Correio Braziliense - 28/12/2014
Pequenos acionistas raramente levam a melhor contra a Petrobras em suas ações judiciais. Uma mística nacionalista protege a empresa contra quem a desafia
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A cidade de Providence tem um fundo dos funcionários públicos e aposentados, com cerca de US$ 300 milhões aplicados em ações, renda fixa e outros investimentos. Esses investidores se sentiram prejudicados pelos casos de corrupção trazidos à tona com a Operação Lava-Jato. A estatal negociou mais de US$ 98 bilhões em títulos na Bolsa de Nova York.
No Brasil, pequenos acionistas raramente levam a melhor contra a estatal em suas ações judiciais. Prevalece o entendimento de que a estatal representa muito mais do que os interesses dos seus acionistas minoritários, mas sim os do conjunto da sociedade, seja pelo fato de ser a nossa maior estatal, seja por sua importância para a economia do país. Uma mística nacionalista protege a empresa contra quem a desafia.
Direito anglo-saxão
Nos Estados Unidos, porém, tudo pode ser diferente. Por força de sua formação histórica, o direito inglês e de todos os países que adotaram o regime da common law, como os EUA, estruturara-se sobre princípios, categorias e conceitos distintos dos que vigoram na Europa continental e suas ex-colônias, como o Brasil.
O historiador Perry Anderson, no livro Passagens da antiguidade para o feudalismo (Brasiliense), destaca a importância das tradições do direito anglo-saxão na formação da Inglaterra; e como isso fez diferença em relação às demais nações do continente surgidas com a decadência do antigo Império Romano, cujas normas jurídicas fundiram-se com tradições germânicas.
A clássica distinção entre direito público e privado, própria da tradição romana, praticamente inexiste no direito anglo-saxão. O direito romano-germânico é estruturado no sistema da civil law, ou seja, baseado em leis. No Brasil, a legislação é codificada com base nesse sistema, em que as leis são atos normativos elaborados pelo Legislativo. Uma de suas características é a generalidade das normas jurídicas, aplicadas pelos juízes aos casos concretos.
O direito anglo-saxão é baseado no sistema da common law, proveniente de uma legislação que não está escrita. Esse tipo de direito representa o que se espera das partes. É possível dizer que o magistrado vai julgar individualmente cada caso, com suas particularidades, baseado no que seria a “média” dos lados envolvidos. No caso de um contrato, por exemplo, vale o que se espera de cada parte, e não o que a lei diria a respeito.
É aí que a presidente da Petrobras, Graça Foster, e o diretor financeiro, Almir Barbassa, além de outros executivos, estão enrascados. Também estão sendo processadas duas subsidiárias no exterior, a Petrobras International Finance Company, de Luxemburgo; e a Petrobras Global Finance BV, com sede na Holanda, que foram as companhias emissoras dos bônus, além de 15 instituições financeiras, como Morgan Stanley, HSBC Securites, e o Itaú BBA, garantidores dos valores mobiliários emitidos.
A alegação da cidade de Providence é que o município teve prejuízo ao investir em títulos da Petrobras, que perderam valor por causa das denúncias de corrupção e do consequente atraso da publicação do balanço do terceiro trimestre. A empresa não informou o mercado sobre o pagamento de propinas e o esquema de lavagem de dinheiro que ocorriam em sua administração.
Na Corte de Nova York, também correm as demais ações coletivas contra a petroleira. Esses investidores questionam perdas com as American Depositary Receipts (ADRs), que são recibos de ações da empresa brasileira listados na Bolsa de Valores de Nova York. A cidade de Providence, porém, alega perda com papéis de renda fixa, emitidos pela Petrobras no mercado internacional para financiar seu plano de investimentos no pré-sal.
Nos EUA, casos como esses devem ser julgados conforme o que está em contrato e ainda considerar o que se quis dizer com ele, ou seja, mesmo que os contratos sigam o direito romano-germânico, o julgamento das ações contra a Petrobras na Corte de Nova York pode obedecer o direito anglo-saxão, o que favorece os pequenos acionistas.
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