É por causa do satélite de comunicações e do submarino nuclear que o presidente Lula prefere a parceria com a França, em detrimento dos Estados Unidos e da Rússia.
Por Luiz Carlos Azedo
Não existe nada que deixe um russo mais satisfeito com a hospitalidade brasileira do que um bom rodízio de churrasco regado a caipirinha. O risco é o convidado passar mal de tanto comer e beber. Nada mais natural, portanto, que o presidente Luiz Inácio Lula da Silva ofereça um banquete à gaúcha ao jovem presidente da Rússia, Dmitri Medvedev, sob a guarda do Cristo Redentor, no Palácio Guanabara, no Rio, tendo como co-anfitrião o governador Sérgio Cabral Filho (PMDB).
Rússia
Por trás da gastronomia, porém, há dois recados: o Brasil pretende comprar os “soviéticos” helicópteros de ataque MI-35, verdadeiros tanques voadores, mas quer que os russos ampliem as cotas de exportação para os produtos brasileiros, principalmente a carne. Ou seja, a cooperação militar com a Rússia depende da ampliação das relações comerciais de US$ 5 bilhões para US$ 10 bilhões e, principalmente, de uma política de transferência de tecnologia na área militar, à qual os russos são reticentes. Eles argumentam que isso exigiria uma escala de compras de armamentos semelhante às da China e da Índia, o que não é o caso brasileiro.
Oficialmente, no Ministério da Defesa, essa é a razão de o Brasil ter desclassificado os mais versáteis aviões de caça da atualidade, o Sukhoi SU-35, na licitação para renovação da esquadrilha de ataque da Força Aérea Brasileira. Os helicópteros russos, porém, são eficientes e robustos, têm tecnologia menos sofisticada e servirão de pau para toda obra na Amazônia. Além disso, os russos topam produzir no Brasil as peças de reposição. A compra dos aviões russos, diga-se de passagem, foi uma das causas da queda do ex-ministro da Defesa José Viegas Filho.
O governo brasileiro acendeu uma vela para Deus e outra para o diabo. Ao rejeitar os Sukhoi na habilitação para a licitação, sinalizou aos norte-americanos que vai manter a cooperação com os russos em termos moderados, ao contrário da Venezuela de Hugo Chávez ; ao mesmo tempo, abriu a porta para a compra de novos caças franceses Rafaele F 3 em substituição aos velhos Mirages. O problema é que os pilotos brasileiros preferem os F-18 E norte-americanos. Aliás, recentemente, com os F-5 recauchutados da FAB, deram um baile nos pilotos franceses durante exercícios aéreos conjuntos da Cruzex IV em que derrubaram os Mirage2000 baseados na Guiana Francesa. O ministro da Defesa, Nelson Jobim, por razões geopolíticas, não esconde a torcida pelo Rafaele; o comandante da Aeronáutica, Junit Saito, por razões militares, prefere os aviões ianques.
França
No governo, quem defende maior cooperação com a Rússia é o ministro da Secretaria de Assuntos Estratégicos, Mangabeira Unger, por causa do futuro da Amazônia, da qual os russos estão mais distantes. Mas o que avança mesmo é a cooperação militar com a França (que tem um pedaço do território no subcontinente), na qual Jobim aposta todas as suas fichas. Haveria de parte dos franceses mais disposição para a transferência de tecnologias do que revelam norte-americanos e russos. Além dos aviões, os franceses querem nos vender um novo satélite de comunicações, que deixaria o Brasil livre da dependência em relação aos norte-americanos nessa área. Em tempos de “guerra eletrônica”, durante visita à França, Jobim se encantou com o projeto de “soldado do futuro” (infantaria com comunicação e equipamentos integrados), utilizando veículos blindados leves de transportes de tropas como ponto de apoio para “guerra em rede”.
Porém, a menina dos olhos da cooperação militar Brasil-França é a transferência de tecnologia para a construção do submarino nuclear que está sendo desenvolvido pela Marinha brasileira. Em termos doutrinários, para os militares, nosso país não terá “poder de dissuasão” para defender a plataforma continental e a chamada “Amazônia Azul” sem esse submarino, capaz de submergir por longos períodos e atacar de surpresa à longa distância da costa. Os ciclos de construção do seu reator nuclear e do combustível (urânio enriquecido) estão dominados, mas falta o principal em qualquer embarcação: o casco. O Brasil precisa construir os enormes anéis do casco e soldá-los; a França se dispõe a fazer isso por aqui, num estaleiro preparado para transferir tecnologia. É por causa do satélite e do submarino nuclear que o presidente Lula prefere a parceria com a França, em detrimento dos Estados Unidos e da Rússia. De quebra, deixaria o Brasil de fora da histórica rivalidade entre os dois protagonistas da antiga Guerra Fria. Tudo isso, é claro, se uma recessão mundial não atrapalhar.
Publicado hoje na coluna Nas Entrelinhas do Correio Braziliense
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