Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 09/07/2014
Cada presidente da República cumpriu
uma parte da agenda nacional, mais ou menos de acordo com os interesses
das forças políticas que representava
Papel aceita tudo, diz o ditado. É comum ouvi-lo nas reuniões
programáticas, nas quais as equipes dos candidatos se digladiam — muito
mais em função da expectativa de poder que a elaboração dos programas
exacerba do que em razão dos problemas nacionais. Em geral, é nessa
atividade que a futura tropa de ocupação se concentra; a tropa de
assalto cuida do marketing eleitoral e da campanha de rua. Depois da
eleição, em caso de vitória, acaba numa posição periférica ou é
descartada.
Tanto é verdade que a presidente Dilma Rousseff se
tornou a favorita do presidente Luiz Inácio Lula da Silva a partir de
sua participação na elaboração do programa de governo do PT, que
garantiu a ela uma vaga na equipe de transição, depois o Ministério de
Minas e Energia e, finalmente, a Casa Civil. Acabou ungida por Lula e
chegou lá. É um caso único, mas mostra bem a importância desse núcleo
estratégico das campanhas. O programa é outra história.
No papel, o programa de Dilma é de continuidade em relação aos dois
mandatos do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva e não de mudança.
Essa seria a condição para promover “um novo ciclo histórico de
prosperidade, oportunidades e de mudanças”. É que a insatisfação do
eleitorado, demonstrada nas pesquisas, criou uma espécie de fosso a
separar as imagens dos dois petistas.
É curioso: Lula
beneficiou-se da política de estabilização da moeda executada pelo
ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, mas, ao mesmo tempo, trabalhou
dia e noite para desconstruir a imagem do tucano. Depois da crise de
2008, executou um cavalo de pau na economia, que foi bem-sucedido em
curto prazo. Isso garantiu a eleição de Dilma, mas o aprofundamento de
sua política anticíclica resultou no cenário de baixo crescimento, com
inflação à beira do teto, de 6,5%, da meta do Banco Central (BC). Só
não extrapolou esse limite até agora por causa da contenção forçada dos
preços administrados pelo governo.
O legado
Dilma não tem respostas de curto prazo para a economia voltar a crescer.
Alavanca a sua reeleição nos programas sociais que herdou, no
financiamento da casa própria, nos incentivos fiscais para os automóveis
e à linha branca e nos sacrifícios impostos à Petrobras, que dão sinais
de esgotamento como fatores de expansão econômica.
Deixemos de
lado o loteamento do governo entre os aliados. Dilma busca uma nova
clivagem política, a partir da convocação de um plebiscito para fazer a
reforma política com apoio popular, na qual o Congresso se veria de
joelhos diante do PT revigorado e no poder. Após os protestos de junho
do ano passado, bem que tentou fazer isso, mas não foi possível: os
aliados refugaram. Agora, acredita que radicalização desse debate fará
com que a polarização eleitoral se dê a seu favor.
O maniqueísmo político não resolve os problemas do país. Com acertos e
erros, desde a redemocratização, cada presidente da República cumpriu
uma parte da agenda nacional, mais ou menos de acordo com os interesses
das forças políticas que representava. O programa da oposição
democrática ao regime militar vem sendo executado gradativamente, por
quase três décadas, ou seja, o tempo de uma geração — para frustração
dos que acreditavam que a mudança do regime se confundiria com a
revolução.
Não foi o que ocorreu. O ex-presidente José Sarney
garantiu uma transição segura à democracia, que nos legou a atual
Constituição (ou seja, o direito à igualdade de oportunidade), mesmo com
o país à beira da hiperinflação. Embora apeado do poder no meio do
mandato, o ex-presidente Fernando Collor de Mello promoveu a abertura da
economia e nossa integração à globalização. O falecido Itamar Franco,
no seu breve governo, deu início ao programa de estabilização da
economia, com o lançamento do Plano Real. Fernando Henrique Cardoso
saneou o sistema financeiro, fez as privatizações e implantou a Lei de
Responsabilidade Fiscal. O ex-presidente Lula completou a reforma
previdenciária, implementou um grande programa de transferência de renda
e fortaleceu o mercado interno.
Qual é o legado da presidente Dilma? Suas prioridades eram melhorar o
ensino e a assistência à saúde; resolver os problemas de infraestrutura
(mobilidade urbana, portos, aeroportos, ferrovias e rodovias); aumentar a
produção de energia; reduzir o déficit habitacional e a violência
urbana. Essa agenda está negativa porque exige mais crescimento
econômico e inflação controlada para ser implementada, mas as urnas é
que dirão se o atual governo fracassou.
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