Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 24/06/2015
Com a popularidade baixíssima, Dilma não tem como enfrentar a
situação criada por Lula sem correr grave risco de desestabilização
política. As críticas do ex-presidente da República estão levando o PT à oposição
Na Constituinte da fusão da
Guanabara com o antigo Estado do Rio, o líder do então MDB, amplamente
majoritário na Casa, era o deputado fluminense Cláudio Moacir, com
reduto eleitoral em Macaé. Seu estilo era uma mistura de populismo
trabalhista com esperteza pessedista, as duas grandes correntes que
controlavam a legenda, lideradas, respectivamente, pelo ex-governador
Chagas Freitas e o senador Ernani do Amaral Peixoto.
O novo estado era
governado pelo almirante Faria Lima, um interventor nomeado pelo
general-presidente Ernesto Geisel, e tinha como líder do governo uma
lacerdista histórica, Sandra Cavalcanti, da Arena. Não demorou muito
para que os emedebistas fizessem um acordo velado com o governador e
Sandra renunciasse ao cargo, dando lugar a um deputado ligado a Chagas
Freitas. Indagado sobre a posição de sua bancada acerca do governo,
Cláudio Moacir me confidenciou: “Vamos adotar a tática do bigode: na
boca, mas do lado de fora”.
Lembrei-me da Constituinte da fusão,
instalada em 1975, porque foi nela que estreei como repórter político,
no antigo Diário de Notícias, à época, o jornal de preferência dos
professores e dos militares cariocas. E as recentes críticas do
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva à presidente Dilma Rousseff
sinalizam um reposicionamento tático semelhante à manobra fisiológica de
Cláudio Moacir.
O petista continua sendo o político mais poderoso junto
ao governo, mesmo sem mandato, mas começa a se pronunciar como quem
está politicamente fora dele. Ontem, ao participar de reunião com
integrantes do Comitê Organizador dos Jogos Olímpicos Rio-2016, no Rio
de Janeiro, Dilma acusou o golpe: “Eu acho que todo mundo tem o direito
de criticar. Mais ainda o presidente Lula. Até porque ele é muito
criticado por vocês”. A petista não respondeu se concorda ou não com a
fala dele, mas sabe que o líder petista não é qualquer um.
Desde
que a Operação Lava-Jato chegou ao andar de cima, como se diz, e agora mais ainda, com a
prisão dos donos e executivos das empreiteiras Odebrecht e Andrade
Gutierrez, o ex-presidente da República vem subindo o tom das críticas
ao governo e ao PT. Num encontro com religiosos, não teve papas na
língua ao falar mal de Dilma; depois, numa reunião do Instituto Lula,
desceu o sarrafo no próprio partido: “Eu acho que o PT perdeu um pouco a
utopia. Hoje, a gente só pensa em cargo, em emprego, em ser eleito.
Ninguém trabalha mais de graça”, afirmou. Para ele, a sigla não mobiliza
multidões, a não ser em troca de dinheiro, se afastou da juventude e
está diante de uma encruzilhada. “Temos que definir se queremos salvar a
nossa pele e os nossos cargos ou se queremos salvar o nosso projeto.”
A desestabilização
Qual
projeto? O lulismo tem uma narrativa que, dependendo do tema ou da
situação, alterna “nós contra eles”, “pobres contra ricos”,
“trabalhadores contra patrões”, “esquerda versus direita”, “patriotas
contra entreguistas”, mas nunca teve um projeto claramente definido.
Quando Lula assumiu o poder, até a eclosão da crise mundial, manteve os
fundamentos da política econômica que herdou do governo de Fernando
Henrique Cardoso.
Deu uma cara própria ao seu governo ampliando a escala
das políticas de transferência de renda com o programa Bolsa Família.
Em meados do segundo mandato, ao adotar as chamadas “medidas
anticíclicas”, deu início à política econômica de forte expansão do
crédito e do consumo e de investimentos maciços na construção civil e no
setor de energia, depois chamada de “nova matriz econômica” por Dilma.
Adotou-se
uma espécie de “capitalismo de Estado” revisitado, que serviu de fonte
de financiamento eleitoral para o PT e seus aliados, até eclodir o
escândalo da Petrobras. O modelo está indo para o brejo. Uma incrível
sequência de medidas equivocadas e mal planejadas na condução da
economia, como o congelamento de preços dos combustíveis, a redução das
tarifas de energia e a baixa forçada da taxa de juros, num ambiente
externo desfavorável, trouxe de volta a inflação, a estagnação e o
desemprego.
Logo após assumir o segundo mandato, Dilma foi obrigada a
dar um cavalo de pau na economia, com o ajuste fiscal e a alta dos
juros, e terceirizou a condução política do governo, entregue ao
vice-presidente, Michel Temer, que hoje é uma espécie de fiador da
governabilidade. Lula tenta se desvencilhar dos desgastes do
governo, mas é impossível fazê-lo sem desencarnar do PT, cujo
envolvimento no escândalo da Petrobras começa a contaminar a imagem do
petista.
Com a popularidade baixíssima, Dilma não tem como enfrentar a
situação criada por Lula sem correr grave risco de desestabilização
política. As críticas do ex-presidente da República estão levando o PT à oposição cada vez
mais aberta à condução do governo; por sua vez, isso aumenta o poder de
barganha do PMDB e a tendência da legenda a impor a sua própria agenda
no Congresso. É aí que a tática do bigode pode ser um desastre total,
porque todos os partidos aliados gostariam de adotá-la, ou seja,
usufruir do bônus de participar da coalizão governista e deixar para
Dilma o ônus do mau governo.
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