Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 03/05/2-14
Os “donos” da bola não assumem que
seus verdadeiros objetivos estão muito distantes do espírito esportivo
do Barão de Coubertin. As entidades esportivas padecem dos mesmos
males da nossa política: fisiologismo, nepotismo e patrimonialismo.
Nas democracias ocidentais, grosso
modo, há duas grandes definições de dualidade política: uma é a
clássica divisão entre direita e esquerda, tão enfatizada pelo jurista
italiano Norberto Bobbio, que vem da Revolução Francesa; a outra, tem
origem no Segundo Império Alemão e na República de Weimar, é de autoria
do alemão Max Weber, um dos pais da sociologia moderna, e separa a
política entre os que a vêem como “negócio” e aqueles que a vêem como
“bem comum”.
No Brasil, como tudo é mitigado, a direita não se assume
como tal, a esquerda no poder adotou o programa social-liberal e todos
os políticos dizem defender o bem comum. Ninguém admite que faz política
como negócio, embora nos bastidores do Congresso não se faça outra
coisa.
É mais ou menos o que também acontece com o futebol, a
nossa grande paixão nacional, e com os demais esportes olímpicos, onde a
política e os negócios se misturam. Os “donos” da bola não assumem que
seus verdadeiros objetivos estão muito distantes do espírito esportivo
do Barão de Coubertin. As nossas entidades esportivas padecem dos mesmos
males da nossa política: fisiologismo, nepotismo e patrimonialismo. Mas
tudo pode ser ainda pior.
Existe um engessamento do sistema partidário
brasileiro, que obstrui a renovação e desconsidera a maioria da
sociedade, mas as nossas eleições são democráticas e à prova de fraudes,
o voto popular ainda consegue se impor diante do poder econômico nas
eleições majoritárias. Nos esportes, porém, o sistema é completamente
dominado pela cartolagem, atletas não têm direito de voto, a
transparência não existe e a situação da maioria dos clubes é
calamitosa. A democracia não chegou ao esporte, cuja estrutura atual é
um entulho autoritário, tomado por relações mafiosas.
Sim, o
futebol e outras modalidades são tratados como grandes negócios pelos
cartolas. Essa é uma realidade da qual não se pode mais escapar, porque o
esporte como entretenimento foi globalizado e virou uma indústria
poderosíssima, que produz conteúdos multimídia para todos os veículos de
comunicação de massa. A televisão a cabo, por exemplo, não seria capaz
de ocupar sua grade de programação sem o esporte.
Na era digital,
oferece beleza, criatividade, emoção, sensualidade e outros atributos
positivos que o marketing esportivo procura associar aos bens de consumo
de toda sorte, do material esportivo aos automóveis, dos alimentos à
perfumaria. Seja pela promoção de eventos ou torneios, seja pelo apoio e
patrocínio a clubes esportivos, grandes empresas e marcas líderes
privilegiam o esporte, seus melhores atletas e clubes, para vender seus
produtos. E a mídia, de um modo geral, tem no esporte conteúdo de
produção relativamente barata e uma fonte quase inesgotável de
financiamento.
O padrão Fifa
Os Estados
Unidos lideram esse negócio, especialmente no basquete, futebol
americano, beisebol e hóquei, com bilionárias ligas nacionais; seguido
pelo futebol europeu, sobretudo o inglês, o espanhol e o italiano. No
Brasil, o esporte também já é um grande negócio, mas padece de uma visão
amadorística de dirigentes esportivos e empresários.
Os escândalos
envolvendo clubes, federações, empresas de marketing esportivo e até
atletas e treinadores são a prova de que ainda estamos no estágio da
“acumulação primitiva”. Mesmo assim, nos projetamos como protagonistas
do esporte globalizado, com a realização da Copa do Mundo de Futebol, no
ano passado, e as Olimpíadas do Rio de Janeiro, marcadas para o próximo
ano.
O escândalo da Fifa lança um foco de luz sobre o submundo
desse grande negócio e suas relações com a política. Na medida em que o
futebol começou a ganhar popularidade nos Estados Unidos, as autoridades
americanas passaram a investigar seu modus operandi, o que resultou na
prisão de sete dirigentes da Fifa, entre eles o ex-presidente da
Confederação Brasileira de Futebol, José Maria Marín.
Ontem, o
presidente da Fifa, Joseph Blatter, que havia sido reeleito pela quinta
vez no sábado, renunciou ao cargo e convocou novas eleições para a
entidade. Depois de acusar os Estados Unidos de tentar interferir
indevidamente nas eleições da entidade, com o apoio ostensivo do
presidente russo, Vladimir Putin — em razão da Copa do Mundo de
2018, que será realizada na Rússia —, Blatter jogou a toalha: soube que
está realmente sendo investigado pelo FBI, que dispõe de ilimitado poder
de fiscalização sobre operações financeiras realizadas nos Estados
Unidos ou por empresas com sede naquele país, em qualquer lugar mundo.
Não
será surpresa, portanto, se o atual presidente da CBF, Marco Polo Del
Nero, acabar no olho do furacão. O senador Romário está em vias de
instalar a CPI que vai investigar a CBF e vibrou com a renúncia de
Blatter. A presidente Dilma Rousseff já mandou recado de que Del Nero
não conta com seu apoio. O cartola era homem de confiança de Marín e
apoiou a reeleição de Blatter.
A pedido do FBI e da Interpol, a Polícia
Federal já investiga dirigentes, empresários e empresas envolvidos no
escândalo. Pode ser que isso resulte numa reforma estruturante do
futebol e do mundo esportivo no Brasil, mas isso, como sempre, vai
depender dos nossos políticos, que costumam proteger os cartolas que os
apoiam, quando não são um deles.
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