Correio Braziliense - 17/062015
O debate sobre a maioridade penal, assim a como a discussão sobre a pena de morte, ressurge nas sociedades nos momentos de esgarçamento do tecido social e de crise econômica, que elevam as estatísticas de violência e criminalidade
Ao criticar a proposta de redução da maioridade penal para 16 anos, o ministro da Justiça, José Eduardo Cardozo, classificou os presídios do país como “verdadeiras escolas do crime”. Durante audiência pública na Câmara, argumentou que não é razoável colocar adolescentes dentro de penitenciárias com criminosos experientes, que, de acordo com o ministro, comandam das cadeias boa parte da violência registrada no Brasil.
O tema está na ordem do dia porque tramita na Casa uma proposta de emenda à Constituição (PEC) que reduz para 16 anos a idade mínima para responsabilização criminal. O texto está sob análise de uma comissão especial e o presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), pretende pô-la em votação até o fim de junho.
“Boa parte da violência que temos na nossa sociedade, dos crimes, das drogas, das situações que atingem profundamente nossa vida cotidiana e aterrorizam o cidadão, é comandada de dentro dos presídios. Ora, o que vamos fazer, então? Colocar adolescentes dentro dos presídios para serem capturados por essas organizações criminosas?”, indagou.
A declaração reflete uma opinião sincera de advogado militante em defesa dos direitos humanos; porém, o governo federal subinveste na construção de presídios, na recuperação de menores infratores e na proteção às crianças e adolescentes em situação de risco.
O Brasil tem a terceira maior população carcerária do mundo, com 716 mil detentos, perde apenas para os Estados Unidos (2,2 milhões) e a China (1,7 milhão), dois exemplos que complicam as análises simplistas de que o problema seria apenas decorrência da pobreza (o primeiro é o país mais rico do mundo) ou falta de controle de natalidade (a China proíbe aos casais de terem mais de um filho há décadas).
Os criminalistas contrários à mudança argumentam que nos 54 países que reduziram a maioridade penal não houve redução da violência. Alemanha e Espanha chegaram a fazê-lo, porém, diante dos resultados, voltaram ao universo dos países que estabeleceram a idade mínima em 18 anos, que são 70% das nações.
Talvez seja melhor fechar o foco na relação entre a violência e a criminalidade. O debate sobre a maioridade penal, assim a como a discussão sobre a pena de morte, ressurge nas sociedades nos momentos de esgarçamento do tecido social e de crise econômica, que elevam as estatísticas de violência e criminalidade. É uma reação natural da sociedade quando o Estado perde o monopólio da violência.
A violência
No Brasil, a violência historicamente faz parte do cotidiano, embora o mito do “homem cordial” mascare essa dura realidade. Essa violência decorre em parte de nossa histórica iniquidade social, como demonstrou Euclides da Cunha ao retratar os jagunços de Antônio Conselheiro (Os Sertões). Basta ler o livro-reportagem Abusado — o dono do Morro Dona Marta, do jornalista Caco Barcelos, para ver como o ser humano raçudo dos cafundós do Brasil migrou para as favelas dos nossos grandes centros urbanos, mas continuou abandonado à própria sorte.
Nesse ambiente, o crime organizado explora três condições favoráveis: uma base territorial com topografia adequada, uma fonte permanente de financiamento (o tráfico de drogas) e uma base social consolidada, na qual crianças e adolescentes são recrutados. Os números demonstram a gravidade do problema: somos o 6º país com mais mortes de crianças e adolescentes a cada 100 mil habitantes, na mesma faixa etária, com 17 mortes, atrás de El Salvador (27), Guatemala (22), Venezuela (20), Haiti (19) e Lesoto (18).
Contra 2,9 mil que cometeram algum crime contra a pessoa, há 11 mil assassinatos de jovens por ano (2012), ou seja, 30 crianças assassinadas por dia. Nossos jovens em situação de risco — a maioria formada por negros, pardos e mulatos — são mais vítimas do que infratores.
Crimes de grande repercussão, como o brutal assassinato de um médico a facadas por jovens delinquentes, quando andava de bicicleta na Lagoa, no Rio de Janeiro, chocam a opinião pública e, muito justamente, incendeiam o debate sobre a maioridade penal, mas as estatísticas mostram que apenas 13,3% dos adolescentes presos cometeram algum crime contra as pessoas, sendo 9% por homicídio. A esmagadora maioria cumpre pena por roubo (38%) e tráfico de drogas (27,1%).
Se as autoridades reconhecem que a criminalidade é comandada dos presídios, é preciso atuar nas duas pontas: de um lado, evitar que crianças e adolescentes em situação de risco sejam atraídas pelas organizações criminosas; de outro, criar condições para que a maioria dos jovens infratores em regime interno, semi-interno ou de liberdade assistida tenham condições efetivas de recuperação. Mas o que acontece não é isso.
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