Tenente admite, em comissão da Câmara, ter cortado cabeças e mãos de três guerrilheiros no Araguaia. “Uma guerra é assim”, justificou
Luiz Carlos Azedo
Da equipe do Correio
O presidente da Comissão Especial da Lei de Anistia, deputado Daniel Almeida (PCdoB-BA), vai pedir ao Ministério Público federal que processe por prática de tortura e assassinato o tenente da reserva José Vargas Jiménez, que admitiu ter cortado cabeças e mãos de três guerrilheiros do Araguaia durante as operações de combate do Exército na área. A confissão do militar reformado foi feita durante depoimento na comissão, na última quarta-feira, na Câmara dos Deputados. “Eu estive na guerrilha e uma guerra é assim”, justificou Jimenez, que era segundo-sargento do Exército por ocasião dos combates com os guerrilheiros ligados ao Partido Comunista do Brasil (PCdoB).
Ao se justificar perante os deputados, Jiménez disse que não considerava a tortura como um crime hediondo quando estava no Araguaia. “Hoje em dia, que eu tenho estudo, sou bacharel em direito, sou politizado, eu vejo que realmente nós fizemos muito mais, mas é hipocrisia dizer que não tem que ser feito, porque senão ninguém conta”, observou. O ex-militar lançou um livro recentemente sobre a guerrilha do Araguaia e considera “revanchismo” as críticas à Lei de Anistia e às Forças Armadas.
O depoimento chocou os participantes da reunião. Jiménez, ex-chefe de grupo do Exército no confronto contra os comunistas, confirmou que tem em seu poder documentos secretos sobre as operações militares realizadas à época. Disse que recebeu ordens para matar todos os guerrilheiros. Jimenez assumiu a prática de torturas. Revelou que os corpos dos guerrilheiros mortos foram largados na selva “para os bichos comerem” e que as cabeças e mãos de três guerrilheiros foram cortadas e levadas a Marabá (PA), onde seriam identificadas. “Não dava para carregar os corpos no meio da selva”, justificou.
Amuleto
“Ali ficou configurada uma confissão”, avalia Almeida, que resolveu antecipar o envio do depoimento ao Ministério Público e não esperar a conclusão do relatório final da comissão. Os três guerrilheiros decapitados seriam os militantes do PCdoB André Grabois, João Gualberto Calatroni e Antônio Alfredo de Lima, mortos por uma patrulha do Exército no sítio de Oneide. O episódio teria sido horripilante. Um dos soldados utilizou os ossos descarnados dos dedos de um dos guerrilheiros como amuleto, num colar pendurado no pescoço. Considerava-o um troféu de guerra.
Segundo Jiménez, o Centro de Informações do Exército (Ciex) deu ordens, em 1975, para que documentos sobre a Guerrilha do Araguaia fossem destruídos, mas ele os conservou. O relator da comissão, deputado Arnaldo Faria de Sá (PTB-SP), avalia que Jiménez não levou em consideração que “o crime de tortura é imprescritível”. A comissão pretende encaminhar a gravação do depoimento na íntegra para o Ministério Público Federal. “Assim ele não poderá alegar que houve manipulação. O tenente é um fanfarrão. Ele assume crimes, e, se assume crimes, tem que responder por eles”, afirmou o parlamentar. “Ele pensa que os crimes são prescritos. Só que tortura não se prescreve”, afirma Faria de Sá.
Publicado hoje no Correio Braziliense
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