Os Estados Unidos eram o potencial
"inimigo principal". A eleição de Barack Obama,
porém, transforma essa preocupação numa espécie de delírio.
Por Luiz Carlos Azedo
No começo da semana passada, vestido para a guerra,
o ministro da Defesa, Nelson Jobim, depois de voar
duas horas em aviões da FAB, visitou o Pelotão de
Fronteira de Ipiranga, na divisa com a Colômbia,
acompanhado do chefe do Estado-Maior Conjunto das
Forças Armadas dos Estados Unidos, almirante Mike
Mullen, e sua comitiva. A visita teve por objetivo dar aos
militares ianques uma visão geral da estrutura
de Defesa brasileira na Amazônia. Mullen é o segundo
homem na hierarquia militar dos Estados Unidos.
Amazônia
Ciceroneados pelo comandante militar da Amazônia,
generalAugusto Heleno Ribeiro, os militares
americanos conheceram os problemas de logística
e as principais armas brasileiras para o combate
nas selvas e nas fronteiras: soldados de origem
indígena e búfalos. Sim, búfalos, perfeitamente
adaptados ao terreno, depois de pesquisas com
outros animais de cargas, como cavalos, jegues e mulas.
Eles conseguem transportar o equivalente ao seu peso,
e podem tracionar o dobro. Um búfalo adulto se
alimenta da própria selva e carrega a comida
consumida por 10 combatentes durante uma semana.
Isso significa autonomia operacional para uma patrulha
oupequeno grupo de artilharia por igual período.
Participaram da comitiva o embaixador dos Estados Unidos
no Brasil, Clifford Sobel, os comandantes da Marinha,
almirante-de-Esquadra Júlio Soares de Moura Neto; do
Exército, general-de-exército Enzo Martins Peri; e
da Aeronáutica,tenente-brigadeiro-do-ar Juniti Saito.
Em sua palestra,o general Heleno destacou que
a região não é para o mais forte, “é do mais sóbrio e
inteligente, que pode durar mais na
ação”. Detalhe: os búfalos foram usados pelos
vietcongs naGuerra do Vietnã.
Heleno, aquele general que protestou por causa
da demarcação em terras contínuas da reserva
indígena Raposa-Serrra do Sol, é considerado
oficial brilhante e exerce liderança na tropa.
Defende o deslocamento dos principais
efetivos das Forças para a Amazônia e também
pensa que o Brasil não deve subestimar os
históricos interesses “anglo-saxões” na região.
Talvez por isso, a fronteira escolhida para a
visita tenha sido a daColômbia, cuja aliança
militar com os Estados Unidos é estratégica,
por causa das FARC e do narcotráfico, e não
a da Venezuela,do nosso histriônico vizinho
Hugo Chávez. Por trás do eufemismo de
que o “inimigo pode ser qualquer um” do Plano
de Defesa Nacional do governo Lula, está a
ideia de que os Estados Unidos têm
olho grande na Amazônia. O Exército treina
soldados-índios e cria búfalos porque sabe
que nem a Marinha nem a Aeronáutica teriam
condições de enfrentar uma improvável
agressão norte-americana. Sem poder de
dissuasão, a única alternativa militar
seria a guerra de guerrilhas contra
uma eventual força de ocupação, principalmente
na Amazônia.Parece ideia de jerico, mas os
militares acham que tudo pode acontecer
daqui a 50 anos, com o esgotamentode
reservas de petróleo, manganês, urânio, nióbio e outros
minerais estratégicos cobiçados pelos Estados Unidos.
O Rubicão
O ministro Jobim é considerado o primeiro ministro da Defesa
de fato pela linha-dura do Exército. Homem de Estado,
foi o subrelator da atual Constituição brasileira e presidente
do Supremo Tribunal Federal. Se voltar para a advocacia
amanhã, terá o crédito de deixar como legado, juntamente
com o ministro Mangabeira Unger, um Plano de Defesa digno
desse nome, visando fortalecer a indústria bélica nacional
e construir um relativo “poder de dissuasão”. Nos bastidores,
Jobim compartilha as mesmas preocupações nacionalistas
de nossos militares. Mas o Plano foi elaborado num
cenário de deriva à esquerda da América Sul, em confronto
com a belicosa política externa do ex-presidente Bush. Os
Estados Unidos eram o potencial “inimigo principal”. A eleição
de Barack Obama, porém, transforma essa preocupação
numa espécie de delírio ultranacionalista.
É aí que surgem novas divergências em relação ao Plano
de Defesa, principalmente por causa da crise econômica,
envolvendo a autonomia dos comandos e as prioridades para
o reaparelhamento das Forças Armadas. Jobim resolveu
afirmar o Poder Civil e subordinar o Exército, a Aeronáutica e
a Marinha ao Estado-Maior Conjunto da Defesa, a quem caberia
elaborar o orçamento, estabelecer as prioridades para
o reaparelhamento militar e liberar recursos para os projetos
e licitações aprovados. O Alto Comando do Exército não
aceita a mudança, quer manter o orçamento próprio. Quem
lidera a "rebelião" é o comandante Militar do Leste, generalde-
exército Luiz Cesário da Silveira Filho, um remanescente
da antiga linha-dura do regime militar.
Publicado dia 8 de março na coluna Nas Entrelinhas do Correio Braziliense
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