Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 24/07/2014
Como há um desejo de mudança disseminado, que atinge mais de 70% da
população, a variável mais imponderável do processo eleitoral é a
situação da economia, que bate às portas da recessão
Na língua
dos tecnocratas, “estado da arte” indica o ponto em que um determinado
projeto técnico se torna um produto em si. A expressão foi utilizada
pela primeira vez no manual de engenharia do norte-americano Henry
Harrison Suple, intitulado Gas Turbine, e significa que um determinado
projeto chegou ao limite do seu desenvolvimento. Às vezes, a expressão é
utilizada para registrar um determinado momento de evolução do projeto,
e não a sua conclusão, o que é um erro de conceito.
Digamos que a construção das candidaturas à Presidência da República
chegou ao “estado da arte” na verdadeira acepção do conceito. É mais ou
menos o que as últimas pesquisas deixaram claro. O Ibope divulgado pelo
Jornal Nacional mostra Dilma Rousseff (PT) como favorita, com 38% das
intenções de voto; Aécio Neves (PSDB) em segundo, com 22%; e o
ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos (PSB) em terceiro, com 8%.
Dilma também lidera as simulações de segundo turno: vence Aécio por 41% a
33%; e Campos, por 41% a 29%.
Na recente pesquisa Datafolha, que já abordamos aqui, porém, Dilma
aparecia com 36% no primeiro turno; Aécio com 20%; e Campos, 8%. A
petista também liderava as simulações de segundo turno, mas aparecia em
empate técnico com Aécio (44% a 40%); e com pequena diferença em relação
a Campos (45% a 38%), considerando-se a margem de erro de dois pontos
percentuais, para mais ou para menos.
A grande transferência de votos para a oposição, do primeiro para o
segundo turno nessa pesquisa, levantou muita polêmica, que foi
corroborada, agora, pela diferença, a menor apresentada pelo Ibope.
Ainda falta uma pesquisa de cada instituto antes de começar o horário
eleitoral gratuito de rádio e tevê, para fazer o tira-teima.
A largada
Digamos
que o “estado da arte” seja um “tipo ideal” para registrar que os
candidatos à Presidência chegaram ao limite de arregimentação de forças
políticas e estruturas de poder antes da propaganda na tevê. Nesse
aspecto, Dilma dispõe do apoio da máquina federal, alguns governos
estaduais e grande leque de partidos na coalizão.
Candidata à reeleição, terá o maior tempo no horário eleitoral gratuito,
que começa em 19 de agosto. Serão 11 minutos e 48 segundos, contra 4
minutos e 31 segundos de Aécio e 1 minuto e 49 segundos para Eduardo.
Nas inserções com 30 segundos de duração, terá 123, contra 50 e 22,
respectivamente, de Aécio e Eduardo. Vale registrar que o programa dela
será ancorado pelo ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, seu criador e
tutor político.
Então, o que complica a eleição de Dilma? Em primeiro lugar, a avaliação
do governo e a maneira de administrar o país. Segundo o Ibope, 31%
julgam o governo como bom ou ótimo; 36%, regular; e 33% o consideram
ruim ou péssimo. A maneira de Dilma governar é aprovada por 44% e
desaprovada por 50%. No Datafolha, o governo tem apenas 32% de
aprovação, 38% de regular e 39% de ruim ou péssimo. E o índice de
rejeição de Dilma é de 35%, contra 17% e 12% de Aécio Neves e Eduardo
Campos, respectivamente.
Como há um desejo de mudança disseminado, que atinge mais de 70% da
população, a variável mais imponderável do processo eleitoral é a
situação da economia, que bate às portas da recessão. Se o governo não
reverter esse cenário, o impacto no debate eleitoral e nas pesquisas de
intenção de voto será negativo para Dilma.
O tucano Aécio Neves, que conta com forte apoio nos estados de Minas,
São Paulo, Paraná e Pará, chegou aonde poderia por meio apenas dessas
estruturas de apoio e das alianças que amealhou. Seu avanço dependerá da
evolução da economia e da campanha eleitoral propriamente dita, mas não
há paridade de armas por causa do tempo de televisão.
O mesmo
raciocínio vale para Eduardo Campos, cuja candidatura se sustenta em
alguns governos estaduais — Pernambuco, Paraíba, Piauí, Espírito Santo e
Amapá — e numa coligação frágil. A incógnita é a capacidade de
transferência de votos da vice Marina Silva nos grandes centros urbanos
do Sul Maravilha.
A eleição presidencial no Brasil, porém, costuma se decidir quando a
grande massa de eleitores entra no processo, nas duas últimas semanas de
campanha, e começa a avaliar as propostas e o perfil dos candidatos,
bem como de suas alianças locais. É aí que foge ao controle das
estruturas de poder e das máquinas partidárias.
Considerando-se
apenas o “estado da arte”, é a tal história: Dilma manteve o
favoritismo, mas falta combinar com os eleitores. As pesquisas de
opinião, como se costuma dizer, são retratos do momento. O que mostraram
até agora é uma espécie de copo pela metade: para os governistas,
estaria quase cheio e, portanto, mais favorável à reeleição da petista;
para a oposição, quase vazio, com Aécio e Eduardo na cola da petista.
O tempo de televisão será suficiente para Dilma mostrar as realizações
de governo, com certeza, mas isso não será o bastante se a economia se
agravar. E, para os candidatos de oposição, será razoável para que
apresentem alternativas para o país. No segundo turno, o tempo de
televisão é igual para os dois finalistas. Por isso, Dilma faz um “tour
de force” para evitá-lo, mas isso faz parte do “estado da arte”.
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