Ministro do Planejamento do governo socialista de Salvador Allende (o presidente chileno deposto e morto por ordem do general Pinochet), o economista Carlos Matus virou um papa da administração pública. É dele o livro “Um líder sem estado-maior”, no qual compara os palácios de governo a jaulas de cristal: o governante fica isolado e prisioneiro da própria corte, não tem vida privada, está sempre na vitrine da opinião pública, obrigado a representar um papel que não tem horário. Não pode aparecer ante os cidadãos que representa e dirige como realmente é, nem transparecer seu estado de ânimo.
É mais ou menos o que está acontecendo com a presidente Dilma Rousseff. O caso Palocci parece condenar o governo a não ter cara própria. O governo está numa sinuca de bico: ou é tutelado pelo presidente Luiz Inácio Lula da Silva e seu antigo estado maior, ou fica inteiramente refém do PMDB e seus aliados de centro-direita. Tudo o que foi construído como a nova identidade do governo ruiu em três semanas de crise. As iniciativas no sentido de resgatar essa identidade acabam anuladas pela permanência do ministro no cargo.
Palocci era o ministro mais poderoso do governo, mais até do que o ministro da Fazenda, Guido Mantega, que tem a chave do cofre. As denúncias contra ele e erros na condução política da relação com o Congresso deixaram o governo descoordenado. O que se diz dentro e fora do governo é que não há um quadro na equipe de Dilma tão capaz como Palocci para exercer suas funções.
Talvez seja esse o erro de conceito, daqueles que condenam qualquer estratégia ao fracasso e transformam o gestor dinâmico num “burro operante”. Palocci concentrou a articulação política, a interlocução com os grandes empresários do país e a coordenação da equipe ministerial, enquanto a presidente da República mergulhava solitária no estudo dos problemas administrativos. Melhor opção seria a presidente da República sair da clausura, dedicar mais tempo às soluções do que aos problemas e organizar um verdadeiro estado-maior, com tarefas claras e melhor distribuídas.
A propósito, essa crise é puro non sense: a situação internacional se estabilizou, a inflação foi domada, o governo tem maioria acachapante no Congresso, não há nenhuma catásfrofe natural. A presidente Dilma está em xeque, mas basta mover a peça certa do tabuleiro para que a ameaça seja completamente neutralizada, ainda que o preço seja perder essa peça. É melhor do que subestimar o risco e sofrer um xeque-mate, que às vezes só ocorre muitos lances adiante.
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