sexta-feira, 28 de fevereiro de 2014

Quadrilha, não!



Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 28/02/2014

Nove entre 10 advogados apostam que a conde nação por lavagem de dinheiro também será reformada com a nova composição do STF

Na maior reviravolta jurídica de sua história, às vésperas do carnaval, o Supremo Tribunal Federal (STF) reformou ontem a condenação de oito réus da Ação Penal 470, o chamado processo do mensalão, absolvendo-os do crime de formação de quadrilha por 6 votos a 5. A virada deu-se graças ao julgamento dos recursos infringentes — que garantem um segundo julgamento quando há pelo menos quatro votos contra a condenação — e à nova composição da Corte. Dois ministros nomeados pela presidente Dilma Rousseff após o primeiro julgamento, Teori Zavascki e Luís Roberto Barroso, votaram pela absolvição. Os antecessores, os ministros Ayres Britro e Cezar Peluso, foram protagonistas da condenação.

Foi uma grande vitória política do PT. Os dirigentes do partido condenados por peculato e corrupção ativa e passiva, penas que não foram reformadas, nunca reconheceram esses crimes, muito menos admitiram a acusação de formação de quadrilha. A decisão diminui as penas e mantém o regime semiaberto para o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu e o ex-tesoureiro do PT Delúbio Soares, cujas condenações já transitadas em julgado somam menos de oito anos de prisão. Também foi descartada a imputação de crime de quadrilha ao publicitário Marcos Valério e aos ex-sócios Cristiano Paz e Ramon Hollerbach, além dos ex-dirigentes do Banco Rural Kátia Rabello e José Roberto Salgado. Todos, porém, continuam em regime fechado. O ex-presidente do PT José Genoino j á havia sido condenado ao regime semiaberto, mas foi beneficiado com redução de pena.

Prevaleceu a tese de que os envolvidos não se reuniram para a prática de crime — condição para que a formação de quadrilha fosse caracterizada. A tese fora defendida pela ministra Rosa Weber no julgamento anterior, quando teve o apoio dos ministros Cármen Lúcia, Dias Toffoli e Ricardo Lewandowski. As novidades foram a tese da prescrição do crime de formação de quadrilha, defendida com vasta argumentação por Teori Zavascki, e a sustentação, pelo ministro Luís Roberto Barroso, de que o julgamento anterior fora político, o que provocou bate-boca entre ele e o presidente do STF, ministro Joaquim Barbosa, na sessão de quarta-feira. 

Os ministros Luiz Fux, relator dos embargos, Gilmar Mendes, Marco Aurélio Mello e Celso de Mello votaram pela condenação dos réus. Todos foram veementes na defesa do julgamento anterior. Mas o maior desabafo, como já era esperado, foi o de Barbosa, ao proclamar o resultado do julgamento: “Temos uma maioria formada sob medida para lançar por terra o trabalho primoroso levado a cabo por esta Corte no segundo semestre de 2012 (…) Inventou-se um recurso regimental totalmente à margem da lei com o objetivo específico de anular e reduzir a nada um trabalho que fora feito. Sinto-me autorizado a alertar a nação brasileira de que esse é apenas o primeiro passo. É uma maioria de circunstância que tem todo tempo a seu favor para continuar sua sanha reformadora”, afirmou.

Lavagem

Ainda está na pauta do STF a análise de embargos infringentes que questionam a condenação por lavagem de dinheiro do ex-deputado João Paulo Cunha (PT-SP), do ex-assessor do PP João Cláudio Genu e de Breno Fishberg, ex-sócio da corretora Bônus Banval — que, segundo o Ministério Público Federal, foi usada para a prática de lavagem. O julgamento foi interrompido ontem, após a sustentação oral da defesa dos réus. A decisão de ontem fez crescer as apostas de que também serão absolvidos. O julgamento dos embargos será retomado na semana após o carnaval. Ex-presidente da Câmara, João Paulo Cunha foi o mais duro desafiante de Barbosa após a condenação e relutou muito até renunciar ao mandato de deputado federal. Nove entre 10 advogados apostam que a condenação por lavagem de dinheiro também será reformada com a nova composição do STF.

Azebudsman

O presidente da Câmara, deputado Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), telefonou para desmentir a informação de que estaria apoiando o movimento “Volta, Lula!”, publicada na coluna de quarta-feira. Disse que está com a chapa Dilma Rousseff-Michel Temer e não abre. Fica o registro. Como se sabe, a insatisfação da bancada do PMDB na Câmara com a presidente Dilma é grande.

quarta-feira, 26 de fevereiro de 2014

Quem tem medo de chave de galão?

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 26/02/2014

O presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), já não esconde de seus pares o seu apoio à tese do “Volta, Lula” e tenta convencer o vice-presidente Michel Temer de que essa seria a melhor solução para todos. 

Impossível não voltar ao tema das relações do Palácio do Planalto com o Congresso nesta quarta-feira, às vésperas do carnaval, quando normalmente tanto a Câmara quanto o Senado já estariam esquentando os tamborins. Ontem, o esporte favorito nos salões, corredores e cafezinhos nas duas Casas era falar mal da presidente Dilma Rousseff e do novo ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante, que tentara enquadrar os deputados da base aliada na segunda-feira à noite com uma chave de galão. Deu errado. O que seria um freio de arrumação levou lenha para o fogo que aquece o “Volta, Lula!” e para retaliações da própria base.

Mercadante brandiu as pesquisas de opinião que apontam o favoritismo de Dilma Rousseff nas eleições de 2014 para dizer que o governo não vai aumentar o número de ministérios destinados aos aliados e que eles precisam se entender entre si, para acomodar a situação. “Nem o Lula tinha em fevereiro nas duas eleições que venceu e nem a própria Dilma tinha em 2010?”, jactou-se. Também rebateu os argumentos de que os aliados estariam com dificuldades para se eleger: “Quem tem problemas para se reeleger são os deputados do DEM e do PPS. Vocês podem tirar fotos com a Dilma e irem para a campanha”. A reação às declarações foi a pior possível: consolidou-se o blocão de sete partidos comandado pelo líder do PMDB, deputado Eduardo Cunha (RJ), que proclamou independência : “Não somos nem contra nem a favor do governo, vamos defender as prerrogativas da Câmara”.

Para provar que não estava blefando, Cunha anunciou ontem o apoio do blocão à criação de uma comissão externa proposta pela oposição para investigar o escândalo que envolve o pagamento de propina a funcionários da Petrobras por uma empresa holandesa. O jornal De Telegraaf, na semana passada, acusou a multinacional de origem holandesa SBM Offshore de ter pago propina a servidores de estatais petrolíferas internacionais na ordem de US$ 250 milhões, dos quais cerca de US$ 140 milhões para funcionários da Petrobras. O PT só conseguiu o apoio do PCdoB, do PRB e do PV para se opor à criação da comissão externa e entrou em obstrução.

Cunha é considerado o pior adversário do Palácio do Planalto na Câmara pela presidente Dilma Rousseff. Sua capacidade de criar problemas é maior do que a da oposição na Casa. Mas é um equívoco avaliar que está sozinho na empreitada. O presidente da Câmara, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN), já não esconde de seus pares o seu apoio à tese do “Volta, Lula” e tenta convencer o vice-presidente Michel Temer de que essa seria a melhor solução para todos. Segundo disse a um parlamentar da bancada de seu partido, caberia ao PMDB “pôr o guizo no pescoço do gato”, uma vez que os petistas que conspiram contra a presidente Dilma têm dificuldades para isso.

Na cúpula do PMDB, os problemas com Dilma Rousseff se estendem ao Senado, por causa da forma como a presidente da República lida com as reivindicações da bancada. O ex-líder do governo Romero Jucá (PMDB-RR), governista por vocação, já não esconde as frustrações. Mas não é o único governista empedernido decepcionado. Recentemente, em conversa com o vice-presidente Michel Temer e o presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), Dilma foi informada de que o senador Eunício de Oliveira (PMDB-RN) não pretende abrir mão da candidatura a governador do Ceará em troca do Ministério da Integração Nacional. Dilma explodiu: “Quem esse #&%@ pensa que é!” Renan respondeu secamente: “Ele é o líder do PMDB no Senado”. É claro que o senador cearense ficou sabendo do ocorrido. 

Racismo

A Justiça do Rio decidiu pela liberdade provisória do ator Vinicius Romão, depois de permanecer 15 dias preso, por engano, acusado de ter assaltado uma mulher. A decisão foi tomada pela 33ª Vara Criminal após o delegado Niandro Lima, titular da 25ª DP (Engenho Novo), ouvir da vítima do roubo, a copeira Dalva Moreira da Costa, que havia se enganado no reconhecimento do ator como suposto ladrão. “Foi uma ação violenta e ela pode ter se confundido”, explicou Niandro. Dalva disse que pensou em ir à polícia no dia seguinte para retirar a queixa, mas não tinha dinheiro para passagem. O absurdo da situação é que o ator só foi solto depois da reação dos parentes do jovem e ativistas dos movimentos negro e de defesa dos direitos humanos. A polícia não tomou a iniciativa de reinquirir a vítima e investigar melhor o fato, embora o ator alegasse inocência e não houvesse nenhuma prova de que cometera o crime.

segunda-feira, 24 de fevereiro de 2014

A conspiração de Lula

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 24/02/2014

 É dura a vida de Dilma como candidata à reeleição. Mesmo tendo a vantagem estratégica — em relação aos adversários Aécio Neves (PSDB) e Eduardo Campos (PSB) — de fazer pré-campanha no exercício do cargo de presidente
 
 
A relação entre os dois anda cada vez mais tensa. Lula concorda com a tese de que as intervenções excessivas do governo nas relações com o mercado deterioraram o ambiente econômico e afugentaram os investidores. No ano passado, havia sugerido que Dilma mudasse a equipe econômica, substituindo o ministro da Fazenda, Guido Mantega, pelo ex-presidente do Banco Central Henrique Meirelles. A presidente da República ficou de pensar no assunto e depois disse não, preferiu manter o atual ministro da Fazenda no cargo.
 
A atual política econômica foi concebida por Dilma, Mantega e pelo ministro da Casa Civil, Aloizio Mercadante; com Meirelles na Fazenda, novamente seria “blindada” pelo mercado, com o ex-presidente Lula de avalista. Desde o “não” de Dilma, porém, o ambiente econômico piorou e a conspiração entre grandes empresários a favor do “Volta, Lula!” não parou de crescer. A adesão dos petistas à tese já é majoritária, com exceção dos que estão no governo. O ex-presidente da República, porém, na semana passada, resolver puxar o freio de mão e evitar novas reuniões com empresários. Dilma é refém de Lula. O ex-presidente se comprometeu a apoiá-la, mas, se houver risco de perder a eleição, tudo muda.
 
 A propósito, as pesquisas de opinião do fim de semana deram certo fôlego a Dilma Rousseff: mantiveram seu favoritismo nas eleições deste ano. Entretanto, não garantem uma vitória no primeiro turno. As avaliações do governo e de seu desempenho estão estagnadas. Nada garante que a situação do país vá melhorar daqui até as eleições. Analistas avaliam que a projeção de 2% de crescimento do PIB para 2014 é considerada otimista e sujeita a chuvas e trovoadas, principalmente por causa da alta dos juros, da redução dos financiamentos do BNDES, dos cortes no Orçamento da União e da crise na Argentina. Além disso, o desgaste do governo por causa da Copa do Mundo é maior do que se imaginava. Virou mais uma incógnita do ponto de vista eleitoral. 
 
É dura a vida de Dilma como candidata à reeleição. Mesmo tendo a vantagem estratégica — em relação aos adversários Aécio Neves (PSDB) e Eduardo Campos (PSB) — de fazer pré-campanha no exercício do cargo de presidente, com a agenda de viagens aos estados turbinada e a própria imagem anabolizada por maciça propaganda oficial. 
 
Uma reforma encruada

A reforma ministerial continua encruada. Até agora só avançou para os lados do PT, ou melhor, para os lados do ministro-chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, que foi guindado ao cargo e ainda controla os dois ministérios que ocupou anteriormente, Ciência e Tecnologia e Educação (para os quais indicou técnicos de sua confiança, os ministros Marco Antônio Raupp e José Henrique Paim, respectivamente). A reforma ministerial empacou devido à resistência do PMDB, que deseja mais participação no governo e cobra apoio eleitoral do PT nos estados, principalmente no Rio de Janeiro e no Ceará, o que não deve acontecer.
 
O vice-presidente Michel Temer deve ter uma conversa com Mercadante e a ministra das Relações Institucionais, Ideli Salvatti, no Palácio do Jaburu, ainda hoje. Aliado leal da presidente Dilma, está se enfraquecendo com os demais caciques do PMDB por causa da reforma. A conversa é preparatória do seu encontro com Dilma amanhã, para fechar o acordo de participação no governo. Os ministros Edison Lobão (MA), de Minas e Energia, e Garibaldi Alves (RN), da Previdência, ambos senadores, e Moreira Franco, da Secretaria de Aviação Civil, pretendem ficar onde estão. Os problemas são Agricultura e Turismo, cujos titulares, os deputados Antônio Andrade (MG) e Gastão Vieira (MA), estão voltando para a Câmara. O Ministério da Integração Nacional foi pleiteado pela legenda para fortalecer suas posições no Nordeste. 
 
A aposta de Dilma com o PMDB é alta. Acredita que convencerá o líder da legenda no Senado, Eunício de Oliveira (CE), a aceitar o cargo de ministro da Integração Nacional em troca da retirada de sua candidatura ao governo do Ceará. Essa seria única forma de entregar a pasta ao PMDB e não ao governador Cid Gomes (Pros) e seu irmão Ciro (Pros), como foi prometido. Até agora, Eunício não deu sinais de que vai jogar a toalha. Caso volte atrás, será mais fácil resolver o problema da bancada do PMDB na Câmara, que articula um “blocão” independente com outros aliados descontentes para pressionar o Palácio do Planalto. 
 
As pastas da Agricultura e do Turismo seriam suficientes para neutralizar a rebeldia do líder do PMDB na Câmara, Eduardo Cunha (RJ), junto da maioria da bancada. A relação Palácio do Planalto com a bancada peemedebista do Rio de Janeiro, porém, já é leite derramado, por causa da consolidação da candidatura do senador Lindbergh Faria (PT-RJ) ao Palácio Guanabara, contra Luiz Fernando Pezão (PMDB), o candidato do governador Sérgio Cabral (PMDB).
 
“É dura a vida de Dilma como candidata à reeleição. Mesmo tendo a vantagem estratégica — em relação aos adversários Aécio Neves (PSDB) e Eduardo Campos (PSB) — de fazer pré-campanha no exercício do cargo” Tentativa de reverter derrota milionária

sexta-feira, 21 de fevereiro de 2014

Companheiros de viagem

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
 Correio Braziliense - 21/02/2014
 Os caciques do PMDB não vão subordinar seus próprios interesses eleitorais aos do PT nos estados em troca de ministérios
O companheiro de viagem (Editora Cosac Naify), livro do húngaro Gyula Krúdi, um dos mais populares de seu país, cunhou uma expressão muito usada pela esquerda para justificar alianças estranhas ou incômodas. Escrito em 1918, em meio ao baixo astral que se seguiu à Primeira Guerra Mundial e ao colapso do Império Austro-Húngaro, o romance narra a conversa entre dois passageiros de um trem, entremeada por divagações sobre o passado e incidentes de percurso. A expressão “companheiro de viagem” define o tipo de relação que a presidente Dilma Rousseff mantém com o PMDB e outros aliados.

Não deixa de ser uma certa ingenuidade, porém, tratar o PMDB como mero companheiro de viagem. Essa não é uma aliança da qual a presidente Dilma possa abrir mão, a esta altura do campeonato, sem pôr em risco a própria candidatura à reeleição. O maior partido do país, ao contrário do PT, que surgiu dos movimentos sociais, construiu sua trajetória a partir do Congresso, onde está encastelado. Sua estratégia eleitoral é focada no poder local e na preservação do comando do Senado e da Câmara. A ocupação dos espaços na Esplanada dos Ministérios é consequência dessa estratégia, não é o seu objetivo central nas eleições. Ou seja, os caciques do PMDB não vão subordinar seus próprios interesses eleitorais aos do PT nos estados em troca de ministérios.

O melhor exemplo de como isso se passa vem do Ceará, onde o senador Eunício de Oliveira (PMDB) pleiteia o apoio do PT à sua candidatura a governador e não aceita abrir mão da candidatura à sucessão de Cid Gomes (Pros) para ser ministro da Integração Nacional, um dos cargos mais cobiçados pelos políticos nordestinos. Líder do PMDB no Senado, Eunício é tratado como companheiro de viagem. Era um aliado tão bom que chegou a ministro das Comunicações do governo Lula, mas não serve para ser governador do Ceará, onde o PT prioriza a aliança com os irmãos Cid e Ciro Gomes.

Outro companheiro de viagem é o governador do Rio de Janeiro, Sérgio Cabral (PMDB), principal esteio da eleição de Dilma Rousseff no estado em 2010. Seu candidato à sucessão é o vice-governador Luiz Fernando Pezão, que sempre teve boa relação com o Palácio do Planalto. O PT tem um candidato competitivo ao governo fluminense, o senador Lindberg Faria (PT), e dele não pretende abrir mão, enquanto a dupla Cabral e Pezão está em apuros eleitorais. O embate do líder do PMDB na Câmara, Eduardo Cunha (RJ), com a presidente Dilma Rousseff tem esse por pano de fundo. Caso fosse apenas uma frustração devido à ocupação de um ministério, certamente Cunha já teria sido isolado.

Eduardo e Marina
Esse tipo de relação, porém, não é um privilégio da coalizão governista. Também ocorre entre o PSB do governador de Pernambuco, Eduardo Campos, e a Rede, de Marina Silva. A aliança entre os dois não foi um ponto de chegada, é apenas um ponto de partida. A ex-senadora era a candidata de oposição com mais densidade eleitoral, mas rompeu com o PV — pelo qual disputou as eleições passadas e teve 19 milhões de votos — e resolveu fundar o seu próprio partido. Como não conseguiu registrá-lo em tempo hábil, ficou sem legenda. Entre se filiar a outro partido para ser candidata ou apoiar um dos candidatos de oposição, preferiu se aliar ao governador Eduardo Campos, que foi seu colega de Esplanada no governo Lula.

Marina Silva não desistiu de ter o seu próprio partido, nem de ser presidente da República. A Rede trata Eduardo Campos como companheiro de viagem e faz exigências para Marina compor a sua chapa como vice. Uma delas é acabar com a reeleição; outra, indicar os candidatos a governador onde tem aliados ligados à Rede. São os casos de Miro Teixeira (Pros) no Rio de Janeiro; José Antônio Reguffe (PDT), em Brasília; e Ricardo Young (PPS), em São Paulo.

Aécio e Agripino
Podemos comparar a aliança do PSDB com o DEM a uma viagem pela Transiberiana, com seus 9,2 mil quilômetros de Moscou a Vladivostok. A aliança começou no governo Itamar Franco, tecida pelo então ministro da Fazenda, Fernando Henrique Cardoso (PSDB), e pelo falecido deputado Luiz Eduardo Magalhães, filho do então governador da Bahia, Antônio Carlos Magalhães, ambos do antigo PFL. Agora, anda meio congelada por causa do enfraquecimento do DEM e de algumas disputas regionais. Na terça-feira, o senador Aécio Neves, pré-candidato do PSDB à Presidência da República, teve uma conversa com o presidente da legenda, senador José Agripino Maia (RN). A razão do gelo entre as duas agremiações são o vice de Aécio e o apoio aos candidatos do DEM nos estados. O ex-prefeito César Maia, no Rio de Janeiro; e o deputado Ronaldo Caiado, em Goiás, não querem ser apenas companheiros de viagem.

quarta-feira, 19 de fevereiro de 2014

Los hermanos em apuros

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 19/02/2014
De caráter mais ideológico do que pragmático, a aliança do Palácio do Planalto com o peronismo e o bolivarianismo cobra o seu preço, num momento em que Estados Unidos, União Europeia e Japão dão sinais de que estão iniciando um novo ciclo de expansão.

Agravam-se as crises da Argentina e da Venezuela, os dois parceiros estratégicos do Brasil na América do Sul, que arrastam ladeira abaixo o Mercosul. Enquanto isso, Chile, Peru e mesmo a Colômbia, que está em guerra há décadas contra os guerrilheiros das Farc, nadam de braçada na Aliança do Pacífico, o pacto comercial com o México. O cenário pôs em xeque a política externa brasileira para o continente e deixa o Itamaraty à beira de um ataque de nervos. O ponto alto da nossa diplomacia nas Américas, hoje, é a cooperação com Cuba, que manda milhares de médicos para o Brasil em troca de investimentos em infraestrutura, como a construção do formidável Porto de Muriel, nos arredores de Havana.

Dona de 35% do PIB latino-americano, a Aliança do Pacífico consagra o que seria uma alternativa pró-mercado do continente e desperta interesse dos investidores. Seus países crescem de duas a três vezes mais do que o Brasil. Em contrapartida, o Mercosul vive o seu pior momento, sem consenso para fechar um acordo comercial com a União Europeia ou mesmo facilitar a vida do comércio entre os seus países membros. De caráter mais ideológico do que pragmático, a aliança do Palácio do Planalto com o peronismo e o bolivarianismo cobra o seu preço, num momento em que Estados Unidos, União Europeia e Japão dão sinais de que estão iniciando um novo ciclo de expansão.

Enquanto a Aliança do Pacífico acaba de firmar acordo que elimina as tarifas de 90% dos produtos comercializados entre os países do grupo, o Itamaraty não consegue sequer chegar a um acordo com a Argentina, que cria cada vez mais dificuldades para empresas e produtos brasileiros. A estratégia do Brasil foi mais ou menos como a deriva do comandante Garcez, aquele piloto que se perdeu e aterrissou no meio da Floresta Amazônica: quanto mais demorar para perceber que tomou o rumo errado, mais distante ficará do seu objetivo e sem combustível para a volta.

O pior, porém, está por vir. A presidente Cristina Kirchner, da Argentina, enfrenta um quadro de deterioração crescente da economia e não tem condições de sair do labirinto político em que se meteu. Na Venezuela, a crise política ameaça levar de roldão o presidente Nicolás Maduro, em meio ao colapso do seu modelo econômico. A tendência do governo brasileiro é corroborar a velha retórica nacionalista de seus parceiros políticos, embora isso nada acrescente no sentido de propor saídas aos problemas reais que eles enfrentam. Na verdade, a presidente Dilma Rousseff não tem protagonismo político na região para construir soluções positivas. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva até tinha, mas foi — e continua sendo — o principal artífice dessa enrascada em que a política externa brasileira se encontra.

Patinação na Esplanada
 
A presidente Dilma Rousseff anda patinando desde o início da reforma ministerial, num momento em que deveria pisar no acelerador. Resultado: recebeu aprovação de 36,4% dos entrevistados na pesquisa divulgada ontem pela Confederação Nacional dos Transportes (CNT). O índice é menor do que o registrado em novembro de 2013, quando teve avaliação positiva de 39% da população. O desempenho pessoal da presidenta é aprovado por 55% dos entrevistados. O índice de desaprovação, porém, já chega a 41%.

Honorários de sucumbência
 
O presidente da OAB nacional, Marcus Vinícius Furtado Coelho, comemorou a aprovação pela Câmara dos Deputados da inclusão da destinação dos honorários de sucumbência aos advogados públicos no Novo Código de Processo Civil. A emenda, incluída no texto aprovado pelo relator, deputado Paulo Teixeira (PT-SP), foi aprovada por 206 votos a 159. Espera-se que a medida reduza os índices de causas perdidas pelo governo na Justiça.

segunda-feira, 17 de fevereiro de 2014

A Copa da política



Nas entrelinhas:  Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 17/02/2014

A Copa não é um consenso nacional, principalmente para uma parcela radicalizada da oposição

A Copa Mundo no Brasil é um grande ponto de interrogação, sob todos os aspectos. O que antes era uma polêmica entre o comitê organizador e o governo brasileiro, envolvendo o atraso nas obras dos estádios e as condições de recepção dos torcedores estrangeiros, principalmente, deixou de ser assunto das reuniões preparatórias e virou pauta obrigatória da mídia internacional. Nesse quesito, estamos perdendo de goleada. Mas o mais preocupante, sem dúvida, é a questão da segurança dos jogos. Conforme revelou o Correio de domingo, em reportagem de João Valadares e Grasielle Castro, os Centros Integrados de Comando e Controle (CICCs), que terão 13 unidades, também estão com as instalações atrasadas. Ou seja, nosso aparato de inteligência para garantir a realização dos jogos também deixa muito a desejar.

Há, em torno do sucesso dos jogos, uma disputa política surda entre o governo e a oposição. Em tese, todos são a favor da Copa do Mundo e da vitória da Seleção Brasileira nos jogos. O ideal, no imaginário coletivo, seria uma final no Maracanã com a seleção do Uruguai, na qual a vitória seria nossa, vingando a frustração de 1950, causada por aquele gol de Ghiggia aos 34 minutos do segundo tempo: 2 x 1 para os uruguaios, que ganharam de virada. Como os brasileiros gostam mais de futebol do que de política, uma vitória espetacular na Copa seria um presente dos deuses para a presidente Dilma Rousseff, na expectativa do Palácio do Planalto. É óbvio que os candidatos de oposição também torcem pelo Brasil na Copa, mas, cá entre nós, se o Brasil perder, a conta vai para o governo, que trocou prioridades como educação, saúde e infraestrutura pelas arenas do futebol.

A questão, porém, não é meramente futebolística, como diria Odorico Paraguaçu, aquele personagem impagável de Dias Gomes na novela O bem amado, uma contribuição da TV Globo à crítica de nossos péssimos costumes políticos (mesmo que os desafetos da emissora não queiram reconhecer). A realização da Copa no Brasil não é um consenso nacional, principalmente para uma parcela da juventude sem acesso aos estádios, que resolveu ir às ruas contestar a realização do torneio desde o ano passado, durante a Copa das Confederações. É bom lembrar que as mobilizações de junho, no Rio de Janeiro, ganharam força por causa da violenta repressão aos protestos. Na final da Copa das Confederações, nos arredores do Maracanã, a polícia encurralou os manifestantes na Quinta da Boa Vista e desceu o sarrafo sem dó. O corretivo funcionou pelo avesso, diria Odorico. Deu origem a grandes manifestações país afora e, supostamente, legitimou a atuação violenta dos black blocs.

Escalada da violência

Desde então, vem se criando um caldo de cultura para a violência recíproca entre policiais e manifestantes, cujo desfecho ocorreu na semana passada: a morte do cinegrafista Santiago Andrade, atingido na cabeça por um rojão. Os dois jovens que provocaram a tragédia estão presos. No Rio, essa é a verdade desde o ano passado: parte da oposição ao governador Sérgio Cabral (PMDB) flerta com a violência nas manifestações, para dizer o mínimo, mas perdeu o controle da situação. Partidos políticos tradicionais não são bem-vindos nos protestos; somente os radicais, como PSol, PSTU e PCB, assim mesmo, como meros coadjuvantes. É aí que a porca torce o rabo: para atrair a simpatia dos jovens que protestam, artistas, intelectuais, dirigentes partidários, parlamentares e ideólogos de esquerda, nas redes sociais e em outros meios de comunicação, começam a denunciar uma suposta "escalada fascista do Estado" na repressão aos manifestantes e que, por isso, argumentam, seriam legítimos os protestos violentos.

Esse discurso, de certa forma, é corroborado por explosões espontâneas de insatisfação popular, com incêndios de ônibus e  depredação de estações de passageiros, reprimidos violentamente pela polícia. Resultado: tornamo-nos um país violento aos olhos do mundo não por causa da criminalidade, mas porque a nossa luta política começa a adquirir essa preocupante característica. A virulência do governo contra a oposição, diga-se de passagem, também ajuda a criar essa atmosfera de radicalização política no país. Isso é perigoso, porque abre espaço para a infiltração de grupos terroristas de verdade, como a Al Qaeda, uma vez que muitos países em guerra no Afeganistão, como Estados Unidos, Itália, Espanha, França, Inglaterra e Canadá, estarão na Copa.

É aí que entram em cena as iniciativas no sentido de endurecer a legislação repressiva e restringir os direitos e as garantias individuais como uma suposta maneira de conter a violência e garantir a segurança dos jogos. Ao lado do dever de casa em matéria de inteligência e organização dos serviços de segurança para a Copa, talvez esteja na hora de fazer o contrário: promover um forte debate sobre os direitos e as garantias individuais e a necessidade de combater a violência política, venha de onde vier. Como dizia Hannah Arendt, em A condição humana (Forense Universitária), "a ação e o discurso são os modos pelos quais os seres humanos se manifestam uns aos outros, não como meros objetos físicos, mas como homens". Privá-los desse direito é a raiz do autoritarismo, em qualquer país do mundo.

sexta-feira, 14 de fevereiro de 2014

O abraço da sucuri

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 14/02/2014
 
A forma como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva faz campanha para a reeleição da presidente Dilma Rousseff pode ser comparada a um abraço de sucuri. Quanto mais se envolve na campanha de reeleição, mais se fortalece o "Volta, Lula!"


Na mitologia dos índios Kaxinawá, um homem chamado Yube se apaixonou por uma cobra, virou uma sucuri e passou a viver com ela no fundo do rio. Nesse mundo das águas, descobriu uma bebida alucinógena com poderes curativos e espirituais, capaz também de ampliar seus conhecimentos. Um dia, sem avisar à esposa, Yube decide voltar à terra dos homens e retomar à antiga forma humana. O mito explica também a origem do cipó ou ayahuasca — bebida alucinógena tomada em rituais pelos Kaxinawá. No mundo real, a sucuri é a maior serpente do mundo e pode viver até 30 anos. Na Amazônia, caboclos e índios contam histórias exageradas sobre ataques dessas cobras, que engolem animais de grande porte e podem comer uma pessoa depois de esmagá-la. A maior sucuri de que se tem registro por fonte confiável media 11 metros e 65 centímetros e foi encontrada pelo marechal Cândido Rondon, no início do século 20.

A forma como o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva faz campanha para a reeleição da presidente Dilma Rousseff pode ser comparada a um abraço de sucuri. Quanto mais se envolve na campanha de reeleição, mais se fortalece o "Volta, Lula" nos meios empresariais e políticos. É comum, entre os petistas, a comparação entre a situação que Dilma herdou ao ser eleita (o Brasil cresceu 7,5% em 2010) e a conjuntura atual, muito diferente, marcada por incertezas e pessimismo.

Nessas conversas, a avaliação que se faz é que o governo Dilma é descontinuidade, quase de ruptura com o governo Lula, no pior sentido possível. Com exceção dos programas Bolsa Família, Minha Casa, Minha Vida e Mais Médicos, bandeiras de campanha do PT, tudo é criticado. A relação com as bancadas petistas na Câmara e no Senado continua deteriorada, apesar da mudança ocorrida na Casa Civil, a cargo do ministro Aloizio Mercadante. Com os aliados, principalmente do PMDB, nem se fala. É grande a saudade.

Estados e municípios

O problema maior de Dilma Rousseff, porém, é com o empresariado. A equipe econômica do governo vive uma crise de credibilidade. O cenário traçado pelos analistas é de que o governo corre riscos não somente no Congresso, que ameaça aprovar medidas populistas, como também no Judiciário. A votação do projeto de lei complementar (PLC nº 99/2013) que facilita o pagamento das dívidas de estados e municípios com a União é vista como ameaça.

 O projeto torna o Índice Nacional de Preços ao Consumidor Amplo (IPCA) o novo indexador das dívidas, e reduz os juros (que variam de 6% a 9%) para 4%, tendo como teto a taxa Selic. O indexador usado hoje é o Índice Geral de Preços-Disponibilidade Interna (IGP-DI). A eventual redução pelo Senado do pagamento das dívidas dos estados e dos municípios com a União (R$ 400 bilhões e R$ 68 bilhões, respectivamente) afetaria o volume de dinheiro disponível no Tesouro para o país honrar compromissos ou investir.

Poupança e FGTS

O julgamento pelo Supremo Tribunal Federal (STF) da correção do índice da caderneta de poupança nos planos econômicos Cruzado (1986), Bresser (1998), Verão (1989), Collor 1 (1990) e Collor 2 (1991) é outro abacaxi para o Palácio do Planalto. Quem tinha conta em poupança aberta entre 1987 e 1991 questiona as mudanças na correção das cadernetas feita pelos bancos. Caso sejam considerados incorretos, o Banco Central estima que as perdas dos poupadores, somadas, cheguem a R$ 150 bilhões.

Também está sendo questionado na Justiça Federal o índice que corrige as contas do Fundo de Garantia do Tempo de Serviço (FGTS). Pela legislação, o saldo do fundo é corrigido pela Taxa Referencial (TR) — índice usado para atualizar o rendimento das poupanças — mais juros de 3% ao ano. Criada em 1991, a taxa é definida pelo Banco Central. Começou a ser reduzida paulatinamente e, desde julho de 1999, passou a ficar abaixo da inflação, encolhendo também a remuneração do FGTS. Em 2013, por exemplo, a taxa acumulada foi de 0,19%, enquanto a inflação do país, calculada pelo IPCA, fechou o ano em 5,91%. A Caixa Econômica Federal, operadora do FGTS, registra 29.350 ações em andamento na Justiça. Calcula-se que as perdas no FGTS, decorrentes de reajustes abaixo da inflação, já somem R$ 200 bilhões.

Recidivas

Há ainda o ambiente externo, onde se forma uma torcida para que Dilma desista do segundo mandato e apoie o ex-presidente. É aí que entra a analogia com o mito dos índios Kaxinawá. A sucuri pode engolir Dilma e virar o velho Lula. Quando se fala no assunto, os que negam a candidatura do petistas já não o fazem a partir de uma avaliação positiva de Dilma. Usam o argumento de que o ex-presidente não pode ser candidato porque não recebeu alta definitiva dos médicos. É um argumento duvidoso. Dilma também teve um câncer e virou presidente da República, antes que transcorressem os cinco anos sem recidiva.

quarta-feira, 12 de fevereiro de 2014

A um passo do terror

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense 12/02/2014
Essa é a lógica perversa que leva ao terrorismo. Começa com um rojão e não se sabe como vai acabar. A outra face da moeda é o endurecimento das leis contra manifestações políticas e o cerceamento das liberdades individuais

Atribui-se ao ex-deputado Vladimir Palmeira, então o principal líder estudantil carioca, a palavra de ordem que incendiou corações e mentes nas manifestações de 1968: "Mataram um estudante, podia ser seu filho". Edson Luís de Lima Souto era um secundarista paraense, filho de lavadeira, assassinado em 28 de março daquele ano. Cursava o supletivo e sonhava com uma faculdade de engenharia. Era frequentador do Calabouço, como era chamado o Restaurante Central dos Estudantes, localizado onde é hoje o trevo de acesso ao Aeroporto Santos Dumont, no Rio de Janeiro. Criado por Getúlio Vargas, fornecia refeições baratas para estudantes pobres.
Foco de agitação estudantil, o Calabouço ficava ao lado do Instituto Cooperativo de Ensino, onde o mártir das manifestações de 1968 estudava. O término das reformas do restaurante e a melhor qualidade da comida eram bandeiras dos protestos. Os estudantes organizavam uma passeata quando a Polícia Militar chegou ao local e dispersou os jovens, que se refugiaram no restaurante. Policiais invadiram o local e o comandante da tropa da PM, Aloísio Raposo, matou Edson com um tiro à queima-roupa. Outro estudante, Benedito Frazão Dutra, ferido gravemente, morreu no hospital. Os estudantes não permitiram, porém, que o corpo de Edson Luís fosse levado para o Instituto Médico Legal (IML); foram com ele em passeata para a Assembleia Legislativa, onde foi velado. Dali, saiu para o enterro no Cemitério São João Batista, com 50 mil pessoas protestando. Edson Luís foi enterrado ao som do Hino Nacional, cantado pela multidão. O Rio de Janeiro parou.
O desdobramento do episódio foi a Passeata dos Cem Mil, em 26 de julho, que revelou profunda divisão entre os oposicionistas. Parcela considerável dos estudantes cantava a palavra de ordem "só o povo armado derruba a ditadura", enquanto os mais moderados respondiam com "o povo unido jamais será vencido" e "o povo organizado derruba a ditadura". Por trás da retórica, havia o "racha" do Partido Comunista Brasileiro, liderado por Carlos Marighella e outros líderes dissidentes, que defendiam a luta armada contra o regime militar. O resto da história é conhecida: a maioria dos líderes dos protestos aderiu à guerrilha urbana e rural; muitos foram presos, torturados, exilados ou simplesmente executados.

Vítima


O funeral do cinegrafista da TV Bandeirantes Santiago Andrade, 49 anos, não terá, provavelmente, a mesma dimensão do enterro de Edson Luís. Apesar da consternação que o caso provocou na sociedade, os protestos serão sobretudo dos colegas de profissão. Poderia ser o pai de um dos manifestantes que participaram dos protestos contra aumentos de passagens, na Central do Brasil, há uma semana, ocasião em que foi atingido na cabeça por um rojão disparado por um manifestante. Atualmente, jornalistas não são bem-vindos nas manifestações, são hostilizados por policiais e por manifestantes porque registram os excessos de cada um, ou seja, revelam a irracionalidade e a violência que vêm dominando os atos de rua nas principais cidades brasileiras.
Nas rede sociais, a "mídia comercial", como é chamada até em reuniões de sindicatos de jornalistas profissionais, virou uma espécie de Geni para os militantes de esquerda, de todas as idades. Quem ousa questionar os métodos violentos adotados pelos militantes black blocs e outros arruaceiros é virulentamente atacado. Defende-se a legitimidade da violência nos protestos como uma espécie de autodefesa dos manifestantes, embora o vandalismo tenha virado um fim em si mesmo. Velhos teóricos de ultraesquerda, como Antônio Negri, ideólogo das Brigadas Vermelhas, voltam a ser lembrados nas reuniões e debates.
Curioso é que o governo é quase omisso em relação à atuação desses grupos violentos, mantendo distância regulamentar das manifestações. O desgaste da repressão fica para os governadores, com polícias despreparadas para lidar com o fenômeno. A repressão reforça o discurso de que a reação violenta é uma respostas legítima dos manifestantes, numa espiral crescente. Glamouriza-se a violência, da mesma forma como se faz a apologia da luta armada contra o regime militar, que foi um equívoco político crasso.
O jurista italiano Norberto Bobbio, em artigos para os jornais La Stampa e Avanti, travou um memorável debate com a esquerda do país europeu sobre a violência política e as raízes do assassinato do primeiro-ministro democrata-cristão Aldo Moro, pelas Brigadas Vermelhas, que adotaram a luta armada em plena democracia italiana, em maio de 1978. Criticava os grupos revolucionários que justificavam a própria violência como uma resposta possível à violência do Estado.
Essa é a lógica perversa que leva ao terrorismo. Começa com um rojão e não se sabe como vai acabar. A outra face da moeda é o endurecimento das leis contra manifestações políticas e o cerceamento das liberdades individuais, com o fortalecimento do chamado "partido da ordem", que não precisa necessariamente ser de direita, sem falar no surgimento de bandos fascistas e de justiceiros.
Como dizia Bobbio em outro de seus artigos, "a política não pode absolver o crime", como aconteceu com Cesare Battisti, terrorista das Brigadas Vermelhas condenado na Itália e que recebeu refúgio no Brasil.

segunda-feira, 10 de fevereiro de 2014

Três frentes de batalhas

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo                                                              Correio Braziliense - 10/02/2014
  
A estratégia de guerra de posições que orienta a campanha oficial pode não ser o bastante para vencer as eleições, principalmente no segundo turno. Há uma terceira frente de batalha, irregular, com características de guerra de movimentos

Costuma-se explicar as diferenças entre uma guerra de posições e uma guerra de movimentos comparando-se a Primeira com a Segunda Guerra Mundial, na qual os alemães surpreenderam a Europa com a velocidade e poder de fogo de suas blitzkriegs (guerra-relâmpago) contra as velhas fortificações dos Aliados, como a Linha Maginot, que fora construída pelos franceses na década de 1930 para proteger suas fronteiras com a Alemanha e a Itália. Aqui no Brasil, um bom exemplo é a Guerra dos Farrapos (1835-1845), na qual os republicamos gaúchos desafiaram a Corte Imperial. 

O escritor gaúcho Tabajaras Ruas, no romance Os Varões assinalados, descreve a longa guerra de cavalarias, na qual os farrapos só foram derrotados depois que o gênio militar de Luís Alves de Lima e Silva, então Barão de Caxias, mudou a estratégia das tropas federais, que até então se baseava na supremacia da artilharia e da infantaria. Ao trazer para o seu lado o general farrapo Bento Manoel com sua cavalaria, Caxias derrotou as tropas de Bento Gonçalves, o líder dos revolucionários da República de Piratini. Não foi à toa que somente as tropas gaúchas conseguiram derrotar os jagunços de Antônio Conselheiro na quarta campanha da Guerra de Canudos.

Os conceitos de guerra de posições e guerra de movimentos também são empregados na análise política. Deve-se isso ao marxista italiano Antônio Gramsci, ao mostrar que as tentativas de imitar os revolucionários russos, que tomaram o poder de assalto em 1917, resultariam em fracasso na Itália e em outros países do Ocidente com estruturas sociais mais complexas. Grosso modo, porém, podemos usar os conceitos nas análises eleitorais. 

As vitórias de Jânio Quadros, em 1960; de Collor de Mello, em 1989; e de Luiz Inácio Lula da Silva, em 2002, são casos típicos de campanhas com características de guerras de movimentos. Já a reeleição do presidente Lula, em 2006; e da presidente Dilma Rousseff, em 2010, se caracterizariam mais como guerras de posições, nas quais uma grande parcela do eleitorado, que até então oscilava de um lado a outro nas eleições, já estava posicionada no pleito: a população pobre beneficiada pelo programa Bolsa Família e outras políticas de transferência de renda. Trata-se de 13,5 milhões de famílias.

Grande coalizão

Estamos às vésperas de mais uma eleição com características aparentes de guerra de posições. Preparam-se para o confronto uma ampla coalizão de governo, que controla a União e a maioria dos governos estaduais, representada pela presidente Dilma Rousseff e seu vice, Michel Temer (PMDB), com apoio do ex-presidente Lula. E oposições encasteladas no Sul e Sudeste (principalmente São Paulo, Minas e Paraná), cujo candidato, o ex-governador e senador mineiro Aécio Neves (PSDB), é apoiado pelo ex-presidente Fernando Henrique Cardozo; e no Nordeste, sobretudo Pernambuco, cujo governador, Eduardo Campos (PSB), é candidato e tem o apoio da ex-senadora Marina Silva. 

Com essa disposição de forças, a disputa só deverá se resolver no segundo turno. A presidente Dilma Rousseff vai à guerra, pois, em duas frentes de batalha, com uma postura mais ofensiva do que defensiva, uma vez que o PT pretende não somente reelegê-la, mas conquistar os governados de São Paulo, Minas e Paraná. Sem falar de Pernambuco, onde não tem candidato próprio, mas apoia um aliado. Ou seja, pretende cercar e aniquilar a oposição.

Redes sociais

Ocorre, porém, que a estratégia de guerra de posições que orienta a campanha oficial pode não ser o bastante para vencer as eleições, principalmente no segundo turno. Há uma terceira frente de batalha, irregular, com características de guerra de movimentos, ou seja, Dilma enfrenta um tipo de nova oposição, à margem das esferas de poder e dos partidos, que emergiu das redes sociais em junho do ano passado e permanece viva nos grandes centros urbanos do país. 

Desta vez, não é a grande massa de pobres excluídos, nem a classe média empobrecida o imponderável na eleição, mas um contingente de 50 milhões de jovens entre 15 e 29 anos, a maioria pobre, dos quais 10 milhões não estudam nem trabalham. São descolados em sua maioria dos partidos políticos, mas servem de base social para essa nova oposição. Ninguém sabe para onde o contingente de eleitores que emerge dessa juventude pretende ir. É um campo de disputa tanto para Dilma e como para os dois candidatos de oposição, que buscam um discurso em sintonia com esses novos atores e a adesão eleitoral de seus líderes.

Enquanto se discute o passado e o presente, esses jovens querem antecipar o próprio futuro, o que é sempre a forma de traduzir os sonhos de uma geração. Ocorre que ele está comprometido por fragilidades fiscais, deficiências de infraestrutura, falta de investimentos, educação deficiente, dificuldades de acesso à cultura e ao lazer e a oferta de empregos mal-remunerados ou que exigem alta qualificação, daí tanta insatisfação.

A luta certa




EDITORIAL


A LUTA CERTA







Nosso Partido condenou, desde o prin­cípio, o caminho e a orientação dos grupos ultra-esquerdistas. E aí estão os resultados da chamada guerrilha urbana, dos assaltos a bancos, dos atos ditos de repercussão, do seqüestro de diplomatas, etc. O que era anunciado como medidas iniciais, destina­das a preparar o surgimento da luta arma­da no campo, transformou-se num fim em si mesmo. As ações desses grupos, ao invés de provocar a mobilização das massas, es­timulam sua passividade. Também não contribuem para a aproximação, coordenação e unidade das forças que se opõem ao regime ditatorial. Por outro lado, tratando- se de ações desligadas das condições con­cretas da luta das massas e da situação po­lítica do país, constituem, objetivamente, contra as intenções de seus autores, uma colaboração com a ditadura. Isso porque o grupo militar dominante delas se utili­za para atenuar as divergências existentes nas Forças Armadas e manter unidas suas bases de sustentação, para “justificar” o regime e fortalecer seu caráter policial, para incrementar as medidas repressivas contra o povo. Esses são, em poucas palavras, os principais resultados da atividade dos grupos ultra-esquerdistas.
Mas, se a prática é importante como critério da verdade, isso não significa que sejamos pragmáticos. Nossa orientação quanto ao problema das formas de luta não decorre do êxito ou do fracasso ime­diato da escolha desta ou daquela forma. Adotamos, a respeito, uma posição baseada nos princípios do marxismo- leninismo.
É sabido que, na teoria marxista- leninista, ocupa importante lugar a tese sobre o papel decisivo das massas populares no desenvolvimento da sociedade. A elas corresponde o papel determinante nesse desen­volvimento, são eles que criam a história.
A justa compreensão dessa tese guia a atividade prática dos comunistas e de seus partidos. Leva-os, com seu trabalho organizativo, ideológico e político, a dirigir sua atenção e suas energias principalmente pa­ra os operários e os trabalhadores em geral. Exige esforços contínuos e perseverantes em qualquer situação, para fortalece e es­treitar os vínculos do Partido com as massas. O Partido Comunista não inventa nada, parte da própria vida, da luta que as massas travam pelas suas reivindicações econômicas imediatas e pelos seus interes­ses políticos, levando necessariamente em conta a experiência e o nível de consciência das massas. Só partindo dessa realidade e sem dela se desligar é que o Partido pode como vanguarda, avançar à frente do movimento espontâneo indicar-lhe o caminho, propondo a tempo a solução dos problemas que preocupam o povo. Exata­mente porque cabe às massas o papel determinante no desenvolvimento da socieda­de, o êxito de um partido revolucionário, depende de sua capacidade e de a elas estar estreitamente ligado, de receber seu apoio, de conseguir dirigi-las.
Por tudo isso, compreende-se que as formas de luta não podem ser inventadas. Lênin ensinou que, a esse respeito, a pri­meira exigência é que se dê atenção à luta das massas. A luta das próprias massas, à medida que cresce a consciência das mas­sas, e à medida que as crises econômicas e políticas se acentuam, gera processos sem­pre novos e sempre mais diversos de defesa e de ataque. O papel da vanguarda se li­mita a generalizar, a organizar, a tornar conscientes as formas de luta que surgem por si mesmas no curso do movimento. E Lênin acrescentava: "O marxismo, neste sentido, aprendese assim se pode di­zer — com a prática das massas, longe de pretender ensinar às massas as formas de luta inventadas por “sistematizadores” de gabinete”.
No ano que findou, a luta de nosso povo contra o processo de fascistização do país pela camarilha de generais que em­polga o poder se deu em condições muito difíceis.  A ditadura impôs sua política a ferro e fogo. Particularmente nos últimos meses de 1970, às vésperas das eleições e após o seqüestro do embaixador Suíça, desencadeou-se uma torrente de abusos, violências e crimes contra a popu­lação. Os direitos mais elementares, como o de locomoção, de andar nas ruas da ci­dade, e o da inviolabilidade do domicílio, são violados da maneira mais brutal. O trabalhador sente que não tem sequer a garantia de voltar livremente para sua casa. Artistas, estudantes, professores, advogados, jornalistas e militares reformados são seqüestrados e presos, submetidos a violências e humilhações.
A liberdade de imprensa sofre novos atentados. A cultura é sufocada pela censura a livros, a filmes, ao teatro. Cai assim na rotina o emprego, pela ditadura, do arbítrio e do terror como método de governo.  É o estado policial.
Mas, se a acentuação do caráter repressivo pode propiciar alguma vantagem imediata à ditadura, o certo é que a isola ainda mais povo, amplia áreas de resistência, de oposição e de com­bate, fato que influi no sentido do seu enfraquecimento. Conforme salientou o Comitê Central do nosso Partido, fatores temporários têm favorecido, por enquanto, o avanço do processo de fascistização do país, mas é em sentido contrario que atuam os fatores permanentes que a médio e longo prazo terminarão preponderar, no processo político brasileiro.
Os resultados concreto da política econômico-financeira realizada pela ditadura mostram que essa política se subordina aos interesses dos monopólios estrangeiros e dos latifundiários, e contraria os interesses da maioria da nação.  “A economia vai bem, mas o povo vai mal”. Isso foi dito com todo o cinismo pelo próprio ditador. A continuidade na aplicação dessa política faz com que o povo vá de mal a pior, gera cada vez mais o descontentamento de amplos setores da população. Aí está a base objetiva em que se apóia a ação das correntes democráticas e progressistas. Não foi por acaso que, no ano passado, os Con­gressos de trabalhadores unanimemente condenaram a política salarial imposta pelo governo e exigiram a sua revogação. E líderes da burguesia insistem na denúncia de que os monopólios imperialistas são os grandes beneficiários da política econômico-financeira da ditadura. O industrial Mar­ques Viana afirmou na Associação Comer­cial do Rio, em dezembro último: "Prevale­ce no país o debilitamento da atividade pri­vada de capital nacional, verificando-se, apenas, o revigoramento da empresa estran­geira, que vai ganhando uma imensa im­portância nas decisões fundamentais da na­ção e no aproveitamento das poupanças in­ternas de crédito dos incentivos fiscais”.
O regime ditatorial-militar e sua polí­tica de opressão provocam um sentimento generalizado de repulsa que abrange as mais diversas classes e camadas sociais. Numerosas têm sido com maior ou menor vigor e amplitude, as manifestações dessa repulsa. Os trabalhadores reivindicam, nos Encontros e Congressos, o direito de gre­ve, liberdade e autonomia para seus sindi­catos. A Igreja Católica tem condenado, através de documentos da Conferência dos Bispos do Brasil, o terrorismo e as violên­cias da policia, a falta de liberdade. A exi­gência de revogação do AI-5 e do restabelecimento dos direitos e garantias individuais é feita até por órgãos da imprensa e personalidades políticas que apóiam o governo.  Ampliam-se no exterior o movi­mento de repúdio aos crimes praticados pela ditadura e de solidariedade às suas ví­timas, chegando a provocar pronunciamen­tos do Papa. Na America Latina, o governo Médici se isola cada vez mais como expressão do atraso e obscurantismo. Todos esses são fatos que tornam mais favo­ráveis as condições da luta do nosso povo pela conquista das liberdades democráticas, e a derrota da ditadura.
São ainda grandes, entretanto, os obstáculos a vencer. A reativação do movi­mento de massas se faz, no momento, de maneira lenta. As correntes de oposição ao regime ainda estão dispersas. Mas, também é certo que se desenvolve, no cam­po contrário à ditadura, um processo de acumulação de forças que tende a pro­gredir porque brota da realidade da vida econômica, política e social do país e se fortalece sob a influência da situação in­ternacional, que é favorável ao avanço das lutas dos povos pela independência, a de­mocracia e o progresso. Foi diante dessa realidade que o VI Congresso do nosso partido indicou, com acerto, que o pro­cesso de isolamento e derrota da ditadura é o do desenvolvimento da luta de massas, e da unidade de ação das forças democráticas. Daí porque os comunistas orientam sua atividade no sentido de impulsionar o movimento das massas em defesa dos seus interesses e direitos, contra a ditadura, e de unificar a ação de todas as forças e personalidade política que resistem ao regime e a ele se opõem. As formas que essa luta adquire e as que vierem a adquirir não podem ser inventadas, mas devem de­correr das exigências da situação concreta, em cada momento e em cada local, sendo sempre adequadas ao nível de consciência e à capacidade de luta das massas.

sexta-feira, 7 de fevereiro de 2014

Assim Napoleão perdeu a guerra


Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 07/02/2014
O caso do mensalão é uma agenda negativa para a campanha de reeleição de Dilma Rousseff, por qualquer dos ângulos que se queira observar

Entre os 10 maiores clássicos da literatura universal, Guerra e paz, de Liev Tolstói, além de uma grande história de amor, mostra como o imperador francês Napoleão Bonaparte perdeu a guerra, apesar de todo o anacronismo da aristocracia russa. Vitorioso na campanha da Áustria, resolveu invadir a Rússia e tomar de assalto a capital, Moscou, que ocupou e saqueou sem maior resistência, mas com as tropas debilitadas devido à sangrenta Batalha de Borodino (1812), na qual franceses e russos sofreram muitas baixas. Moscou foi abandonada e, depois, incendiada, o que forçou a retirada do Exército napoleônico, fustigado à retaguarda e pelos flancos pelas tropas do general Mikhail Kutuzov, num dos maiores desastres militares da história, que terminou com a chegada dos soldados russos às ruas de Paris.


Além de gênio militar, Napoleão foi um grande político, que surgiu no rastro da Revolução Francesa. Uma das edições mais primorosas d’O Príncipe, de Nicolau Maquiavel (Ediouro), é comentada por Bonaparte. Nada, entretanto, foi capaz de moderar sua ambição e sua soberba, que puseram tudo a perder na campanha da Rússia. Os líderes petistas, a começar pelo atual presidente da legenda, Rui Falcão, deveriam ler ou reler o romance de Tólstoi. A estratégia do partido visando desmoralizar o presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), ministro Joaquim Barbosa, e as decisões da própria Corte na Ação Penal 470 não tem a menor chance de dar certo. A presidente Dilma Rousseff mantém distância regulamentar dos condenados e o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, até agora, limitou-se a dizer que só falará do assunto depois do julgamento dos recursos dos réus.

O caso do chamado mensalão é uma agenda negativa para a campanha de reeleição de Dilma Rousseff, por qualquer dos ângulos que se queira observar. Deixando de lado juízos de valor sobre as manifestações de solidariedade do PT e questionamentos jurídicos às decisões do STF — que são jus esperneandis da legenda e legítimos recursos da defesa dos advogados dos condenados: o ex-ministro da Casa Civil José Dirceu, o ex-presidente do PT José Genoino, o ex-tesoureiro do partido Delúbio Soares, o ex-presidente da Câmara João Paulo Cunha (SP) e o ex-diretor do Banco do Brasil Henrique Pizzolato —, a forma como isso vem sendo feito terá um custo eleitoral elevado. É uma propaganda negativa, por mais veementes e juridicamente fundamentados que sejam os argumentos. Uma coisa é a defesa nos tribunais, outra é o bate-boca nas redes sociais.

Cassação e extradição
O caso virou uma novela, com petistas acampados em frente ao STF. O capítulo final pode nem ocorrer antes da eleição. Nesta semana, voltou às manchetes com a decretação da prisão do deputado João Paulo Cunha (PT-SP), que se recusa a renunciar o mandato e deseja que a cassação seja apreciada pelos colegas no plenário da Câmara. Graças à solidariedade da bancada petista, o caso foi destaque na abertura dos trabalhos do Legislativo porque o vice-presidente da Câmara, deputado André Vargas (PR), resolveu provocar o presidente do STF, Joaquim Barbosa, erguendo ostensivamente o punho fechado ao lado do ministro, na solenidade de abertura das atividades no Congresso. Pôs pilha nos militantes petistas, o que vai ajudar a própria reeleição, mas queimou o filme na Câmara. Vargas é o primeiro da fila para suceder o presidente da Casa, Henrique Eduardo Alves (PMDB-RN). O processo de votação da cassação do mandato de João Paulo isolará a bancada petista e produzirá mais noticiário negativo.

Para fechar a semana, o ex-diretor do Banco do Brasil Henrique Pizzolato foi localizado pela Polícia Federal e preso no interior da Itália, portando documentos falsificados em nome de um irmão já falecido. Suposto arquivo vivo dos bastidores das operações do empresário Marcos Valério, também condenado na Ação Penal 470, com o Banco do Brasil e a antiga Visanet, Pizolatto alega inocência e lutará contra a extradição. Tem a vantagem da dupla nacionalidade, pois a Constituição italiana lhe garante o direito a julgamento no país europeu. O caso, porém, exige posicionamento do Ministério da Justiça e cria constrangimentos para o Palácio do Planalto, que precisa endossar o pedido de extradição, mesmo que isso venha a ser inútil. Para bem ou para o mal, o PT já está em campanha de solidariedade a Pizzolato, que recorreu a métodos tipicamente mafiosos para evitar a própria prisão no Brasil. Por mais legítima que possa ser, a defesa de Pizzolato traz mais prejuízos eleitorais para o PT, embora não defendê-lo também seja um risco, pois ele sempre ameaçou pôr a boca no trombone. A propósito, o pior dos mundos seria a Justiça italiana aceitar a extradição.

Poderes limitados
O senador Ricardo Ferraço (PMDB-ES) apresentou projeto de decreto legislativo no Senado que susta os efeitos da Resolução nº 23.396/2013 do Tribunal Superior Eleitoral. Editada em 30 de dezembro passado, a resolução proíbe o Ministério Público e a polícia de investigarem crimes eleitorais sem prévia autorização da Justiça Eleitoral. A decisão favoreceria a prática de crimes eleitorais. O Ministério Público também contesta a resolução no Supremo Tribunal Federal (STF).

quarta-feira, 5 de fevereiro de 2014

Bons e maus acordos

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 05/02/2014

 As negociações com o PMDB no Senado e na Câmara para aprovação das matérias de interesse do Palácio do Planalto ficarão mais difíceis; é o velho toma lá dá cá.No mais, a reforma ministerial segue o curso chinfrim

Um velho ditado na política diz que um bom acordo é aquele no qual todos reclamam, mas ninguém pode romper. Esse é o ponto de liga da negociação entre a presidente Dilma Rousseff e a cúpula do PMDB fechada na noite de segunda-feira com o vice-presidente Michel Temer, mas que ainda provoca muito ranger de dentes na legenda. Os líderes do PMDB na Câmara, deputado Eduardo Cunha (RJ), e do Senado, Eunício Oliveira (CE), não tiveram os pedidos contemplados e o problema com os dois foi terceirizado: caberia aos presidentes da Câmara, Henrique Eduardo Alves (RN), e do Senado, Renan Calheiros (AL), acalmar os dois caciques.

Pelo acordo, o senador Vital do Rêgo (PB) assumiria a Secretaria de Portos em vez do Ministério do Turismo, pasta liberada pela volta do deputado Gastão Vieira (MA) para a Câmara. O Ministério da Ciência e Tecnologia, hoje controlado pelo novo chefe da Casa Civil, Aloizio Mercadante, serviria para remover a candidatura do senador Eunício Oliveira ao governo do Ceará, mas ele já avisou que não está interessado na proposta. O deputado Eliseu Padilha (RS), que havia sido indicado para a Secretaria de Portos, foi para o espaço, com o Ministério da Integração Nacional, que era pleiteado por Vital do Rêgo, mas já está na cota dos irmãos Cid e Ciro Gomes (Pros).

Eduardo Cunha está estrilando, mas Eunício é bom cabrito. O PMDB não romperá com o governo por causa disso. O contencioso com Dilma Rousseff e o PT será cozinhado em fogo brando, nas disputas regionais, nas quais o partido costuma dar o troco quando pode. Eunício é candidato ao governo do Ceará e não abre; se não receber o apoio do PT, vai para a disputa como franco-atirador. Cunha apoia a candidatura do vice-governador Luiz Fernando Pezão (PMDB) à sucessão de Sérgio Cabral (PMDB) no Palácio Guanabara. As negociações com o PMDB no Senado e na Câmara para aprovação das matérias de interesse do Palácio do Planalto ficarão mais difíceis; é o velho toma lá dá cá.

No mais, a reforma ministerial segue o curso chinfrim. Depois de acomodar o PT e o PMDB, e garantir o Ministério da Integração para os irmãos Gomes, a novidade será a entrega do Ministério do Turismo para o presidente do PTB, o ex-deputado Benito Gama. Se houver alguma emoção, será por conta das frituras dos ministros das Comunicações, Paulo Bernardo, e da Fazenda, Guido Mantega, pela própria bancada do PT.

Pomo da discórdia
 
O governador de Pernambuco, Eduardo Campos (PSB), divulgou ontem as diretrizes de seu programa de governo, elaboradas em comum acordo com Marina Silva, líder da Rede. O ato incorporou o PPS, de Roberto Freire, à coalizão. Ainda não foi dessa vez que a chapa Eduardo Campos–Marina Silva foi anunciada, mas a afinidade política entre os dois passou a ser maior depois do documento. O pomo da discórdia no bloco PSB-Rede-PPS, porém, continua sendo a questão eleitoral de São Paulo. A Rede defende uma candidatura própria, os dirigentes do PSB estão divididos e o PPS apoia a reeleição do governador Geraldo Alckmin (PSDB).

Jus esperneandis petista
 
O presidente do Supremo Tribunal Federal (STF), Joaquim Barbosa, expediu ontem o mandado de prisão do ex-presidente da Câmara dos Deputados João Paulo Cunha. De todos os condenados, foi o mais desaforado com o presidente do STF. Pegou 9 anos e 4 meses por peculato, lavagem de dinheiro e corrupção passiva em regime fechado, porém deverá cumprir inicialmente a pena de 6 anos e 4 meses no semiaberto, que dá direito a trabalho externo durante o dia. Tem um recurso pendente em relação à pena de lavagem, cuja punição é de três anos. Ao contrário de outros parlamentares condenados na Ação Penal 470, João Paulo não pretende renunciar ao mandato. A cassação terá que ser submetida ao voto aberto do plenário da Câmara. O PT ataca duramente Barbosa e cria constrangimentos para a Câmara e o próprio STF.

Outro "apagão"
 
Faltou energia nas regiões Sul, Sudeste, Centro Oeste — Rio Grande do Sul, Santa Catarina, Paraná, São Paulo, Rio de Janeiro, Espírito Santo, Minas Gerais, Distrito Federal, Goiás, Mato Grosso e Mato Grosso Sul — e Tocantins, no Norte do país, ontem. O secretário executivo do Ministério de Minas e Energia, Márcio Zimmermann, atribuiu o problema a um curto-circuito numa linha de transmissão, e não à queda do nível dos reservatórios das hidrelétricas por falta de chuva. Se tem um assunto no qual a presidente Dilma Rousseff não poderia pisar na bola é energia.