Neste ambiente de incertezas econômicas, o PT começou a manobrar na Câmara para mudar as regras do jogo da sucessão presidencial
Por Luiz Carlos Azedo
O Brasil fecha o ano navegando em mar de incertezas. A crise mundial atormenta o governo, os empresários e a oposição, mas a maior indefinição — por causa das projeções econômicas — é a sucessão presidencial. Como dizia o poeta lusitano, tudo é incerto e derradeiro, tudo é disperso, nada é inteiro. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva, segundo as pesquisas, ostenta os melhores índices de sua avaliação, mas a do governo e a confiança na economia já são arranhadas pela crise. Como Lula não pleiteia um terceiro mandato, a sucessão presidencial é apenas uma linha no horizonte, para usar a imagem de Fernando Pessoa.
A pirâmide
Todas as medidas adotadas pelo governo dos Estados Unidos e pela União Européia não foram suficientes para evitar a recessão mundial. A crise do mercado financeiro continua sendo um baú de surpresas desagradáveis. O espanto da semana foi a falência dos fundos geridos pelo ex-presidente da Nasdaq Bernard Madoff, calculados em US$50 bilhões. As bolsas dos Estados Unidos e da Europa foram atingidas, bem como investidores brasileiros que aplicavam em fundos geridos pelo Santander e HSBC. O fundo era uma pirâmide “Ponze”, uma operação financeira que pagava altos rendimentos aos seus investidores com dinheiro de novos clientes, como se fossem lucros reais. Ou seja, puro estelionato. Ontem, o Goldman Sachs anunciou prejuízo líquido de US$ 2,12 bilhões. Entre os emergentes, dois gigantes, Índia e Rússia, estão sentindo fortemente o baque; a China também, porém é mais robusta. O Brasil aparece em melhor situação, mas também sente o tranco.
O enigma
Todos os economistas que falam sobre a crise (alguns permanecem na muda) defendem categoricamente a redução da taxa de juros. Até agora, a única justificativa para mantê-la no patamar atual é a preservação da autoridade do Banco Central, a chamada credibilidade da autoridade monetária. É uma razão subjetiva demais para uma situação onde todos os fatores objetivos apontam em direção contrária. A expansão da economia atingiu seu ponto máximo em outubro. A arrecadação de novembro caiu. As projeções para o primeiro trimestre do ano apontam para a forte redução da atividade econômica, apesar do otimismo do discurso do presidente Lula. É que a demanda de bens de consumo desabou, principalmente de bens duráveis, como automóveis, e o crédito ficou mais curto e caro. A inflação está domada, mas o Banco Central argumenta que não baixa os juros porque ainda há muitas incertezas na economia. Ou seja, para preservar a credibilidade, promove a insegurança.
A manobra
Nesse ambiente de incertezas econômicas, o PT começou a manobrar na Câmara para mudar as regras do jogo da sucessão presidencial. O relatório do deputado João Paulo Cunha que propõe o fim da reeleição e mandatos de cinco anos foi aprovado na Comissão de Constituição e Justiça. A proposta abre espaço para a reapresentação do projeto de plebiscito que permitiria ao presidente Lula disputar o terceiro mandato. A reforma eleitoral também ameaça acabar com as coligações, restabelecer a cláusula de barreira e abrir a janela para o troca-troca partidário um ano antes da eleição. É um atalho para o golpismo continuísta. Lula não embarcou na aventura, mas o “queremismo” pode ganhar força com a crise. Enquanto isso, os governadores tucanos José Serra e Aécio Neves afiam os floretes.
A terceira via
Quando a candidatura do Michel Temer parecia consolidada, com a adesão do bloco de oposição PSDDB-DEM-PPS ao acordo PMDB-PT, o deputado Aldo Rebelo (PCdoB-SP) se lançou candidato a presidente da Câmara com apoio do bloquinho PSB-PDT-PCdoB. Ambos são ex-presidentes da Casa e enfrentarão Ciro Nogueira (PP-PI) e Milton Monti (PR-PR). Essa eleição promete um segundo turno imprevisível. Na Senado, Garibaldi Alves (PMDB-RN) tenta uma estranha reeleição, mais um sinal de que o candidato petista Tião Viana (AC) não consegue o apoio da bancada do PMDB para ocupar a Presidência da Casa. Por incrível que pareça, os dois movimentos são mais sincronizados do que se imagina. Sinalizam que a candidatura da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff (PT), ainda não empolgou os aliados de Lula.
Publicado em 17 de dezembro na coluna Nas Entrelnhas do Correio Braziliense
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