O diabo no meio do redemoinho, porém, é a proposta de acabar com a reeleição e aumentar todos os mandatos para cinco anos, com exceção dos do Senado, que seriam reduzidos
Por Luiz Carlos Azedo
Por mais que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva esbraveje contra os agourentos da crise, os fatos são teimosos: a realidade mudou. De um lado, a crise mundial já provocou recessão nos Estados Unidos, Itália, Alemanha e Japão, entre outros países, e as nossas indústrias estão com atividade reduzida, algumas até parando. De outro, começou a contagem regressiva para a sucessão presidencial de 2010 e todas as ações políticas miram esse objetivo, o que acaba por absorver a energia do próprio governo federal. Manda o bom senso, portanto, fazer o possível e esquecer os projetos mirabolantes.
Final da linha
Nos últimos 18 anos, o Brasil transitou do modelo autárquico de substituição das importações para o projeto de integração à economia globalizada. Esse processo foi iniciado pelo presidente Collor de Mello, com a abertura para as importações, e avançou durante os governos FHC e Lula. Com o Plano Real, o presidente Fernando Henrique Cardoso aproveitou a poupança externa e o estímulo fiscal para estabilizar a moeda. Mas capotou na crise cambial de 1999, quando o estímulo fiscal chegou ao limite, pressionando a taxa de juros e a carga tributária. O governo Lula deu seqüência ao mesmo projeto de integração, na base do “mais do mesmo”: juros altos, câmbio flutuante e superávit fiscal. Graças à grande liquidez global e à elevação dos preços das commodities agrícolas e minerais, usou a poupança externa para ampliar o mercado interno. Crédito direto, gastos públicos, crescimento da massa salarial e programas sociais como o Bolsa Família garantiram o sucesso da empreitada.
Agora, o tempo fechou. Acabou o crédito mundial abundante, as taxas de juros do mercado internacional estão subindo. A partir dos Estados Unidos, instalou-se uma crise financeira nos países desenvolvidos que atinge a periferia emergente. China, Rússia, Índia e Brasil, em diferentes escalas, estão sentindo o tranco. Pior: a China replica para o Brasil e outros países o impacto que sofre com a redução do consumo nos Estados Unidos. O setor siderúrgico brasileiro, por exemplo, está em retração. A crise mundial será longa; não estamos fora disso.
Nova agenda
A taxa de crescimento do PIB brasileiro, que está prevista para 5,2% este ano, deverá cair a 2% em 2009, apesar da retórica oficial otimista de que cresceremos 4%. O governo Lula enfrenta a borrasca. Mas ela é como a chuva em Santa Catarina, não tem dó nem piedade. É maior do que as medidas anticrise adotadas. Não só aqui, é maior no mundo inteiro. Alavancado pela liquidez internacional, com elevadas taxas de juros domésticas, o nosso atual modelo econômico não é capaz de viabilizar os investimentos e o consumo. O Brasil precisa reinventar sua economia; o governo Lula não tem tempo para isso.
A crise mudou o eixo do debate político. A aposta do governo Lula para consolidar a hegemonia do bloco PT-PMDB e eleger seu sucessor é o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), um misto de fomento da atividade produtiva e plataforma eleitoral. O objetivo é consolidar a candidatura da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff. Esse esquema funcionou com sucesso no primeiro turno das eleições municipais. No segundo turno, engasgou. Pode ser a salvação da lavoura para enfrentar a crise, mas já não exerce o mesmo fascínio de antes junto aos aliados. Apenas empata o jogo.
Entretanto, o governo desengavetou duas reformas. Uma é a tributária, que especialistas consideram temerária por causa crise, mas que possibilita a construção de um discurso contra o “Sul Maravilha”, principalmente São Paulo. O risco desse embate no Congresso é consolidar um conflito entre os estados meridionais e o resto do país, divisão com raízes históricas, que a União sempre combateu, mas agora quer alimentar. A outra é a política, cujas intenções são obscuras. Aparentemente, o fim das coligações e a janela para o troca-troca partidário abririam caminho para consolidação de dois blocos partidários, um governista e outro de oposição. O diabo no meio do redemoinho, porém, é a proposta de acabar com a reeleição e aumentar todos os mandatos para cinco anos, com exceção dos do Senado, que seriam reduzidos. É uma espécie de saída pela porta dos fundos. A porta da frente é discutir tudo isso e o novo modelo econômico na campanha eleitoral de 2010, sem mudar as regras do jogo.
Publicado hoje na coluna Nas Entrelinhas do Correio Braziliense
Nenhum comentário:
Postar um comentário