terça-feira, 2 de dezembro de 2008

Combate à sombra

O mandato de cinco anos permitiria um acerto entre Serra e e o governador de Minas, Aécio Neves, que também pleiteia a candidatura do PSDB. Mas pode ser um presente de grego.

O famoso general chinês Sun Tzu, diferentemente de
seus colegas gregos e romanos, não levava em conta
apenas a superioridade numérica ou o terreno na
hora de avaliar as batalhas. Ele compreendia a guerra
levando em conta, também, outros fatores, dos valores
morais às condições econômicas. Para ele, a verdadeira arte
da guerra era aquela capaz de subjugar o exército inimigo
sem lutar contra ele, invadir cidades sem sitiá-las, derrubar
governos sem o uso das espadas.

A conquista
Sun Tzu não via a guerra com objetivo da destruição. Para ele,
a verdadeira conquista era deixar tudo intacto e sob controle.
Por isso, foi o primeiro grande estrategista militar a atribuir
papel decisivo aos serviços de inteligência. Classificava os espiões
em cinco categorias: nativos (gente do povo), internos
(oficiais inimigos), sacrificáveis (agentes de contra-informação),
vivos (os eficientes e leais) e, finalmente, os agentes duplos
(espiões inimigos deliberadamente usados para troca de
informações). Sem o bom emprego de agentes duplos, segundo
o general chinês, era impossível ganhar a guerra.

Com o governo Lula assediado pela crise econômica mundial,
o governador de São Paulo, José Serra (PSDB), opera como
um veterano general chinês. Resolveu combater à sombra
e conduzir sua candidatura a presidente da República como
quem pretende tomar o poder sem o uso das espadas. Não
pretende sitiar o Palácio do Planalto, evita qualquer confronto
com o presidente da República. Opera no terreno governista
de todas as formas, pois o que não falta entre os aliados do governo
e seus próprios aliados é gente fazendo jogo duplo.

A mais bem-sucedida operação desse tipo, até agora, foi a
venda da Nossa Caixa ao Banco do Brasil, na qual o governo
paulista vai embolsar R$ 5,3 bilhões. Num momento em que a
crise econômica ameaçava abater a indústria de São Paulo e
deixar completamente descapitalizada a sua administração,
Serra conseguiu socorrer as montadoras de automóveis e fazer
caixa para investimentos. Os petistas de São Paulo sentiram
o golpe e espernearam, mas o presidente Lula não deu
bola. Aparentemente, entregou a grana com uma das
mãos, mas quer tirar com a outra, por meio da reforma
tributária, que transfere a arrecadação do ICMS do estado
de origem para os estadosde destino. Os governadores
do Norte e Nordeste apóiama proposta, enquanto os do
Sudeste resistem. Bom cabrito,Serra diz que apóia a
reforma e manda a bancada paulista obstruir sua aprovação
no Congresso.

O desespero
O presidente Luiz Inácio Lula da Silva demonstrou até
agora, em todos os momentos de dificuldade, que não é de
cair com o barulho da bala. Insiste na candidatura da ministra-
chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, que andava meio desidratada,
à sucessão em 2010. Lula pretende fazer da crise
mundial uma oportunidade para a “mãe do PAC” (Programa
de Aceleração do Crescimento) se fortalecer. Suas medidas
anticíclicas estão garantindo aos brasileiros um Natal quase
igual aos de outros anos, apesar das incertezas. Mesmo assim,
o consumidor anda desconfiado. O crédito não está tão
fácil como foi anunciado. Sabe-se, agora, que boa parte da
grana da Caixa Econômica Federal reservada para os pequenos
e médios empresários foi abocanhada pela Petrobras,
que tomou emprestado R$ 2 bilhões para garantir o pagamento
de impostos e, portanto, a arrecadação federal.

Sem o sangue-frio de Lula, a bancada petista no Congresso
começa a dar sinais de desespero com a movimentação de
Serra e a situação de Dilma. Estava tudo combinado para a
entrega da Presidência da Câmara ao deputado Michel Temer,
presidente do PMDB, partido onde a turma do jogo duplo
é maioria. Aliado do governo Lula em nível federal e de
Serra no plano estadual, Temer sofre bombardeios sistemáticos
de governistas que não vêem com bons olhos a aliança, a
começar pelo ex-ministro da Articulação Política Aldo Rebelo
(PCdoB-SP). No Senado, o PT não abre mão da candidatura
de Tião Viana (AC), mas a bancada do PMDB não fecha o
acordo e ameaça lançar uma candidatura própria. Se prevalecer
o jogo duplo, o petista corre risco de perder a eleição.

É nesse contexto que surge um presente de grego para
Serra: o deputado João Paulo Cunha (PT-SP), ex-presidente
da Câmara, relator da reforma política, pretende apresentar
um substitutivo que acaba com a reeleição e estabelece o
mandato de cinco anos, sem reeleição, para presidente da
República, governadores e prefeitos. É uma mudança de regra
no meio do jogo. Supostamente, o mandato de cinco
anos permitiria um acerto entre Serra e o governador de Minas,
Aécio Neves, que também pleiteia a candidatura do
PSDB. Mas pode ser o “Cavalo de Tróia” para a velha proposta
do deputado Devanir Ribeiro (PT-SP): o plebiscito no qual
o povo decidiria se o presidente Lula deve ou não disputar
um novo mandato de cinco anos. Ou seja, o terceiro.

Publicado em 30 de novembro, na coluna Nas Entrelinhas do Correio Braziliense

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