejador que não tem alternativa a não ser prosseguir no bordo negativo — que o afasta do destino — para se distanciar dos perigos da costa. Desde o fim de semana passado, quando tentou sepultar o “Volta, Lula” no encontro do PT, trabalha uma agenda negativa, que vai da CPI da Petrobras, cuja instalação virou uma novela, aos indicadores de emprego da pesquisa Pnad Contínua, que a cúpula do IBGE havia cancelado e, agora, voltou atrás. Essa agenda inclui ainda números desfavoráveis na saúde pública, apesar do Mais Médicos; problemas no setor elétrico e indicadores econômicos que abalam a credibilidade do governo junto aos investidores; e críticas generalizadas aos preparativos da Copa do Mundo, dentro e fora do país, além das ameaças de recidivas do “Volta, Lula”.
 
Ontem, Dilma se reuniu com os presidentes do Senado, Renan Calheiros (PMDB-RN), e da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), numa tentativa de domar a instalação da CPI Mista da Petrobras, que o governo tentava evitar, restringindo-a ao Senado, no qual a base governista é mais segura. Faltou combinar com o líder da bancada do PMDB, Eduardo Cunha (RJ), que não foi chamado para a reunião e já disse que quer participar das investigações. Por mais que o governo consiga domar a CPI, esse é um jogo no qual se tem sempre mais a perder do que ganhar. Para a oposição, a lengalenga é até boa.
 
Hoje, na sessão do Congresso, a CPI mista deve ser instalada. O governo não foi capaz de manter coesa a sua base e o PT, contrário à investigação conjunta, acabou isolado. O posicionamento de Henrique Eduardo Alves liquidou o assunto: “A Câmara quer participar desde o primeiro momento. É a participação correta, democrática, transparente do Senado e da Câmara. Acho que o senador Renan Calheiros está certo em marcar a sessão do Congresso e pedir que os líderes indiquem os membros”, disse. O presidente da Câmara também descartou a possibilidade de a CPMI investigar outros temas além da Petrobras, como as denúncias de corrupção nas obras do metrô de São Paulo, como querem os governistas. 

Comparações
A estratégia do Palácio do Planalto para sair da defensiva é antecipar a polarização eleitoral e fazer um confronto entre os indicadores econômicos e sociais dos governos Fernando Henrique Cardoso e Luiz Inácio Lula da Silva, procurando mostrar o comando de Dilma Rousseff como continuidade do projeto petista. Essa retórica ajuda a conter o “Volta, Lula” e arma o discurso partidário contra os adversários Aécio Neves (PSDB) e Eduardo Campos (PSB), mas não mexe ainda com a cabeça do eleitor e tem a fragilidade de revelar uma curva decrescente quando os números chegam à gestão atual. 

Foi o que aconteceu na reunião da presidente da República com 20 de seus ministros na segunda-feira, ocasião em que o ministro Marcelo Neri, da Secretaria de Assuntos Estratégicos, fez uma leitura “por dentro” dos indicadores sociais e proclamou que “o resultado para os brasileiros é bem diferente do resultado para os economistas”.
 
Neri, que foi efetivado no cargo, mostrou como positivo um paradoxo: “Nestes 11 anos, a desigualdade cai e continua caindo. A renda média continua subindo”, disse, destacando que a variação da renda teve crescimento médio, segundo ele, de 3,5% desde 2005, ou seja, muito superior ao Produto Interno Bruto. Ocorre que não existe almoço grátis, como a renda sobe mais do que a produção nacional, a inflação se encarrega de corrigir essa defasagem, comendo uma parte dos salários. Outro paradoxo é a relação entre o acesso da população aos bens, que cresceu a uma taxa de 320% nos últimos anos e os serviços, que se expandiram apenas em 48%. Vem daí a insatisfação popular com o transporte público, a saúde, a educação e a segurança.

O general da Copa
O general de Exército Eduardo Dias da Costa Villas Bôas, 62 anos, que estava há dois anos e oito meses no Comando Militar da Amazônia, assumirá na próxima terça-feira o Comando de Operações Terrestres. Sua primeira missão será a segurança da Copa do Mundo. “Temos forças de contingência para atuar em casos de emergência e forças de segurança para pontos estratégicos.”

segunda-feira, 5 de maio de 2014

A encruzilhada


Luiz Carlos Azedo 05/05/2014
Correio Braziliense - Nas Entrelinhas
Estado de Minas - Em Dia Com a Política

Lula volta à retórica da luta de classes como centralidade da disputa política, sua praia desde os tempos do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo. Isso pode até ajudar o PT a se manter no poder, mas por si só não é capaz de resolver os problemas da sociedade

Um dos acontecimentos mais extraordinários do século passado, a I Guerra Mundial (1914-1918), que completará 100 anos em junho, foi uma carnificina monstruosa. Dos 60 milhões de soldados europeus que foram mobilizados, 9 milhões foram mortos, 7 milhões ficaram incapacitados e 15 milhões foram gravemente feridos. A Alemanha perdeu 15,1% de sua população masculina ativa; a Áustria-Hungria, 17,1%; e a França, 10,5%. Foi uma “guerra de posições”, na qual o arame farpado e a metralhadora impediam os avanços da infantaria, mas, em contrapartida, os carros blindados, a aviação e o gás tóxico, usados pela primeira vez, ampliaram o número de baixas nas trincheiras.

Na Rússia, em consequência da revolução bolchevique e da guerra civil que sucedeu sua saída do conflito mundial, a fome matou entre 5 e 10 milhões de pessoas; na Alemanha, 474 mil civis; no Líbano, 100 mil. A movimentação de tropas também ajudou a disseminar a “gripe espanhola”, epidemia que matou 50 milhões de pessoas na década de 1920.

O conflito foi protagonizado pela Tríplice Entente, formada pelo Reino Unido, França e Rússia, de um lado; e a Tríplice Aliança, composta pelo impérios alemão, austro-húngaro e a Itália, de outro. Por causa do colonialismo, ganhou escala global. O assassinato do arquioduque Francisco Fernando da Áustria, herdeiro do trono austro-húngaro, pelo nacionalista iugoslavo Gavrilo Princip, em Sarajevo, na Bosnia, no dia 28 de junho, foi o estopim do conflito: a dinastia dos Habsburgo atacou a Sérvia, que era aliada do Império Russo. Em poucas semanas, as potências européias estavam em guerra.

A insensatez
A I Guerra Mundial dificilmente teria ocorrido, porém, se o Partido Social-Democrata Alemão (SPD) — de base operária e formação marxista, como o eram também o Partido Trabalhista inglês e o Partido Socialista francês — não tivesse aprovado os créditos de guerra e embarcado na onda chauvinista que varreu a Europa após o atentado de Saravejo. A capitulação do SPD aos apelos da guerra interrompeu um experiência política que apostava na democracia e no desenvolvimento econômico para melhorar a vida dos trabalhadores. Ela somente foi retomada pela social-democracia após a derrota do fascismo na II Guerra Mundial, é o chamado “estado de bem-estar social”, que vigora até hoje em muitos países da Europa.

A adesão dos social-democratas alemães e dos trabalhistas ingleses à guerra teve também um grande efeito colateral: levou Lênin e outros líderes bolcheviques que haviam assumido o poder na Rússia a criar a Internacional Comunista, que passou a exercer grande influência mundial, a partir do dogma de que o motor da História é a luta de classes, muito mais do que o desenvolvimento das forças produtivas. Estabeleceu-se ali uma encruzilhada histórica, na qual os comunistas acabaram num beco sem saída, que resultou no colapso da União Soviética, implodida pelo avanço tecnológico do capitalismo. Hoje, a China comunista, a potência emergente, sobrevive porque adotou uma via capitalista de desenvolvimento; cedo ou tarde, porém, terá que fazer um ajuste de contas com os direitos civis e a democracia.

O anacronismo Por tudo isso, salta aos olhos pelo anacronismo a retórica adotada pelo ex-presidente Lula para reagrupar a militância petista em torno da presidente Dilma Rousseff e segurar a onda dos que querem que ele próprio seja o candidato do PT. Para o líder petista, a origem de críticas a ele, ao PT e ao governo Dilma seria “o preconceito arraigado na mente de uma elite que não muda”, em vez dos questionamentos à corrupção ou à eficácia do governo. “Eles que não gostam de nós, que têm preconceito contra o PT, que não gostam de mim, é por causa disso. Não é pelas coisas erradas que nós fazemos, é pelas coisas certas. Porque o Prouni e o Fies (programas de incentivo ao ensino superior) permitem que a filha da empregada doméstica possa ser médica, que o filho do pedreiro possa ser engenheiro, que o filho do jardineiro possa ser advogado.”

Lula volta à retórica da luta de classes como centralidade da disputa política, sua praia desde os tempos do Sindicato dos Metalúrgicos de São Bernardo. Isso pode até ajudar o PT a se manter no poder, mas por si só não é capaz de resolver os problemas da sociedade, como nos mostra a História. As dificuldades eleitorais da presidente Dilma Rousseff resultam em grande parte do fracasso de sua estratégia de desenvolvimento, que não surtiu o efeito desejado, tanto em relação ao controle da inflação, que tunga parte dos salários dos trabalhadores, quanto aos problemas de produção de petróleo, energia elétrica, construção de rodovias, modernização de transportes coletivos e do sistema portuário. Sem falar na estagnação da indústria nacional de bens de consumo e de máquinas e equipamentos, cujo peso na economia, hoje, é proporcional ao da década de 1950.

sexta-feira, 2 de maio de 2014

Trabalhar pra quê?

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 02/05/2014

O governo tapa o sol com peneira ao fugir de um diagnóstico sobre o que acontece com 62 milhões de brasileiros em idade de trabalhar que não procuram emprego. Um cruzamento com dados do Ipea mostraria que, entre eles, estão cerca de 10 milhões de jovens "nem-nem"

Detonada pelo Palácio do Planalto, que mandou suspendê-la depois de um questionamento da senadora Gleisi Hoffmann (PT-PR), ex-ministra-chefe da Casa Civil, da tribuna do Senado, a pesquisa ampliada do IBGE sobre o mercado de trabalho (Pnad Contínua) mostra uma realidade que ainda vai dar muito o que falar e influenciará os resultados da campanha eleitoral: temos um exército de 62 milhões de brasileiros em idade de trabalhar — ou seja, 39% da chamada população economicamente ativa — que desistiram de procurar emprego. Quem são, por que não procuram um posto de trabalho? São perguntas que passaram o Primeiro de Maio, Dia do Trabalhador, sem a devida resposta.

O Brasil tem 92 milhões de trabalhadores, com nível de ocupação da ordem de 57% da população em idade de trabalhar. Oficialmente, os desempregados no Brasil pós-Lula são apenas 4% dessas pessoas, isto é, 6% dos que procuram emprego. Pelas estatísticas do Ministério do Trabalho, o desemprego no Brasil é menor do que o da maioria dos países europeus. No entanto, Coreia do Sul (3,9%), Japão (3,6%), Noruega (3,5%) e Suíça (3,2%) desmentem a tese de que temos a menor taxa de desemprego do mundo, como propaga o marketing oficial.

Esse é um dos mitos da era pós-Lula que a pesquisa ampliada do IBGE derrubaria. A tese do pleno emprego se ampara em dados de apenas seis regiões metropolitanas, que mostram desemprego na casa dos 5%. A Pnad Contínua mostra taxa mais alta, de 7,1% na média de 2013, e, sobretudo, desigualdades regionais: no Nordeste, o desemprego médio do ano ficou em 9,5%. Nossa taxa real de desemprego estaria acima à dos Estados Unidos, que foi de 6,7% em março. A pesquisa ampliada permitiria comparações com taxas apuradas no passado por amostras de domicílios. Números do Ipea mostram que o desemprego atual é semelhante, por exemplo, ao medido na primeira metade nos anos 1990.

O governo tapa o sol com peneira ao fugir de um diagnóstico sobre o que acontece com 62 milhões de brasileiros em idade de trabalhar que não procuram emprego. Um cruzamento com dados do Ipea sobre a juventude mostraria que entre são cerca de 10 milhões os jovens nem-nem, com menos 30 anos, que também não estudam, ou sejam, que tendem a permanecer fora do mercado de trabalho para o resto da vida. Nesses milhões de não empregados, digamos assim, certamente há deficientes físicos que não encontram colocação, negros que são discriminados, mulheres que se dedicam apenas ao lar, pessoas acomodadas pelo Bolsa Família, encarcerados nos presídios, concurseiros em busca de um cargo público etc. Quantos são eles? Aparentemente, o governo não quer saber ou, pior, não quer revelar. Com certeza, porém, a resposta não está no velho samba de quadra do falecido Enildo Barbudinho, famoso radialista e sambista de Niterói, cujo nome intitula a coluna e fala do malandro que prefere ganhar a vida com o baralho.

Primeiro de Maio
O ato da Força Sindical em comemoração pelo Dia do Trabalho ontem em São Paulo virou um meeting da oposição. Secretário-geral da Presidência, o ministro Gilberto Carvalho foi vaiado, embora seja um velho conhecido dos sindicalistas. Recebeu apupos ao falar das medidas anunciadas pela presidente Dilma Rousseff na quarta feira, em cadeia nacional de rádio e televisão, ou seja, o aumento de 10% no valor do Bolsa Família e a atualização da tabela do Imposto de Renda da Pessoa Física.

As estrelas do evento foram o senador Aécio Neves (PSDB-MG) e o ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos (PSB), que desceram o pau na atual política econômica e foram muito aplaudidos, uma cena inusitada para os trabalhadores paulistas. O presidente licenciado da central sindical, o deputado federal Paulinho da Força, que preside o Solidariedade, exagerou nas críticas à presidente Dilma Rousseff: chegou a pedir ao público que mandasse uma banana para a presidente.