Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 04/06/2015
O BNDES financiou US$ 11,9 bilhões em obras
tocadas no exterior por empresas brasileiras, com recursos do Fundo de
Amparo ao Trabalhador (FAT)
O modelo de “capítalismo de estado” adotado no segundo mandato de
Lula e no primeiro mandato da presidente Dilma Rousseff era a base de
sustentação do projeto de longa permanência do PT no poder, seja pela
aliança com grandes grupos empresariais, seja pela capacidade de
financiamento eleitoral que o partido passou a ostentar. Desde a
reeleição de Lula em 2006, mas principalmente eleições de 2010, foi com
espanto que a oposição e mesmo os aliados do PT sentiram o peso das
campanhas milionárias dos candidatos petistas.
Esse modelo começou a entrar em colapso com as investigações da
Operação Lava-ato, que desnudaram o escândalo de superfaturamento e
farta distribuição de propinas na Petrobras. Orgulho nacional, a empresa
foi usada e abusada como fonte de financiamento eleitoral, por meio de
uma triangulação que passava por 27 empresas fornecedoras de serviços e
contratadas para execução de obras. Hoje, o Ministério Público acusa o
PT de utilizar as doações eleitorais para supostamente lavar dinheiro
sujo de obras superfatruradas ou provenientes de serviços não prestados à
empresa.
O outro braço de sustentação do modelo petista, batizado pela
presidente Dilma Rousseff de “nova matriz econômica”, começa a ter que
prestar contas à opinião pública de sua atuação. É o BNDES, responsável
pelo financiamento bilionário de grandes grupos econômicos, no Brasil e
no exterior. São os chamados “campeões nacionais”. Ontem, acatando
decisão do Supremo Tribunal Federal (STF), o Ministério da Indústria e
Comércio retirou o caráter sigiloso das informações sobre operações de
financiamento do BNDES no exterior e a diretoria de banco divulgou pela
primeira vez um relatório com informações mais detalhadas sobre o
assunto.
Foi o desfecho de uma queda de braço com o Tribunal de Contas da
União (TCU) e o Congresso Nacional, que por iniciativa da oposição
chegou a aprovar uma lei de transparência para as operações do banco,
mas a presidente Dilma Rousseff vetou a nova legislação. Por ironia, o
BNDES havia recorrido ao Supremo para manter o sigilo, mas levou uma
resposta negativa da Corte, que determinou a abertura da caixa preta.
Transparência
Soubemos, então, que o BNDES financiou US$ 11,9 bilhões em obras
tocadas no exterior por empresas brasileiras, com recursos do Fundo de
Amparo ao Trabalhador (FAT). As operações fazem parte do segmento
“exportações de serviços”, em que as empresas brasileiras que vencem
licitações no exterior levam junto o crédito barato para o país que
contrata a obra. Os juros são mamão com açúcar: de 4% a 6% ao ano.
No
Brasil, atualmente, o financiamento mais barato do BNDES para a área de
infraestrutura é o do Programa de Investimento em Logística (PIL), a 7%
ao ano. Os prazos de pagamento começam em 120 meses — 10 anos —, mas
podem chegar a 25 anos. E, de modo geral, as garantias são dadas pelo
próprio Tesouro brasileiro, por meio de um seguro de crédito do Fundo de
Garantia às Exportações (FGE).
Entre os negócios, Andrade Gutierrez faz um corredor rodoviário em
Gana. O financiamento é de 2,8% ao ano, com 234 meses de prazo de
pagamento. Na América Central, Honduras obteve um financiamento de US$
145 milhões com taxa de 2,83% ao ano, a cargo da OAS. O porto de Mariel,
em Cuba, recebeu US$ 642,97 milhões, pelos quais Cuba paga entre 4,4% e
7% de juros. Já a Venezuela obteve 20% dos empréstimos, entre 2007 e
2015, para quatro obras, com juros menores, entre 3,45% e 4,45%.
Algumas empreiteiras investigadas na Operação Lava-Jato lideram o
ranking dos projetos beneficiados pelos financiamentos. A Odebrecht
recebeu apoio de US$ 8,2 bilhões, 69% de todos os recursos, para
financiar 69 obras. A Andrade Gutierrez ficou com US$ 2,81 bilhões para
quatro obras, enquanto a Queiroz Galvão recebeu US$ 388,85 milhões para
19 projetos; a OAS, US$ 354,3 milhões para três obras; e a Camargo
Corrêa, US$ 255,6 milhões para nove empreendimentos. Além dos contratos
internacionais, foram postos no site do BNDES 1.753 operações domésticas
no valor de R$ 320 milhões.
Camargo Correa, Andrade Gutierrez, JBS, Queiroz Galvão, OAS, Banco
BMG e Galvão Engenharia doaram aproximadamente R$ 496 milhões para
candidatos e partidos em 2010. Nas eleições passadas, somente a JBS,
detentora das marcas de alimentos Friboi e Seara, doou ao todo R$ 352
milhões, segundo o Tribunal Superior Eleitoral (TSE), dos quais R$ 69,2
milhões foram destinados à campanha de Dilma à reeleição. Também
desembolsou R$ 61,2 milhões aos postulantes a uma vaga na Câmara dos
Deputados e R$ 10,7 milhões aos candidatos ao Senado.
O discurso do PT
contra o financiamento privado de campanha tornou-se, por isso mesmo,
uma espécie de vacina contra as acusações feitas contra o partido, que é
o que mais tem se beneficiado das doações de empresas.
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