Praça XV de Novembro, estação das barcas Rio-Niterói |
No país imaginário de Lima Barreto, a esposa do presidente de uma grande empresa que está preso ameaça contar tudo o que sabe à polícia e à Justiça sobre o maior escândalo de corrupção da Corte se o marido passar o ano-novo na cadeia. Está revoltada porque os donos da empresa decidiram demitir todos os executivos e foram passar o Natal num balneário do Caribe, depois de encerrar os negócios no ramo da construção para viver de outras fontes de renda. O recado veio cifrado numa nota de coluna de jornal, no último domingo do ano.
Quase 100 anos depois da publicação da obra póstuma do escritor carioca maldito, mestre da ficção do escárnio, Bruzundanga não mudou muito, apenas trocou as velhas patacas pelo barusco, a nova moeda criada em homenagem ao ex-diretor da petroleira local que resolveu denunciar as falcatruas que escandalizam o mundo. A diplomacia, a Constituição, as transações e as propinas, os políticos e os privilégios, o poder das oligarquias, os sanguessugas do erário, as desigualdades, a saúde e a educação pouco mudaram.
Como antigamente, diria Barreto, não há homem influente que não tenha parentes e amigos ocupando cargos de Estado; não há doutores da lei e deputados que não se considerem no direito de deixar aos filhos e às viúvas gordas pensões pagas pelo Tesouro da República. Enquanto isso, a população continua escorchada de impostos e vexações fiscais; vive sugada para que alguns gozem de vencimentos, subsídios e aposentadorias duplicados, afora os rendimentos que vêm de outras origens.
O Mandachuva de Bruzundanga se imagina uma espécie de Conde Fosca, aquele personagem de Todos os homens são mortais, da francesa Simone de Beauvoir, que podia decidir o que quisesse porque era imortal: os outros é que pagavam com a própria vida quando algo dava errado. Mesmo assim, anda preocupado. Antes do Natal, a esposa de outro executivo preso procurou seu secretário particular e avisou que contaria tudo o que sabia se o marido continuasse em cana. Foi solto a tempo de participar do amigo-oculto da família, graças ao próprio Mandachuva, que moveu mundos e fundos para obter seu habeas corpus. Coisas que ainda acontecem em Bruzundanga.
A situação no país, porém, é das mais delicadas. Durante a crise mundial, viveu no mundo da fantasia, gastando mais do que podia, como naquela fábula da cigarra e da formiga. Agora, a saída é apertar o cinto. Mas, como as desigualdades são grandes, o governo terá que fazer escolhas difíceis, que podem prejudicar a sua popularidade. Em circunstâncias normais, o baixo crescimento, a inflação preocupante e o desequilíbrio nas contas externas seriam tratados com uma boa dose do “mais do mesmo” e logo tudo voltaria a ser como antes.
O diabo é que o escândalo na petroleira atrapalhou tudo. Ameaça gerar uma crise institucional de proporções imprevisíveis, por causa do envolvimento de políticos governistas, de executivos da empresa e dos principais fornecedores, alguns próximos ao Mandachuva. O pior é que a sobra dos petrodólares que irrigaram as campanhas eleitorais, em contas na Suíça, começam a servir de fio condutor para as investigações policiais. Como se sabe, todo crime tem uma motivação e deixa um rastro. A única saída é negar a existência do crime.
Diante do agravamento da crise, o governo de Bruzundanga decidiu agir em duas frentes. De um lado, tenta circunscrevê-la aos executivos envolvidos e salvar as empresas. Das seis empresas arroladas no escândalo, uma já quebrou e outra vai pelo mesmo caminho, porque as herdeiras de seu criador, que moram num reino europeu, preferem viver de rendas do que correr o risco de ver o nome da família na lama. A outra frente é a montagem do ministério, que servirá para blindar o governo com o apoio do baixo clero do Congresso, ou seja, com o apoio dos políticos que não estão nem aí para a chamada opinião pública porque vivem dos votos de clientela, alguns dos quais suspeitos de envolvimento no escândalo.
E no Brasil…
Enquanto Bruzundanga vive a sua agonia, no Brasil, a presidente Dilma Rousseff tenta fechar o seu ministério. Ontem, foram anunciados mais sete ministros: Antonio Carlos Rodrigues (PR), nos Transportes; Gilberto Occhi (PP), na Integração Nacional; Miguel Rossetto (PT), na Secretaria-Geral da Presidência; Patrus Ananias (PT), no Desenvolvimento Agrário; Pepe Vargas (PT), nas Relações Institucionais; Ricardo Berzoini (PT), nas Comunicações; e Carlos Gabas (PT), na Previdência Social. Dos 39 ministérios, ainda faltam serem escolhidos 15 ministros.
Um comentário:
Brilhante eu não sabia que as empresas tinham demitido diretores. Literalmente abandonados.
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