Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 10/12/2014
A Presidência não está acima do bem e
do mal. Esse é o recado que está sendo dado pela alta burocracia
(delegados, procuradores, auditores, juízes) que zela pela legitimidade
dos meios utilizados na política.
O golpismo é uma marca
registrada na política brasileira. Do ponto de vista institucional,
significa uma ruptura constitucional estribada nas Forças Armadas. Nem
sempre deu certo, apesar da frequência. Mas foi bem-sucedido em momentos
cruciais da história brasileira, como na Proclamação da República, que
“o povo assistiu bestificado”, na Revolução de 1930 e no golpe militar
de 1964.
Engana-se, porém, quem imagina que o golpismo é uma
característica apenas das forças políticas mais conservadoras. Ele está
impregnado na esquerda brasileira, como foi demonstrado em 1935, com os
levantes comunistas do Rio de Janeiro, Recife e Natal, e às vésperas do
golpe de 1964, quando se tramava a reeleição de João Goulart e a
“reforma agrária na lei ou na marra”.
Nesse último caso, ganhou
quem deu o golpe primeiro. Isso não justifica os 20 anos de ditadura que
o país atravessou, com sequestros, torturas e assassinatos. A luta
armada contra o regime militar, porém, também foi uma manifestação de
golpismo. Por quê? Era fruto de uma concepção militarista, que excluía o
povo do processo decisório e pretendia implantar uma ditadura do
proletariado.
Mesmo com apoio da população, o golpismo carece de
legitimidade. Os processos democráticos pressupõem o respeito às regras
do jogo e aos poderes constituídos. Quando a cúpula do PT fala em
golpismo, deve ter seus motivos, mas não parece que o problema real seja
a oposição derrotada nas urnas.
O que acontece é outra coisa.
Cada dia que passa surgem novas evidências de violações às regras do
jogo pelo PT e seus aliados. O segundo maior fornecedor da campanha de
Dilma Rousseff foi uma empresa laranja que já havia sido citada no
processo do mensalão; o governo gastou muito mais do que a Lei de
Responsabilidade Fiscal permitia para ganhar as eleições e omitiu o fato
mediante manobras contábeis; parte da propina do escândalo da
Petrobras, flagrada pela Operação Lava-Jato virou doação eleitoral.
Quem denuncia
Houve
um vale-tudo para ganhar a eleição. O PT argumenta que a oposição,
especialmente o PSDB, utilizou os mesmos métodos e que o jogo é jogado.
Cita o escândalo do metrô de São Paulo, que seria tão antigo ou mais do
que o da Petrobras. A tese é quase uma espécie de nos locupletamos
todos, já que não há moralidade.
A ameaça ao PT, porém, não vem
da oposição, apesar dos discursos e dos protestos, alguns realmente
golpistas, com objetivo de insuflar os quartéis. Na verdade, vem dos
órgãos de controle que apuram os malfeitos na República: Polícia
Federal, Ministério Público Federal, Controladoria-Geral da União (CGU),
Tribunal de Contas da União (TCU) e, agora, a auditoria do Tribunal
Superior Eleitoral (TSE), cujos técnicos propuseram a rejeição das
contas de campanha da presidente Dilma.
Mas voltemos à discussão
sobre o golpismo. A ideia de que a eleição da presidente da República
está acima das instituições republicanas é perigosa. Se fosse assim,
nenhum prefeito ou governador poderia ser cassado. Impeachment não é
golpe, cassação de mandado com base no devido processo legal também não.
Fazem parte das regras do jogo e são instrumentos de autodefesa das
instituições democráticas.
A presidência não está acima do bem e
do mal. Esse é o recado que está sendo dado pela alta burocracia
(delegados, procuradores, auditores, juízes) que zela pela legitimidade
dos meios utilizados na política. Mas ninguém está propondo o
afastamento da presidente Dilma Rousseff, recém reeleita pela maioria
dos brasileiros.
Na verdade, o país está sobressaltado,
principalmente, por causa da situação de descalabro na Petrobras. Como
se sabe, a estatal carrega grande simbolismo, nasceu de uma vitoriosa
campanha popular nacionalista. O próprio mundo político vive uma grande
expectativa com relação aos desdobramentos do escândalo na estatal,
devido ao suposto envolvimento de parlamentares, ministros e
governadores no esquema.
O PT, porém, numa coisa tem razão:
sempre houve corrupção na política. A diferença é que isso ocorria na
base da Lei de Murici, a máxima do coronel Tamarindo, que morreu
esquartejado pelos jagunços de Canudos: “Cada um cuida de si”. A
Operação Lava-Jato, entretanto, desnudou um esquema sistêmico de
envergadura, com um centro dirigente e muitas ramificações envolvendo
grandes empresas e partidos.
Um comentário:
"O PT, porém, numa coisa tem razão: sempre houve corrupção na política. A diferença é que isso ocorria na base da Lei de Murici, a máxima do coronel Tamarindo, que morreu esquartejado pelos jagunços de Canudos: “Cada um cuida de si”. A Operação Lava-Jato, entretanto, desnudou um esquema sistêmico de envergadura, com um centro dirigente e muitas ramificações envolvendo grandes empresas e partidos."
Esta é a questão!
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