Desperdiça-se a oportunidade de promover uma grande reforma urbana, o que exigiria maciços investimentos em transportes de messa na reurbanização das áreas ocupadas irregularmente
Por Luiz Carlos Azedo
O mais ambicioso projeto de alavancagem da candidatura
da ministra-chefe da Casa Civil, Dilma
Rousseff, à Presidência da República é a distribuição
de um milhão de casas populares, por meio de
um novo programa habitacional que promete colocar no
chinelo o velho programa de construção de grandes conjuntos
habitacionais do Banco Nacional da Habitação do
governo do general Emílio Médice, nos idos da década de
1970. É que seu impacto eleitoral pode ser muito maior do
que as obras de infraestrutura do Programa de Aceleração
do Crescimento (PAC), pois cria uma marca urbana para a
ministra, já que o Bolsa Família é a cara do presidente Luiz
Inácio lula da Silva e ninguém tasca.
Experiências
Lembro-me muito bem, por exemplo, da construção do
grande conjunto da Rua Dona Romana, no Engenho Novo,
no Rio, que mudou a demografia do bairro e, diga-se de passagem,
era uma opção de moradia só acessível aos assalariados
com carteira assinada, muito distante das possibilidades
dos moradores dos morros do São João e Barro Vermelho,
quase vizinhos. Era um programa habitacional voltado principalmente
para a baixa classe média, que acabou sufocada
pela inflação, a correção monetária e a alta dos juros. Por causa
da alta taxa de inadimplência, gerou uma dívida que hoje
chega a R$ 80 bilhões, como destacou, ontem, o nosso colega
Antônio Machado, na coluna Brasil S/A,aqui no Correio.
O governador Mário Covas, em São Paulo, graças a uma
lei que destinava 1% do ICMS à companhia estadual de habitação,
também realizou um grande programa de construção
de moradias no interior paulista, que eram sorteadas em
eventos muito concorridos. Mas nada disso teve tanto efeito
eleitoral como Projeto Cingapura, de Paulo Maluf, na Prefeitura
de São Paulo. Jogada de marketing de Duda Mendonça,
me recordo da impressão que causou o primeiro deles, numa
favela às margens do Rio Pinheiros, com o seu colorido
berrante, uma espécie de show room para a campanha vitoriosa
de Celso Pitta à sucessão do polêmico prefeito paulistano.
Apesar de condenado por arquitetos e urbanistas, o
projeto arquitetônico caiu no gosto dos moradores da periferia
porque representava um padrão de moradia muito superior aos barracos
ao seu redor. Funcionou perfeitamente na campanha eleitoral, mas
depois Pitta foi aquele desastre que se viu na prefeitura paulistana.
Polêmica
O PAC da Habitação, como está sendo chamado o programa habitacional
desta reta final do governo Lula, nasce polêmico por outros motivos.
O debate sobre sua concepção urbanista até agora não houve. A queda
de braço ocorre nos bastidores da relação do governo Lula com
a maioria dos governadores. Dilma passou por cima dos governos
estaduais e suas companhias habitacionais, negocia diretamente
com as prefeituras e impõe a elas uma espécie de renúncia fiscal
que, supostamente, contraria os limites constitucionais de redução
do ISS. Além disso, a intenção do governo é mobilizar as
grandes empreiteiras para construir e entregar as casas
antes das eleições de 2010.
É um programa voltado principalmente para os morros e
periferias das grandes cidades, onde o impacto do programa
Bolsa Família na qualidade de vida da população é amortecido
pelas péssimas condições de moradia e os custos elevados
da vida urbana caótica. Desde o Plano Real, no governo
Fernando Henrique Cardoso, com o barateamento do material
de construção, a ocupação irregular do solo sofreu grande
expansão. A autoconstrução consolidou favelas, loteamentos
e condomínios irregulares. Melhorou o padrão das
moradias, mas ao preço de um padrão urbano muitíssimo
abaixo daquele que caracterizou a formação dos bairros e
subúrbios das principais cidades do país.
O Ministério das Cidades recebeu mais R$ 20 bilhões para o
Fundo Nacional de Habitação de Interesse Social para a oferta
a preço de custo ou gratuita de casas aos mais necessitados,
como já anunciou a ministra Dilma. A romaria dos prefeitos
em busca desses recursos já começou, mas até agora não se viu
nada de realmente ambicioso e reformador para nossas cidades.
Desperdiça-se a oportunidade de promover uma grande
reforma urbana, o que exigiria maciços investimentos em
transportes de massa e na reurbanização das áreas ocupadas
irregularmente, com alargamento de ruas, construção de avenidas,
verticalização das moradias e remoção de moradores
em áreas de risco e de proteção ambiental. O reaproveitamento
das áreas degradadas dos grandes centros, que já dispõem
de boa infraestrutura urbana, também merece investimentos
maciços em projetos revolucionários, como fizeram cidades
como Nova York, Barcelona e Buenos Aires.
Publicado quarta-feira, 11 de março, na Coluna Nas Entrelinhas do Correio Braziliense
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