Os sinais de que o governo Lula vive novas contradições, outra correlação de forças e a frustração das tarefas não-realizadas são visíveis
Luiz Carlos Azedo
Um dos textos interessantes que conheço sobre o governo Lula é o breve ensaio O estado novo do PT, do cientista político Luiz Werneck Viana, um estudioso da Era Vargas, cujo fim já foi anunciado algumas vezes e continua aí, firme e forte. Escrito em junho de 2007, pode ser lido integralmente no site Gramsci e o Brasil (www.acessa.com/gramsci) e instiga a reflexão sobre o segundo mandato do presidente Luiz Inácio Lula da Silva.
Compromisso
Em linhas gerais, Werneck afirma que o presidente Lula construiu um engenhoso governo de compromisso. O programa do PT não diferia muito da esquerda tradicional, mas a opção de Lula e seus jacobinos ao assumir o poder foi aceitar as contingências e rechaçar veleidades revolucionárias de amplos setores do partido. Pôs-se em linha de continuidade com a política econômico-financeira do governo anterior, mas inovou na política. Primeiro, transformou o Estado “num condomínio aberto a todas as classes e principais grupos de interesse”. Segundo, “derivou para uma agenda nacional-desenvolvimentista”, hoje pilotada pela ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, cuja maior expressão é o chamado Programa de Aceleração do Crescimento (PAC).
Esse “condomínio” compatibilizou as relações entre o agronegócio e os trabalhadores rurais, entre as centrais sindicais e os grandes grupos empresariais, todos com assento na Esplanada. Debateu a “grande política” e seus interesses no interior do próprio governo. Tal processo apontado por Werneck, do meu ponto de vista, lançou o Congresso no atoleiro da “pequena política”. O Executivo legisla por “medidas provisórias”, atalha consensos que deveriam ser mediados pelo Legislativo e arbitra dissensos que caberiam ao Judiciário decidir.
“Na dialética sem síntese da tradição política brasileira”, o comando da máquina pública e as políticas sociais de “transformações moleculares” possibilitaram a conciliação de interesses contraditórios e o congelamento das mudanças sociais, como na questão agrária, por exemplo. Mas o choque entre seus atores é visível: “A esquerda tem como alvo principal a administração do Banco Central, caixa-preta da política econômico-financeira, a direita encontrou o seu na presença do PMDB na coalizão política que sustenta o governo, sem o qual ele perde força no Congresso e na sociedade”, dispara Werneck. Essa constatação dispensa comentários sobre sua atualidade.
Encruzilhada
O Estado de compromisso que incorporou e equilibra interesses tão antagônicos na sociedade é um lugar de permanente tensão, cuja coesão depende essencialmente do prestígio popular do presidente Lula. Por isso, as ações de governo dependem tanto da intervenção carismática de Lula. Pela mesma razão, com o tempo, cada classe, fração social ou grupamento de interesse aprendeu que, para vencer ou se preservar dentro da máquina do Estado, precisa buscar apoio na sociedade.
Essa construção, para Werneck, tem prazo de validade: o fim do mandato presidencial em 2010. Com essa data no horizonte, os antagonismos “começam a procurar formas próprias de expressão, em um cenário de partidos em ruínas e instituições políticas, como o Parlamento, desacreditadas pela população”. Esse é o ponto a que queria chegar. Werneck previu o choque no interior do “condomínio” em razão da sucessão de 2010, mas num contexto diferente do que estamos vivendo, sob o impacto da renovação política dos Estados Unidos, representada por Barack Obama na Presidência, e de uma crise que ninguém sabe quando acaba.
Por causa da crise, o governo de compromisso, antes mesmo do choque entre as forças de sua coalizão política, está sendo obrigado a arbitrar conflitos de interesses entre seus agentes econômicos e sociais. O presidente Lula, por exemplo, não esconde a irritação com as demissões na mineração, na siderurgia, nas montadoras, nas usinas de álcool, setores fortemente beneficiados por seu governo, sem falar na contenção do crédito pelo mercado financeiro. Flexibilização da legislação trabalhista, redução de salários e outras propostas na ordem do dia ameaçam os direitos e a renda dos trabalhadores. Chegou o momento de escolhas muito difíceis, que podem levar o condomínio de roldão. Os sinais de que o governo Lula vive novas contradições, outra correlação de forças e a frustração das tarefas não-realizadas são visíveis. A deriva à esquerda e à direita começou.
Publicado hoje na coluna Nas Entrelinhas do Correio Braziliense
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