quarta-feira, 18 de março de 2009

Escolhas difíceis

Na verdade, a crise funciona como uma força centrífuga, que ameaça descolar alguns segmentos do governo quando seus próprios interesses estão em risco

Por Luiz Carlos Azedo

Com a chegada da crise ao Brasil, o presidente Luiz Inácio Lula da Silva está sendo obrigado a tomar decisões cada vez mais difíceis. É complicado agradar a todos os setores da sociedade cujo apoio atraiu com seu “governo de compromisso”.
Até recentemente, o governo conseguia representar os interesses políticos, econômicos e sociais aparentemente antagônicos. O prestígio do presidente e suas ações administrativas amorteciam os conflitos, por exemplo, entre sindicatos de trabalhadores e federações patronais, ou entre partidos fisiológicos da base e os setores mais ideológicos e programáticos do governo de coalizão. O crescimento econômico gerava trabalho e renda suficientes para que a sociedade suportasse a grande carga tributária. Os diversos atores envolvidos obtinham razoável nível de satisfação com a partilha dos recursos arrecadados pelo governo, o que influi o funcionalismo público e os milhões de beneficiados pelo Bolsa Família. Agora, a situação começa a se modificar.

Poupança
Talvez a mais emblemática decisão a ser tomada, neste momento que emerge com a crise, seja em relação à poupança, o mais popular investimento existente no mercado financeiro, cujos recursos são destinados ao Fundo de Garantia por Tempo de Serviço (FGTS) e à política habitacional. Num gesto surpreendente, que a só a confiança gerada pelos altos índices de popularidade pode explicar, o presidente Lula anunciou nos Estados Unidos que vai mudar o índice de remuneração da caderneta de poupança porque seus aplicadores começam a ganhar demais. Para evitar uma fuga dos grandes investidores dos fundos de investimentos para a poupança, o governo quer reduzir a rentabilidade do único investimento onde o povo que gasta menos do que ganha pode fazer o seu pé de meia.
A queda da taxa básica de juros (Selic) beneficiará a poupança em detrimento de outras aplicações, porque tem rendimento de 6% ao ano mais a variação da TR garantido por lei. O governo quer rever a rentabilidade da poupança a pretexto de reduzir a taxa Selic. Eis uma escolha que demonstra a dificuldade para manter um “governo de compromisso” quando interesses opostos em seu interior falam mais alto. O governo mexeu na poupança há dois anos para afastar grandes investidores desse tipo de aplicação. Agora, quer mexer de novo, mas faz isso porque precisa rolar a dívida interna e não para beneficiar o pequeno investidor. Quer vincular a poupança à Selic. Ou seja, quanto menor a taxa de juros, menor será o rendimento da poupança.

Centrífugas
Na verdade, a crise funciona como uma força centrífuga, que ameaça descolar do governo alguns segmentos com interesses em risco. Imagine uma máquina de lavar roupa na hora da secagem.
O movimento rotatório de seu tambor expele a água em excesso das roupas. É mais ou menos assim que funciona. Primeiro exemplo, o reajuste do funcionalismo: o governo prometeu, mas não tem como cumprir os acordos e pagar os aumentos.
Vejamos o segundo, as medidas provisórias editadas pelo governo para combater a crise econômica. Sob pressão dos lobbies empresariais, estão sofrendo modificações que favorecerão os interesses privados, em detrimento das políticas públicas. O governo resolveu fazer um Refis para pequenos devedores (até R$ 10 mil), está sendo obrigado a aceitar um Super-Refis que rolará as dívidas de todas as empresas que devem ao fisco, a perder de vista. O terceiro: o novo programa habitacional do Ministério das Cidades. O governo federal não se entende com os estados porque priorizou os municípios. É obrigado a escolher entre financiar a casa própria para a classe média, que tem dinheiro para pagar os empréstimos, ou para a população de baixa renda, que só pode fazer pagamentos simbólicos.
Mais um exemplo: a Embraer, que demitiu quatro mil funcionários depois de receber um grande financiamento do governo. A empresa sofre com a retração do mercado mundial, precisa reduzir a produção. Era demitir ou se endividar. O governo e a Justiça trabalhista pressionam a empresa para que readmita os empregados. A empresa só terá condições de fazer isso se o governo agir para que a produção seja absorvida pelo mercado interno. Entretanto, as empresas aéreas também sofrem com a crise e o próprio governo não tem caixa para comprar mais aviões da Embraer. A maior ameaça, porém, é a queda da arrecadação do governo, numa hora em que o gasto público é necessário para manter a economia aquecida. Mas que tipo de gasto?

Publicado hoje na coluna Nas Entrelinhas do Correio Braziliense

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