Num regime democrático, todo ato administrativo tem repercussão eleitoral. Isso só não ocorre na ditadura, porque não há eleições livres
Por Luiz Carlos Azedo
Para o vice-procurador eleitoral Francisco Xavier, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva, e a ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Rousseff, não fizeram campanha eleitoral durante o Encontro Nacional de Novos Prefeitos e Prefeitas realizado em Brasília, em 10 e 11 de fevereiro. Segundo ele, o encontro foi suprapartidário e não caracterizou compra de voto por parte dos petistas, como alegou a oposição ao representar no Tribunal Superior Eleitoral. Agora, o ministro Arnaldo Versiani, relator do caso, fará sua interpretação sobre o caso e o levará ao plenário do TSE.
Até os mármores do Palácio do Planalto sabem que Dilma é candidata à sucessão de Lula em 2010. Alavanca sua candidatura por meio de eventos e solenidades oficiais, mas Xavier atribui o fato à imprensa, que trata a ministra como futura candidata, como acontece aqui nesta coluna, embora Dilma nunca tenha se apresentado formalmente como candidata. Os elogios de Lula à sua pessoa não configurariam propaganda irregular, argumenta. O caso será apreciado pelo TSE num momento em que a Justiça acaba de cassar dois governadores, o da Paraíba e do Maranhão, por uso irregular da máquina pública durante a campanha. O primeiro caso já transitou em julgado, o segundo ainda aguarda julgamento de recurso. E ainda há mais seis governadores na berlinda pelo mesmo motivo.
Nova jurisprudência está sendo construída nesse jogo de esconde-esconde da candidatura de Dilma e na apreciação dos casos dos governadores acusados de usar a máquina pública em proveito eleitoral. Será uma forma de aperfeiçoamento do nosso sistema democrático. Como tenho destacado aqui, o Brasil tem a maior democracia de massas do mundo, com voto direto, secreto e universal, eleições limpas e apuração quase instantânea. É um exemplo nesse aspecto. Mas, em contrapartida, enfrenta uma crise de representação política e degenerescência partidária que tem várias causas.
Uma delas, com toda certeza, é o uso generalizado da máquina pública nas eleições, impondo à sociedade um perfil de político “fazedor de obras” e “prestador de serviços”. Esses é que cada vez mais se elegem, em detrimento daqueles que conquistam o mandato graças ao “voto de opinião”, por suas ideias políticas, valores morais e comportamento ético. O político comprometido com o bem-comum, sem uma base eleitoral fisiológica, é uma espécie em extinção nas eleições proporcionais. O que emerge é o candidato com “estrutura”, que cada vez mais vê a política como “negócio”. O que fazer diante disso? Talvez a única reforma eficaz seja a adoção do voto distrital puro ou misto, mas não existe massa crítica no Congresso para isso.
O poder
O presidente Lula chegou ao poder sem ter feito uma carreira no Executivo, nem sequer no parlamento. Apostou seu futuro político no movimento sindical, na construção de um partido de base operária e na disputa de sucessivas eleições presidenciais. Deu certo. Contraditoriamente, no “governo de compromisso” que construiu, operou a cooptação política da maioria das lideranças sociais e empresariais e utilizou com maestria a máquina pública para se reeleger. Agora, com experiência adquirida, impõe de cima para baixo a candidatura da ministra Dilma, gerente do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) e mandachuva na Esplanada dos Ministérios.
Não faz nada muito diferente do que acontece nos governos estaduais e prefeituras do país, com maior ou menor cara de pau, numa franja da legislação eleitoral que não existe por acaso. Tanto o patrimonialismo, como o populismo, são práticas associadas ao Estado. O primeiro para privilégios das elites; o segundo, para cooptação da grande massa de eleitores. Qualquer governo, seja ele bom ou mau, se impõe à sociedade porque é a forma mais concentrada de poder. Enfeixa as atribuições essenciais do Estado: o poder “jurisdicional” de aplicar a lei; de impor tributos e arrecadar; e de usar a força para coagir. Numa eleição, é sempre uma força decisiva. Se for bom governo, será imbatível; se for um mau governo, aí então, pode ser derrotado. Isso virou quase uma regra com a reeleição.
Garantir a paridade de meios numa disputa eleitoral, portanto, não é nada fácil. Mas é para isso que existe a Justiça Eleitoral.No regime democrático, todo ato administrativo tem repercussão eleitoral. Isso só não ocorre na ditadura, porque não há eleições livres. De igual maneira, na democracia, existe imprensa livre para denunciar, dentre outras irregularidades, o uso indevido da máquina pública com fins eleitorais.
Publicado hoje na coluna Nas Entrelinhas do Correio Braziliense
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