Como os grandes bancos na crise, os grandes partidos não querem apenas fazer alianças, querem engolir os pequenos. Com o poder central em disputa, o resto é conseqüência
Por Luiz Carlos Azedo
A crise mundial é uma “externalidade negativa” na linguagem dos economistas. Ou seja, uma variável fora de controle, para a qual é necessário adotar medidas capazes de neutralizar seus efeitos, já que é impossível evitá-los. A marolinha deixou de ser ameaça, virou agressão ao consumo, ao crédito, à produção e ao emprego no Brasil. O presidente Luiz Inácio Lula da Silva pôs as barbas de molho. A equipe econômica já não se entende sobre a taxa de juros. Em outras circunstâncias, a política econômica estaria “blindada” e interditada ao debate político. Mas são os políticos que comandam, neste final de semana, na reunião do G-20 em Washington, a operação de salvamento da economia mundial.
O governo
O presidente Lula edita uma medida provisória atrás da outra para neutralizar os efeitos da crise. Criou linhas de créditos para comprar carteiras de bancos, com imunidade judicial para os operadores dessas aquisições. Outra medida provisória permite ao Banco do Brasil e à Caixa Econômica salvar instituições financeiras, montadoras e construtoras. O Banco Central opera diariamente no mercado financeiro e na Bolsa para controlar a cotação do dólar e manter os investimentos estrangeiros. O crédito, porém, não chega aos médios e pequenos empresários na velocidade necessária; os consumidores estão retraídos, mais preocupados com a liquidação das dívidas; as empresas puxam o freio de mão dos investimentos e contratações.
Nesse ambiente, os políticos aliados do governo Lula e a oposição fazem planos para a sucessão presidencial em 2010. Há três cenários, todos contingenciados pela tal “externalidade negativa”. O mais otimista acredita num desfecho positivo das medidas adotadas pelos governos europeus, da China e de outros países asiáticos, mas, sobretudo, por ações do presidente eleito dos Estados Unidos, Barack Obama, após a posse. Nesse cenário, o presidente Lula mataria a bola no peito e faria um gol de placa: a crise seria debelada no Brasil. A ministra-chefe da Casa Civil, Dilma Roussef, à frente do nosso “New Deal” (o vitorioso programa de investimentos públicos que tirou os Estados Unidos da Grande Depressão na década de 30), no caso o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), chegaria a 2010 como candidata favorita. Esse é o Plano A do governo Lula.
O cenário mais pessimista é imaginado pela turma do “quanto pior melhor”. A crise mundial seria uma nova depressão econômica, com os governos dos países desenvolvidos tentando transferir os prejuízos para a periferia, como sempre aconteceu. A crise chegaria ao Brasil com toda força: deterioração dos fluxos cambiais, com um rombo na conta corrente de comércio exterior devido à redução dos preços e das vendas de commodities; e déficit fiscal galopante, em razão da queda de arrecadação e despesas ascendentes com pessoal sugando os recursos para os investimentos do PAC. Nesse ambiente, Lula terminaria o governo como “pato manco”. Os governos de São Paulo e Minas também seriam engolidos pela crise. Estaria aberto o espaço para um candidato outsider descolado do establishment.
Os partidos
O terceiro cenário, diria o falecido João Saldanha, “é mais ou menos”: recessão controlada nos Estados Unidos, Europa e Ásia, com certo nível de atividade econômica nos países emergentes, alavancados pelo crescimento moderado da China. Nesse contexto, a sucessão de 2010 seria uma disputa aberta, na qual a situação da economia neutralizaria o peso da máquina pública e o prestígio pessoal de Lula. Uma disputa onde os partidos, seus políticos e a política propriamente dita teriam mais autonomia em relação ao governo federal.
Como o Supremo Tribunal Federal (STF) confirmou a cassação dos mandatos dos deputados que trocaram de partido, precipitou-se o reagrupamento de forças políticas para sucessão de 2010. Fala-se muito em reforma política, mas os grandes partidos estão interessados em duas coisas apenas: o fim das coligações nas eleições proporcionais e novo prazo para a troca de partidos. Como os grandes bancos na crise, os grandes partidos não querem apenas fazer alianças, querem engolir os pequenos. Com o poder central em disputa, o resto é conseqüência.
Um deputado para ser eleito, com raríssimas exceções, precisa dos votos de legenda para atingir o quociente eleitoral. Caso o Congresso aprove o fim das coligações, muitos ficarão em risco eleitoral. Isso cria um dilema: ou o parlamentar fica no partido, e corre risco de não ser eleito; ou migra para outro partido, onde pode se eleger. Por isso, há dois movimentos: um é dos políticos em risco eleitoral que buscam uma solução individual; o outro, dos partidos ameaçados de esvaziamento, que tentarão encontrar uma saída coletiva por meio de fusões e incorporações.
Publicado na coluna Nas Entrelinhas, hoje, no Correio Braziliense.
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