quarta-feira, 31 de dezembro de 2008

Feliz Ano Velho

O principal acerto do presidente Lula no seu segundo mandato, aquele que possibilitou o desempenho mais positivo do governo em 2008, foi mudar a composição de sua equipe

Por Luiz Carlos Azedo
Tomo emprestado o título do livro de estréia de Marcelo Rubem Paiva para a última coluna do ano por uma razão que nada tem a ver com a obra do seu autor, mas apenas porque resume em três palavras o melhor ano do governo Lula: 2008. Nada de mensalão, nada de cartões corporativos, nenhuma crise grave na Câmara ou no Senado, a economia bombando, a oposição acuada. Foi um período em que a vida do povo melhorou e o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ostentou os maiores índices de aprovação.

O acerto
O principal acerto do presidente Lula no seu segundo mandato, aquele que possibilitou o desempenho mais positivo do governo em 2008, foi mudar a composição de sua equipe. Basta comparar o ministério do primeiro mandato com o do segundo, a começar pela cozinha do Palácio do Planalto. No primeiro mandato, todas as decisões políticas do governo pareciam tuteladas por dois atores: os ex-ministros da Fazenda Antonio Palocci e da Casa Civil José Dirceu. Ambos eram figuras poderosas, um era protagonista do governo no campo das relações políticas; o outro, a uma espécie de porta-voz do mercado, que antes da crise mundial, sabemos, ditava o rumo da política econômica. Ambos aspiravam suceder o presidente da República em 2010.

A saída dos dois ministros, num processo de sucessivas crises de governo, com forte repercussão no Congresso, alterou o quadro. Coube ao presidente Lula assumir integralmente o comando, recompor a equipe e partir para a reeleição. O discurso eleitoral já apontava para a mudança de rumo do segundo mandato. A polarização ocorrida na eleição, quando Lula passou a combater um suposto “programa de privatizações” da oposição, foi uma esperteza de campanha. Mas legitimou a elevação do gasto público e maior intervenção do Estado na economia no segundo mandato. Houve uma mudança de eixo da política monetária, cujo foco deixou de ser o combate à inflação já domada e passou a ser a retomada do crescimento. Os fatos subseqüentes, com a crise mundial, acabaram corroborando a necessidade do novo posicionamento.

Lula deixou de ser prisioneiro da luta interna do PT, montou um governo de ampla coalizão com a participação do PMDB, o maior partido do país. A cozinha do Palácio do Planalto é mais autônoma em relação aos partidos. O governo tem em primeiro plano a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, a preferida de Lula para a sucessão em 2010; os demais ministros, vêm em segundo. Mas quem de fato manda é o presidente da República. O resultado foi uma gestão mais eficiente. O Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), menina dos olhos do governo, ganhou mais importância: é considerado a tábua de salvação para o país atravessar a crise mundial com menos sofrimento. Até recentemente, o governo navegava com a corrente a seu favor, mas basta olhar para os nossos vizinhos — a Argentina, por exemplo — para verificar que o mesmo cenário poderia levar a resultados diferentes.

O resultado

O sucesso do governo Lula em 2008 continuou alavancado por programas sociais para a população de baixa renda e a retomada do crescimento, que veio num a escala sem precedentes nas últimas décadas. Foi graças a isso que a vida do povo melhorou. O crescimento também amorteceu velhos conflitos na área econômica, que envolvem agricultura, desenvolvimento econômico, comércio exterior e meio ambiente. Em segundo lugar, houve uma gestão mais produtiva nas áreas da Educação e da Saúde, com ministros com um perfil mais técnico do que político, o que certamente livrou as duas pastas de novos escândalos. Em contrapartida, o Ministério da Justiça e a área de informações do governo viveram uma confusão atrás da outra, envolvendo as relações do Executivo com o Congresso e o Judiciário.

Talvez a maior omissão do governo Lula seja a ausência de um projeto vigoroso de reforma urbana, que enfrente três problemas. Uma política habitacional de baixa renda de envergadura (1), articulada a um programa de transportes de massas capaz de reorientar a expansão de nossas cidades (2) e um plano de segurança que verticalizasse efetivamente o combate ao tráfico de drogas, de armas e o contrabando, cujos pontos de convergências são corrupção policial, de um lado, e a lavagem de dinheiro, de outro (3). São áreas onde a situação só se agrava. Porém, o governo federal, por causa da repartição constitucional de tarefas entre a União e demais entes federados, prefere tirar o corpo fora ou jogar para a arquibancada.
Publicada hoje na coluna Nas Entrelinhas do Correio Braziliense

domingo, 21 de dezembro de 2008

Do céu, só cai chuva

Toda vez que ocorre uma tragédia, a desculpa é a mesma: nunca choveu tanto no local. Na verdade, o país não tem um eficiente sistema de defesa civil

Por Luiz Carlos Azedo


Uma das vantagens estratégicas do Brasil são as condições climáticas. Mesmo onde a natureza é menos favorável, como o sertão nordestino, é possível desenvolver atividades produtivas, com até duas colheitas por ano, principalmente na fruticultura. Nós não temos tragédias naturais, como terremotos, tsunamis, vulcões e nevascas. Desse ponto de vista, o Brasil é um país abençoado. Mas as chuvas por aqui começam a causar grandes tragédias humanas, por causa das mudanças climáticas e do descaso de autoridades.

Clima
As projeções de mudanças climáticas no Brasil levam em consideração dois fatores: a temperatura e as chuvas. Na Amazônia, Nordeste e Sul do Brasil, os modelos prevêem um aumento sistemático dos extremos da temperatura do ar, embora essa também seja uma tendência para o restante do país. Em relação às chuvas, a previsão é dramática: choverá menos na Amazônia e no Nordeste; nas demais regiões, as chuvas intensas serão mais freqüentes.

O El Niño, que resulta do aquecimento das águas do Oceano Pacífico na altura da costa do Peru, sempre foi apontado como o culpado por esses fenômenos severos. Por exemplo, a grande estiagem provocada pelo El Niño de 1998 reduziu consideravelmente as chuvas na Amazônia e tornou as florestas inflamáveis. Naquele ano, 1,3 milhão de hectares de floresta em pé queimaram no estado de Roraima. Outros 4 milhões foram atingidos pelo fogo no sul do estado do Pará e norte do Mato Grosso. Agora, contudo, o culpado pode ser outro: o aquecimento do Oceano Atlântico. Estudos sugerem que a seca nessa parte da Amazônia é resultado do aquecimento na Costa da África e, provavelmente, no Golfo do México.

Previsões
Inundações estão previstas para os vales dos rios e a Ilha de Marajó, na foz do Rio Amazonas. No Pantanal, os modelos apontam para um aquecimento que tende a se intensificar até 2080, mas não se sabe se haverá mais chuvas ou estiagem. No Nordeste, manguezais serão afetados pelas cheias. Problemas mais sérios aparecerão em cidades costeiras, como Recife, Aracaju e Maceió, onde a urbanização se expandiu para áreas baixas. O clima mais quente e seco poderá castigar ainda mais a população do sertão. Estão surgindo os “refugiados ambientais”, para aumentar os problemas sociais já existentes nos grandes centros urbanos. Essas mudanças climáticas não têm causas apenas naturais, mas também “antropogênicas”, aquelas atribuídas pelos cientistas à atividade humana, como a emissão de gás carbônico e o desmatamento. No Brasil, segundo os relatórios do Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais (INPE), com os desmatamentos e queimadas, predominam as causas “antropogênicas”.

Esse não é um problema apenas do ministro do Meio Ambiente, Carlos Minc. É um novo e grave problema nacional, que envolve prefeitos, governadores e quase todo o governo federal. Não podemos encarar o que aconteceu em Santa Catarina, Vila Velha (ES) e Campos (RJ), e agora em regiões de Minas e Rio de Janeiro, como simples fatalidades. A discussão sobre as mudanças climáticas não é nova, nosso sistema de monitoramento do clima é bastante satisfatório. Não faltam estudos e projetos para evitar que as chuvas se transformem em tragédias. Mas, apesar disso, elas acontecem.

Mobilização

Toda vez que ocorre uma tragédia, a desculpa é a mesma: nunca choveu tanto no local. Na verdade, o país não tem um eficiente sistema de defesa civil, que articule a sociedade e os poderes públicos para monitorar as áreas de risco, rapidamente socorrer as vítimas de inundações e minimizar os prejuízos materiais. Não há planos de contingência para mobilizar as Forças Armadas e os órgãos ligados à Defesa Civil com a escala e a eficiência que a nova situação exige. Ninguém sabe onde a tragédia ocorrerá, mas as áreas de risco são conhecidas. O fato é que as chuvas vão aumentar e o os governos precisam se preparar melhor para isso.

Publicado hoje na coluna Nas Entrelinhas do Correio Braziliense

quinta-feira, 18 de dezembro de 2008

Caminho de tormentas

Neste ambiente de incertezas econômicas, o PT começou a manobrar na Câmara para mudar as regras do jogo da sucessão presidencial

Por Luiz Carlos Azedo

O Brasil fecha o ano navegando em mar de incertezas. A crise mundial atormenta o governo, os empresários e a oposição, mas a maior indefinição — por causa das projeções econômicas — é a sucessão presidencial. Como dizia o poeta lusitano, tudo é incerto e derradeiro, tudo é disperso, nada é inteiro. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, segundo as pesquisas, ostenta os melhores índices de sua avaliação, mas a do governo e a confiança na economia já são arranhadas pela crise. Como Lula não pleiteia um terceiro mandato, a sucessão presidencial é apenas uma linha no horizonte, para usar a imagem de Fernando Pessoa.

A pirâmide
Todas as medidas adotadas pelo governo dos Estados Unidos e pela União Européia não foram suficientes para evitar a recessão mundial. A crise do mercado financeiro continua sendo um baú de surpresas desagradáveis. O espanto da semana foi a falência dos fundos geridos pelo ex-presidente da Nasdaq Bernard Madoff, calculados em US$50 bilhões. As bolsas dos Estados Unidos e da Europa foram atingidas, bem como investidores brasileiros que aplicavam em fundos geridos pelo Santander e HSBC. O fundo era uma pirâmide “Ponze”, uma operação financeira que pagava altos rendimentos aos seus investidores com dinheiro de novos clientes, como se fossem lucros reais. Ou seja, puro estelionato. Ontem, o Goldman Sachs anunciou prejuízo líquido de US$ 2,12 bilhões. Entre os emergentes, dois gigantes, Índia e Rússia, estão sentindo fortemente o baque; a China também, porém é mais robusta. O Brasil aparece em melhor situação, mas também sente o tranco.

O enigma
Todos os economistas que falam sobre a crise (alguns permanecem na muda) defendem categoricamente a redução da taxa de juros. Até agora, a única justificativa para mantê-la no patamar atual é a preservação da autoridade do Banco Central, a chamada credibilidade da autoridade monetária. É uma razão subjetiva demais para uma situação onde todos os fatores objetivos apontam em direção contrária. A expansão da economia atingiu seu ponto máximo em outubro. A arrecadação de novembro caiu. As projeções para o primeiro trimestre do ano apontam para a forte redução da atividade econômica, apesar do otimismo do discurso do presidente Lula. É que a demanda de bens de consumo desabou, principalmente de bens duráveis, como automóveis, e o crédito ficou mais curto e caro. A inflação está domada, mas o Banco Central argumenta que não baixa os juros porque ainda há muitas incertezas na economia. Ou seja, para preservar a credibilidade, promove a insegurança.

A manobra
Nesse ambiente de incertezas econômicas, o PT começou a manobrar na Câmara para mudar as regras do jogo da sucessão presidencial. O relatório do deputado João Paulo Cunha que propõe o fim da reeleição e mandatos de cinco anos foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça. A proposta abre espaço para a reapresentação do projeto de plebiscito que permitiria ao presidente Lula disputar o terceiro mandato. A reforma eleitoral também ameaça acabar com as coligações, restabelecer a cláusula de barreira e abrir a janela para o troca-troca partidário um ano antes da eleição. É um atalho para o golpismo continuísta. Lula não embarcou na aventura, mas o “queremismo” pode ganhar força com a crise. Enquanto isso, os governadores tucanos José Serra e Aécio Neves afiam os floretes.

A terceira via
Quando a candidatura do Michel Temer parecia consolidada, com a adesão do bloco de oposição PSDDB-DEM-PPS ao acordo PMDB-PT, o deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) se lançou candidato a presidente da Câmara com apoio do bloquinho PSB-PDT-PCdoB. Ambos são ex-presidentes da Casa e enfrentarão Ciro Nogueira (PP-PI) e Milton Monti (PR-PR). Essa eleição promete um segundo turno imprevisível. Na Senado, Garibaldi Alves (PMDB-RN) tenta uma estranha reeleição, mais um sinal de que o candidato petista Tião Viana (AC) não consegue o apoio da bancada do PMDB para ocupar a Presidência da Casa. Por incrível que pareça, os dois movimentos são mais sincronizados do que se imagina. Sinalizam que a candidatura da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff (PT), ainda não empolgou os aliados de Lula.

Publicado em 17 de dezembro na coluna Nas Entrelnhas do Correio Braziliense

domingo, 14 de dezembro de 2008

Cabeças-cortadas

Só agora, com o ministro Nelson Jobim e o atual Alto Comando, surge uma nova Política de Defesa, cujo eixo é a efetiva proteção da Amazônia e da plataforma continental

Por Luiz Carlos Azedo

A questão militar no Brasil ainda é um assunto aberto, embora esteja submerso num mar de idéias fora de lugar, preconceitos e ressentimentos. O noticiário sobre os 40 anos do Ato Institucional nº 5 não deixa margem a dúvidas. A sociedade ainda cobra o esclarecimento dos fatos do passado. A antiga oposição ao regime militar mantém abertas as chagas das torturas. Os militares preferem o silêncio sobre o assunto. Mas o passado ressurge quando menos se espera, como aconteceu no depoimento macabro do tenente Vargas sobre a execução e esquartejamento de guerrilheiros do Araguaia.

Cortar cabeças e esquartejar adversários no Brasil foi uma prática corrente nos conflitos. São inúmeros os exemplos, a começar pelo massacre dos paulistas por portugueses e baianos no Capão da Traição, nas proximidades de Tiradentes. O próprio alferes Joaquim José da Silva Xavier, nosso mártir da Independência, foi enforcado e esquartejado. Muitas cabeças rolaram na Balaiada (MA) e na Cabanagem (PA). Ninguém sabe direito o que aconteceu a Solano Lopes e seus últimos combatentes em Cerro Corá. A ira do Conde D\`Eu foi implacável. Em Canudos, o coronel Moreira Cesar, herói da guerra do Paraguai, foi esquartejado pelos jagunços e seus pedaços pendurados nos galhos. Euclides da Cunha relata no Os Sertões o destino dado a Antônio Conselheiro e aos que o acompanharam até a liquidação do arraial baiano. “Ao entardecer, quando caíram os últimos defensores, que todos morreram. Eram apenas quatro: um velho, dois homens feitos e uma criança, na frente dos quais rugiam raivosamente cinco mil soldados.”

A obra euclidiana teve tamanho impacto no Exército que virou o livro de cabeceira dos tenentes, a começar pelo capitão Luiz Carlos Prestes, cuja coluna atravessou os sertões do país por 25 mil quilômetros, até se internar na Bolívia. Para confundir as tropas legais, Siqueira Campos deu cobertura à retirada e percorreu 9 mil quilômetros a uma velocidade de 20 léguas por dia. Até então, a jovem oficialidade se rebelava contra iniqüidade social, as fraudes eleitorais e o despreparo das Forças Armadas, movimento que resultou na Revolução de 30. Mas veio o levante comunista de 1935, liderado por Prestes, com a participação de dirigentes estrangeiros da III Internacional, e tudo mudou. A doutrina de segurança nacional passou a considerar os comunistas como “inimigos internos”. A experiência de formação do Exército brasileiro, desde o Império, com seu séquito de cabeças-cortadas, corroborava a doutrina.

A potência

Com a deposição de João Goulart, em 1964, os militares assumiram o poder com o propósito de transformar o Brasil na maior potência da América do Sul. Nacionalistas e entreguistas superaram suas divergências, com a linha dura militar batendo para valer na oposição, em todos os sentidos. A Escola Superior de Guerra, inspirada na guerra da Argélia, desenvolveu a doutrina da “guerra psicológica, subversiva, adversa e permanente” para legitimar como “combate ao terrorismo” a brutal repressão à oposição ao regime. A tese se encaixou como uma luva por causa dos focos guerrilheiros no Caparaó (RJ), no Vale da Ribeira (SP) e no Araguaia (PA), além das ações de guerrilha urbana (seqüestros de diplomatas, assaltos a banco e ataques a sentinelas).

Apesar da liquidação da luta armada, a doutrina da ESG só foi para o espaço com a Guerra das Malvinas, já em plena abertura do governo Figueiredo. O Exército argentino entrou em combate contra a Inglaterra, no Atlântico Sul. Os Estados Unidos mandaram às favas a “Doutrina Monroe” e deram apoio logístico aos ingleses. O Brasil assistiu de camarote, mas caiu a ficha de que o país não tinha uma política de defesa nacional de verdade. O que havia era apenas a repressão à oposição, antipatia aos argentinos e cooperação militar com os Estados Unidos. Com a democratização, os militares ficaram mesmo sem rumo.

Só agora, com o ministro Nelson Jobim e o atual Alto Comando, se consolida uma nova Política de Defesa, cujo eixo é a efetiva proteção da Amazônia e da plataforma continental. Isso implica gastos com o reaparelhamento das Forças Armadas e o reposicionamento de seus efetivos para construir certo poder de dissuasão em relação aos vizinhos e às potências do planeta. Por que são necessários? Por causa da presença das Forças Armadas Revolucionárias da Colômbia — FARC — na nossa fronteira com a Colômbia, da reativação da 4ª Frota da Marinha dos EUA no Atlântico Sul, dos crescentes problemas com o Paraguai (brasiguaios e Itapu), Bolívia (fornecimento de gás natural) e Equador (expulsão de empresas e calote de dívidas), além da agressiva militarização do regime de Chávez na Venezuela, com apoio de Cuba e da Rússia. Isso só interessa aos militares? Não, quem vai pagar a conta é a sociedade.

Publicado hoje na coluna Nas Entrelinhas do Correio Braziliense

sexta-feira, 12 de dezembro de 2008

Olha o PIB aí, gente!

O presidente Lula acredita numa bala de prata contra
a crise: a redução da taxa de juros. Para alguns analistas,
não existe risco de alta da inflação.


Por Luiz Carlos Azedo

Na semana passada, o alto índice de aprovação do
presidente Luiz Inácio Lula da Silva numa pesquisa
do instituto Datafolha supreendeu a todos: 70%
de bom e ótimo. Não faltaram análises para explicar
o fenômeno, ora atribuído ao recall das políticas sociais
do governo, ora à capacidade de comunicação do
presidente Lula. Ontem, veio a explicação: o Produto Interno
Bruto (PIB) brasileiro, divulgado pelo Instituto Brasileiro
de Geografia e Estatística (IBGE), cresceu 6,8% no
terceiro trimestre deste ano na comparação com o mesmo
período do ano passado. Em relação ao trimestre anterior,
a alta foi de 1,8%. Foi por essa razão que o presidente Lula
desafiou os mais pessimistas e anunciou o melhor Natal
de todos os anos de seu governo.

No coqueiro
O PIB é a soma das riquezas produzidas pelo país. Teve alta
de 6,3% nos últimos 12 meses terminados em setembro
e de 6,4% , somente em 2008. É o melhor índice desde o
começo da série em 1996. Seu valor chegou a R$ 747,3 bilhões.
Os números parecem dar razão ao presidente Lula
de que vivemos num outro mundo. A indústria cresceu
7,1%; a agropecuária, 6,4%; o setor de serviços, 5,9%. O
destaque na indústria foi a construção civil, com alta de
11,7%. Motivo: o aumento de 32% de crédito para habitação.
Também houve forte expansão dos investimentos:
19,7%. O consumo das famílias continuou ascendente,
com alta de 7,3%. E os gastos do setor público subiram
6,4%, ou seja, ligeiramente acima do PIB.

Onze entre 10 economistas avaliam que esse PIB subiu
no coqueiro, pois não reflete o impacto da crise mundial e
deve desabar. Os sinais estariam trocados em relação ao
desempenho real da economianas últimas semanas,com notícias de que
as montadoras, siderúrgicase mineradoras suspendemsuas atividades,
concedem férias coletivasou demitem. Nas lojas de
eletrodomésticos e concessionáriasde automóveis,os sinais de que o
crédito está empoçado são gritantes. Os preçosdesabam,
quase ninguém compra. Os juros estão altos,o consumidor pôs as
barbas de molho. O presidente Lula, porém, apostana força
de inércia do “espetáculo” do PIB, mesmocom o apagão financeiro
mundial. Avalia queo Brasil pode resistir graças
aos gastos do governo e ao pensamento positivo
de empresários e trabalhadores.Essa é a lógica do
espantoso discurso do “sifu”, no qualcompara a economia
a um doente no hospital. O povão entenderia o espírito da metáfora.

Bala de prata
O Brasil tem uma trajetória histórica de expansão anticíclica.
Graças a isso houve a nossa industrialização. A receita foi
câmbio favorável às exportações, investimentos públicos
na atividade produtiva e discurso político otimista,
motivador da nação. O populismo de Getúlio Vargas
cumpriu esse papel. O modernismo bossa-nova de Juscelino
Kubitschek também. Até o “Pra Frente Brasil” do
regime militar, num terceiro e bem-sucedido de ciclo de
substituição das importações, teve esse efeito durante o
“milagre econômico”. Será que o Programa de Aceleração
do Crescimento (PAC), menina-dos-olhos do segundo
mandato, cumprirá esse papel ? É uma aposta de alto risco,
mas está sendo feita pelo Palácio do Planalto.

O presidente Lula acredita numa bala de prata contra
a crise: a redução da taxa de juros. Para alguns analistas,
não existe risco de alta da inflação. A economia mundial
está entrando em recessão, alguns países estão em deflação
(recessão com queda de preços). Aqui os preços também
deverão cair. Nosso problema seria outro: o desemprego
bate à porta das fábricas, lojas e escritórios.No fundo,
Lula acredita que o novo presidente dos Estados, Barack
Obama, prepara um pacote trilionário para tirar seu
país da recessão, o que pode reaquecer a economia mundial.
E avalia que terá atravessado o Rubicão da crise se
impedir uma onda de desemprego. Para isso, precisa
manter e baratear o crédito, convencer empresários a
não demitir e investir e estimular os trabalhadores a continuar
comprando. Tudo isso pode ser uma grande ilusão,
mas não terá a menor chance de evitar uma recessão
por aqui se o próprio presidente de República não acreditar
nele mesmo. Com perdão para a inversão da metáfora
“desenvolvimentista”, é melhor voar como a galinha
do que virar uma minhoca na crise.

Publicado na coluna Nas Entrelinhas do Correio Braziliense em 10 de dezembro

domingo, 7 de dezembro de 2008

Reforma e contra-reforma

Não há no Brasil dois estados iguais, mesmo assim é possível avaliar a atuação de suas elites. Basta, por exemplo, comparar o Ceará com o Maranhão ou Pernambuco com a Bahia nos últimos 50 anos

Por Luiz Carlos Azedo

Um artigo do secretário de Desenvolvimento do Espírito Santo, Guilherme Dias, ex-ministro do Planejamento do governo FHC, intitulado “A anti-reforma” (Folha de S.Paulo, 04/12), tirou do sério o relator da reforma tributária, deputado Sandro Mabel (PR-GO). Ontem, o parlamentar replicou com outro artigo contra os “anti-reforma”, no qual gasta mais tinta ao acusar o economista de teleguiado do governador paulista José Serra do que esgrimindo argumentos técnicos. Por que esse assunto exalta os ânimos? É por causa da ruptura do pacto federativo.

Desigualdades

A reforma tributária proposta pelo governo Lula mexe num vespeiro ao propor a mudança radical do sistema de arrecadação do Imposto sobre Circulação de Mercadorias e Serviços (ICMS), que passaria a ser unificado, com cinco alíquotas. Até aí, tudo bem. O problema é que muda o sistema de cobrança do imposto, que passaria a ser feito no destino (estados consumidores). Na origem (estados produtores), ficariam apenas 2% do valor arrecadado. Para viabilizar a mudança, Mabel teceu acordos com empresários, secretários estaduais de Fazenda e prefeitos. Objetivo: isolar São Paulo, o estado mais penalizado pelo caráter Robin Hood do projeto. Supostamente, a reforma tiraria dos estados ricos (SP, MG, RJ, ES, RS, DF, GO e MS são contra) para dar aos mais pobres. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva pretende passar à História como o líder político que acabou com relação desigual entre o “Sul Maravilha” e os estados do Norte e Nordeste.

Mas o relatório de Mabel desagrada gregos e baianos. Com a crise mundial, a reforma tributária seria como pular do trampolim sem saber se tem água na piscina. Por exemplo, estima-se em R$ 24 bilhões as perdas da Previdência. O IVA(Imposto Sobre Valor Agregado) federal concentra recursos na União. A mudança abre espaço para milhares de contestações judiciais, anistia fraudes fiscais e favorece lobbies empresariais, principalmente da indústria alimentícia e bancos.

“A quem interessa a desorganização das finanças estaduais e municipais, depois do longo e custoso processo de saneamento das contas, a partir da consolidação e do refinanciamento das dívidas com o Tesouro Nacional e da implantação da Lei de Responsabilidade Fiscal? Será que os defensores dessa proposta de reforma tributária querem ainda mais concentração de recursos e poder no governo central?”, indaga Dias. A primeira pergunta se baseia numa hipótese; a segunda, na certeza.

Patrimonialismo

São várias as causas do desenvolvimento desigual no Brasil. Algumas são naturais, como o preço cobrado pelo cristalino da Serra da Borborema ao desviar os ventos alísios do Nordeste, que levam as chuvas para longe do semi-árido. Ou as bençãos dos olhos d’água na Chapada da Ibiapaba, das cheias do Pantanal e do Amazonas, da larva vulcânica que rompeu o cristalino da Serra do Mar e deu origem às “terras roxas.” Outras, são econômicas, como os ciclos da cana-de-açúcar, do cacau, da borracha, do algodão, do café, do ouro e diamantes, com seus esplendores e decadências, congelando no tempo a iniquidade social herdada da escravidão nas atividades ainda hoje remanescentes. Há, ainda, as conseqüências históricas das insurreições das províncias no Império, sufocadas a ferro e fogo, como a Confederação do Equador, que transformou Pernambuco num estado periférico, e a Cabanagem, no qual dois terços da população masculina do Pará foram dizimados, dentre outros episódios sangrentos.

A principal causa das nossas desigualdades, porém, é o patrimonialismo. Ainda hoje as oligarquias são as que mais se beneficiam dos investimentos públicos nos estados, graças ao apoio que emprestam à União para que esta imponha sua centralidade (normatizar, coagir e arrecadar) aos estados mais populosos e dinâmicos. Um exercício de motivação comum nas empresas é a simulação de uma guerra mundial, na qual as nações envolvidas dispõem de recursos financeiros, alimentos, minerais e armas em condições desiguais. Ao final da guerra, a relação se inverte completamente. No jogo, sempre há duas nações com recursos exatamente iguais e que acabam em situações muito diferentes, por causa da atuação de seus governantes. Não há no Brasil dois estados iguais. Assim mesmo, é possível avaliar historicamente a atuação de suas elites. Basta, por exemplo, comparar as trajetórias do Ceará com o Maranhão ou de Pernambuco com a Bahia nos últimos 50 anos.

Publicado hoje na coluna Nas Entrelinhas do Correio Braziliense

sexta-feira, 5 de dezembro de 2008

Militar acusado de ser torturador

Tenente admite, em comissão da Câmara, ter cortado cabeças e mãos de três guerrilheiros no Araguaia. “Uma guerra é assim”, justificou

Luiz Carlos Azedo
Da equipe do Correio

O presidente da Comissão Especial da Lei de Anistia, deputado Daniel Almeida (PCdoB-BA), vai pedir ao Ministério Público federal que processe por prática de tortura e assassinato o tenente da reserva José Vargas Jiménez, que admitiu ter cortado cabeças e mãos de três guerrilheiros do Araguaia durante as operações de combate do Exército na área. A confissão do militar reformado foi feita durante depoimento na comissão, na última quarta-feira, na Câmara dos Deputados. “Eu estive na guerrilha e uma guerra é assim”, justificou Jimenez, que era segundo-sargento do Exército por ocasião dos combates com os guerrilheiros ligados ao Partido Comunista do Brasil (PCdoB).

Ao se justificar perante os deputados, Jiménez disse que não considerava a tortura como um crime hediondo quando estava no Araguaia. “Hoje em dia, que eu tenho estudo, sou bacharel em direito, sou politizado, eu vejo que realmente nós fizemos muito mais, mas é hipocrisia dizer que não tem que ser feito, porque senão ninguém conta”, observou. O ex-militar lançou um livro recentemente sobre a guerrilha do Araguaia e considera “revanchismo” as críticas à Lei de Anistia e às Forças Armadas.

O depoimento chocou os participantes da reunião. Jiménez, ex-chefe de grupo do Exército no confronto contra os comunistas, confirmou que tem em seu poder documentos secretos sobre as operações militares realizadas à época. Disse que recebeu ordens para matar todos os guerrilheiros. Jimenez assumiu a prática de torturas. Revelou que os corpos dos guerrilheiros mortos foram largados na selva “para os bichos comerem” e que as cabeças e mãos de três guerrilheiros foram cortadas e levadas a Marabá (PA), onde seriam identificadas. “Não dava para carregar os corpos no meio da selva”, justificou.

Amuleto
“Ali ficou configurada uma confissão”, avalia Almeida, que resolveu antecipar o envio do depoimento ao Ministério Público e não esperar a conclusão do relatório final da comissão. Os três guerrilheiros decapitados seriam os militantes do PCdoB André Grabois, João Gualberto Calatroni e Antônio Alfredo de Lima, mortos por uma patrulha do Exército no sítio de Oneide. O episódio teria sido horripilante. Um dos soldados utilizou os ossos descarnados dos dedos de um dos guerrilheiros como amuleto, num colar pendurado no pescoço. Considerava-o um troféu de guerra.

Segundo Jiménez, o Centro de Informações do Exército (Ciex) deu ordens, em 1975, para que documentos sobre a Guerrilha do Araguaia fossem destruídos, mas ele os conservou. O relator da comissão, deputado Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP), avalia que Jiménez não levou em consideração que “o crime de tortura é imprescritível”. A comissão pretende encaminhar a gravação do depoimento na íntegra para o Ministério Público Federal. “Assim ele não poderá alegar que houve manipulação. O tenente é um fanfarrão. Ele assume crimes, e, se assume crimes, tem que responder por eles”, afirmou o parlamentar. “Ele pensa que os crimes são prescritos. Só que tortura não se prescreve”, afirma Faria de Sá.
Publicado hoje no Correio Braziliense

quarta-feira, 3 de dezembro de 2008

A porta principal

O diabo no meio do redemoinho, porém, é a proposta de acabar com a reeleição e aumentar todos os mandatos para cinco anos, com exceção dos do Senado, que seriam reduzidos

Por Luiz Carlos Azedo

Por mais que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva esbraveje contra os agourentos da crise, os fatos são teimosos: a realidade mudou. De um lado, a crise mundial já provocou recessão nos Estados Unidos, Itália, Alemanha e Japão, entre outros países, e as nossas indústrias estão com atividade reduzida, algumas até parando. De outro, começou a contagem regressiva para a sucessão presidencial de 2010 e todas as ações políticas miram esse objetivo, o que acaba por absorver a energia do próprio governo federal. Manda o bom senso, portanto, fazer o possível e esquecer os projetos mirabolantes.

Final da linha
Nos últimos 18 anos, o Brasil transitou do modelo autárquico de substituição das importações para o projeto de integração à economia globalizada. Esse processo foi iniciado pelo presidente Collor de Mello, com a abertura para as importações, e avançou durante os governos FHC e Lula. Com o Plano Real, o presidente Fernando Henrique Cardoso aproveitou a poupança externa e o estímulo fiscal para estabilizar a moeda. Mas capotou na crise cambial de 1999, quando o estímulo fiscal chegou ao limite, pressionando a taxa de juros e a carga tributária. O governo Lula deu seqüência ao mesmo projeto de integração, na base do “mais do mesmo”: juros altos, câmbio flutuante e superávit fiscal. Graças à grande liquidez global e à elevação dos preços das commodities agrícolas e minerais, usou a poupança externa para ampliar o mercado interno. Crédito direto, gastos públicos, crescimento da massa salarial e programas sociais como o Bolsa Família garantiram o sucesso da empreitada.

Agora, o tempo fechou. Acabou o crédito mundial abundante, as taxas de juros do mercado internacional estão subindo. A partir dos Estados Unidos, instalou-se uma crise financeira nos países desenvolvidos que atinge a periferia emergente. China, Rússia, Índia e Brasil, em diferentes escalas, estão sentindo o tranco. Pior: a China replica para o Brasil e outros países o impacto que sofre com a redução do consumo nos Estados Unidos. O setor siderúrgico brasileiro, por exemplo, está em retração. A crise mundial será longa; não estamos fora disso.

Nova agenda
A taxa de crescimento do PIB brasileiro, que está prevista para 5,2% este ano, deverá cair a 2% em 2009, apesar da retórica oficial otimista de que cresceremos 4%. O governo Lula enfrenta a borrasca. Mas ela é como a chuva em Santa Catarina, não tem dó nem piedade. É maior do que as medidas anticrise adotadas. Não só aqui, é maior no mundo inteiro. Alavancado pela liquidez internacional, com elevadas taxas de juros domésticas, o nosso atual modelo econômico não é capaz de viabilizar os investimentos e o consumo. O Brasil precisa reinventar sua economia; o governo Lula não tem tempo para isso.

A crise mudou o eixo do debate político. A aposta do governo Lula para consolidar a hegemonia do bloco PT-PMDB e eleger seu sucessor é o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), um misto de fomento da atividade produtiva e plataforma eleitoral. O objetivo é consolidar a candidatura da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff. Esse esquema funcionou com sucesso no primeiro turno das eleições municipais. No segundo turno, engasgou. Pode ser a salvação da lavoura para enfrentar a crise, mas já não exerce o mesmo fascínio de antes junto aos aliados. Apenas empata o jogo.

Entretanto, o governo desengavetou duas reformas. Uma é a tributária, que especialistas consideram temerária por causa crise, mas que possibilita a construção de um discurso contra o “Sul Maravilha”, principalmente São Paulo. O risco desse embate no Congresso é consolidar um conflito entre os estados meridionais e o resto do país, divisão com raízes históricas, que a União sempre combateu, mas agora quer alimentar. A outra é a política, cujas intenções são obscuras. Aparentemente, o fim das coligações e a janela para o troca-troca partidário abririam caminho para consolidação de dois blocos partidários, um governista e outro de oposição. O diabo no meio do redemoinho, porém, é a proposta de acabar com a reeleição e aumentar todos os mandatos para cinco anos, com exceção dos do Senado, que seriam reduzidos. É uma espécie de saída pela porta dos fundos. A porta da frente é discutir tudo isso e o novo modelo econômico na campanha eleitoral de 2010, sem mudar as regras do jogo.

Publicado hoje na coluna Nas Entrelinhas do Correio Braziliense

terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Entrevista com Diego Hipólito

O 3 a 1, programa de entrevistas e debates da TV Brasil, do qual sou o apresentador, recebe nesta quarta, às 22 h, o ginasta Diego Hypólito, que fala de sua vida, dos desafios que os atletas enfrentam e explica como é a superação dos fracassos. Diego fala, ainda, como lidou com a derrota nas Olimpíadas de Pequim 2008, quando ele era um dos favoritos para ganhar a medalha de ouro na ginástica olímpica e caiu num salto que executava com perfeição desde os 14 anos.

Também participa do programa o presidente da Sociedade de Psicologia do Esporte do Estado do Rio de Janeiro, João Alberto Barreto, psicólogo especializado em atletas de alto desempenho. Ele acompanhou a equipe feminina de ginástica olímpica nas Olimpíadas de Los Angeles, em 1984.

Outro convidado é o treinador e professor de Educação Física Geraldo Bernardes, que dirigiu a equipe nacional em quatro Olimpíadas (Sydney/2000, Atlanta/1996, Barcelona/1992 e Seul/1988), cinco Mundiais (1999,97,95,93,91 e 87), seis Jogos Pan-Americanos (1999,97,93,87 e 83), dez campeonatos Sul-Americanos e quatro Jogos Sul-Americanos. Além disso, colocou nas diversas Seleções Brasileiras (Juvenil, Junior e Sênior) 12 atletas, culminando com Flávio Canto. Atualmente, ele tem uma escolinha de judô que atende mais de 700 crianças carentes na cidade do Rio de Janeiro.

Combate à sombra

O mandato de cinco anos permitiria um acerto entre Serra e e o governador de Minas, Aécio Neves, que também pleiteia a candidatura do PSDB. Mas pode ser um presente de grego.

O famoso general chinês Sun Tzu, diferentemente de
seus colegas gregos e romanos, não levava em conta
apenas a superioridade numérica ou o terreno na
hora de avaliar as batalhas. Ele compreendia a guerra
levando em conta, também, outros fatores, dos valores
morais às condições econômicas. Para ele, a verdadeira arte
da guerra era aquela capaz de subjugar o exército inimigo
sem lutar contra ele, invadir cidades sem sitiá-las, derrubar
governos sem o uso das espadas.

A conquista
Sun Tzu não via a guerra com objetivo da destruição. Para ele,
a verdadeira conquista era deixar tudo intacto e sob controle.
Por isso, foi o primeiro grande estrategista militar a atribuir
papel decisivo aos serviços de inteligência. Classificava os espiões
em cinco categorias: nativos (gente do povo), internos
(oficiais inimigos), sacrificáveis (agentes de contra-informação),
vivos (os eficientes e leais) e, finalmente, os agentes duplos
(espiões inimigos deliberadamente usados para troca de
informações). Sem o bom emprego de agentes duplos, segundo
o general chinês, era impossível ganhar a guerra.

Com o governo Lula assediado pela crise econômica mundial,
o governador de São Paulo, José Serra (PSDB), opera como
um veterano general chinês. Resolveu combater à sombra
e conduzir sua candidatura a presidente da República como
quem pretende tomar o poder sem o uso das espadas. Não
pretende sitiar o Palácio do Planalto, evita qualquer confronto
com o presidente da República. Opera no terreno governista
de todas as formas, pois o que não falta entre os aliados do governo
e seus próprios aliados é gente fazendo jogo duplo.

A mais bem-sucedida operação desse tipo, até agora, foi a
venda da Nossa Caixa ao Banco do Brasil, na qual o governo
paulista vai embolsar R$ 5,3 bilhões. Num momento em que a
crise econômica ameaçava abater a indústria de São Paulo e
deixar completamente descapitalizada a sua administração,
Serra conseguiu socorrer as montadoras de automóveis e fazer
caixa para investimentos. Os petistas de São Paulo sentiram
o golpe e espernearam, mas o presidente Lula não deu
bola. Aparentemente, entregou a grana com uma das
mãos, mas quer tirar com a outra, por meio da reforma
tributária, que transfere a arrecadação do ICMS do estado
de origem para os estadosde destino. Os governadores
do Norte e Nordeste apóiama proposta, enquanto os do
Sudeste resistem. Bom cabrito,Serra diz que apóia a
reforma e manda a bancada paulista obstruir sua aprovação
no Congresso.

O desespero
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva demonstrou até
agora, em todos os momentos de dificuldade, que não é de
cair com o barulho da bala. Insiste na candidatura da ministra-
chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, que andava meio desidratada,
à sucessão em 2010. Lula pretende fazer da crise
mundial uma oportunidade para a “mãe do PAC” (Programa
de Aceleração do Crescimento) se fortalecer. Suas medidas
anticíclicas estão garantindo aos brasileiros um Natal quase
igual aos de outros anos, apesar das incertezas. Mesmo assim,
o consumidor anda desconfiado. O crédito não está tão
fácil como foi anunciado. Sabe-se, agora, que boa parte da
grana da Caixa Econômica Federal reservada para os pequenos
e médios empresários foi abocanhada pela Petrobras,
que tomou emprestado R$ 2 bilhões para garantir o pagamento
de impostos e, portanto, a arrecadação federal.

Sem o sangue-frio de Lula, a bancada petista no Congresso
começa a dar sinais de desespero com a movimentação de
Serra e a situação de Dilma. Estava tudo combinado para a
entrega da Presidência da Câmara ao deputado Michel Temer,
presidente do PMDB, partido onde a turma do jogo duplo
é maioria. Aliado do governo Lula em nível federal e de
Serra no plano estadual, Temer sofre bombardeios sistemáticos
de governistas que não vêem com bons olhos a aliança, a
começar pelo ex-ministro da Articulação Política Aldo Rebelo
(PCdoB-SP). No Senado, o PT não abre mão da candidatura
de Tião Viana (AC), mas a bancada do PMDB não fecha o
acordo e ameaça lançar uma candidatura própria. Se prevalecer
o jogo duplo, o petista corre risco de perder a eleição.

É nesse contexto que surge um presente de grego para
Serra: o deputado João Paulo Cunha (PT-SP), ex-presidente
da Câmara, relator da reforma política, pretende apresentar
um substitutivo que acaba com a reeleição e estabelece o
mandato de cinco anos, sem reeleição, para presidente da
República, governadores e prefeitos. É uma mudança de regra
no meio do jogo. Supostamente, o mandato de cinco
anos permitiria um acerto entre Serra e o governador de Minas,
Aécio Neves, que também pleiteia a candidatura do
PSDB. Mas pode ser o “Cavalo de Tróia” para a velha proposta
do deputado Devanir Ribeiro (PT-SP): o plebiscito no qual
o povo decidiria se o presidente Lula deve ou não disputar
um novo mandato de cinco anos. Ou seja, o terceiro.

Publicado em 30 de novembro, na coluna Nas Entrelinhas do Correio Braziliense