Correio Braziliense - 28/01/2015
Dilma tenta convencer a opinião pública de que as recentes medidas adotadas pelo novo ministro da Fazenda, Joaquim Levy não são uma ruptura com a política executada no mandato passado
Lembram-se daquela musiquinha de Alice no país das maravilhas? Chama-se Um mundo só meu. A letra começa assim: “Se esse mundo fosse só meu, tudo nele era diferente!/Nada era o que é porque tudo era o que não é/E também tudo que é, por sua vez, não seria./E o que não fosse, seria. Não é?/No meu mundo você não diria: ‘Miau’/Diria: ‘Sim, dona Alice!’”.
Esse foi mais ou menos o sentido do discurso de Dilma Rousseff na reunião ministerial de ontem, na qual conclamou os ministros a travar a batalha da comunicação para convencer a população de que a imprensa não fala a verdade quando trata dos problemas do país. Como se os cidadãos fossem gatinhos, flores e passarinhos de um mundo encantado.
“Nós devemos enfrentar o desconhecimento e a desinformação sempre e permanentemente. Não podemos permitir que a falsa versão se crie e se alastre. Reajam aos boatos, travem a batalha da comunicação. (…) Sejam claros, sejam precisos, façam-se entender”, disse Dilma, em discurso transmitido por tevê e rádio do governo.
Dilma tenta convencer a opinião pública de que as recentes medidas adotadas pelo novo ministro da Fazenda, Joaquim Levy, nas áreas econômica, tributária, social e trabalhista não são uma ruptura com a política de expansão do gasto público e do consumo executada durante o seu mandato anterior.
Bastava olhar a fisionomia dos ministros ao ouvir o discurso para perceber que nem eles acreditam nisso. A fala presidencial foi pautada pelo marketing da campanha eleitoral, com a diferença de que não existe horário eleitoral gratuito para embrulhar o peixe do marqueteiro João Santana.
Em determinado momento, nem Dilma parecia convicta do que estava falando, a ponto de se irritar com o assessor responsável pelo teleprompter, equipamento acoplado à câmera de tevê que permite ao orador ler um texto. Depois de dar uma bronca pública no coitado, pedindo que exibisse o texto mais rapidamente, a presidente ameaçou ler o discurso no papel. Foi uma espécie de anticlimax retórico da reunião.
O ajuste
Dilma pediu aos ministros que digam que não houve recuo naquilo que foi apresentado na campanha eleitoral. “Vamos dizer a cada cidadão que não alteramos um só milímetro nosso projeto da eleição. Nosso povo votou em nós porque acredita que somos os mais indicados para fazer, porque acredita na nossa honestidade de propósitos.”
Na narrativa da presidente da República, não existe autocrítica. Tudo o que foi feito pelo governo visou o bem do país e foi devidamente legitimado pelo resultado eleitoral. O grande desequilíbrio provocado por gastos excessivos, preços administrados e maquiagens contábeis se justifica com a manutenção do emprego e da renda, não houve um “estelionato eleitoral”, como diz a oposição.
Se a presidente da República acredita nessa narrativa, vive realmente no mundo de Alice. O resultado, a médio prazo, será uma trombada com a nova equipe econômica, isto é, com o ministro da Fazenda, Joaquim Levy, que já levou dois puxões de orelha por causa de declarações, em Davos, à imprensa internacional sobre o seguro-desemprego e as medidas que tomou.
Na concepção de Dilma, o ajuste fiscal é um “recuo organizado”, uma concessão às leis do mercado, mais ou menos como os bolcheviques fizeram na Rússia depois da guerra civil ao estimular a “livre produção mercantil” (experiência interrompida por Stalin, com as coletivizações forçadas e a estatização total da economia). Isso é música para a esquerda governista, que faz oposição ao novo ministro da Fazenda.
Para recuperar o crescimento da economia “o mais rápido possível”, disse Dilma, é preciso criar condições para a queda da inflação e das taxas de juros no médio prazo e garantir a continuidade da geração de emprego e renda. Não é fácil juntar uma coisa com a outra, como pretende, ainda mais no atual cenário econômico mundial. Que o digam os defenestrados ex-ministros da Fazenda Guido Mantega e a ex-ministra do Planejamento Miriam Belchior. Não é à toa que Luiz Gonzaga Belluzzo lidera as críticas dos economistas de esquerda à estratégia liberal de Levy.
Lava-Jato
O escândalo da Petrobras, centro das investigações da Polícia Federal na Operação Lava-Jato, foi abordado no discurso: “Temos de reconhecer que a Petrobras é a empresa mais estratégica para o Brasil. Temos que saber apurar, temos que saber punir, isso tudo sem enfraquecer a Petrobras, diminuir sua importância para o presente e para o futuro do país”, afirmou.
Dilma deu a entender que o governo ainda acredita num acordão com o Ministério Público Federal e o Supremo Tribunal Federal (STF) para salvar as empreiteiras envolvidas no escândalo: “Mas nós devemos punir as pessoas, não destruir as empresas. As empresas são essenciais para o Brasil”.
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