Nada justifica a deposição de um governo eleito como o de João Goulart, muito menos a violenta repressão que se seguiu, mas isso não significa que os militares sejam os únicos responsáveis
Por Luiz Carlos Azedo
O ex-ministro Jarbas Passarinho, um dos signatários do Ato Institucional nº5, que escancarou a ditadura militar no Brasil, caracteriza a deposição do presidente João Goulart (PTB), há 45 anos, como um “golpe preventivo”. Os militares tomaram o poder em razão da opinião pública e da articulação dos políticos de oposição, liderados por Carlos Lacerda e Magalhães Pinto. Além disso, Jango cometera o desatino de instigar a indisciplina de soldados, cabos e sargentos contra seus oficiais. “Jango detonou a contrarrevolução, apoiada maciçamente pelo povo. Não houve um só tiro disparado”, resumiu, em seu artigo semanal, ontem, aqui no Correio.
A crise
Segundo Passarinho, o comunismo era uma força em expansão no mundo, desde o fim da II Guerra Mundial. O capitalismo adotava uma posição defensiva, o que tornou inevitável o desfecho da crise política de 1964. A revolução cubana havia levado esse avanço às portas dos Estados Unidos. Mikhail Suslov, ideólogo comunista, ao defender a invasão da Tchecoslováquia, de fato já havia explicitado a doutrina soviética: a preservação da paridade estratégico-militar entre a União Soviética e os Estados Unidos abria caminho para a chegada ao poder dos movimentos de libertação nacional e para as revoluções nacionalistas na Ásia, na África e na América Latina. Pietro Ingrao, ex-diretor do L’Únitá, num artigo intitulado “O Erro”, recentemente reconheceu que o maior equívoco dos comunistas foi apoiar a invasão da Hungria pelos soviéticos em 1956. Ali teria começado a guerra fria e a derrocada histórica dos comunistas.
No seu livro recentemente lançado no Brasil pelo Instituto Astrojildo Pereira, intitulado Por um novo reformismo (Editora Contraponto), Giuseppe Vacca, outro ex-dirigente do Partido Comunista Italiano, mostra, ironicamente, que a Alemanha e o Japão, no Ocidente, foram os que mais se beneficiaram da Guerra Fria. Até que os EUA resolveram ultrapassar o “fordismo” e partir para a “economia da informação”. Com isso, desestruturaram o “New Deal” europeu, reorientaram o mercado mundial para o Pacífico e conseguiram implodir o bloco soviético. Agora, os EUA provam do próprio veneno.
A derrota
De volta ao golpe de 1964. Nada justifica a deposição de um governo eleito democraticamente como o de João Goulart, muito menos a violenta repressão que se seguiu, mas isso não significa que os militares sejam os únicos responsáveis. Havia uma crise econômica no país, com inflação ascendente. O processo de substituição das importações, responsável pelo surgimento de um novo proletariado, e o avanço das relações capitalistas no campo, com o surgimento do agronegócio, exacerbaram contradições sociais. O Brasil se urbanizava rapidamente. A principal tese da esquerda brasileira, de que o país não poderia se desenvolver com latifúndio e domínio do capital estrangeiro, era falsa.
Jango apostava num suposto “dispositivo militar” que lhe garantiria “cortar a cabeça dos gorilas”, como avaliava Prestes, caso os militares tentassem um golpe de estado. “A resistência armada ao golpe seria um banho de sangue inútil, politicamente já estávamos derrotados”, disse-me Salomão Malina, herói da FEB condecorado com a Cruz de Combate de 1ª Classe, que sucedeu Giocondo Dias na secretaria-geral do PCB. Ele e outros ex-militares do Comitê Central do PCB, a maioria remanescente da chamada Intentona de 35 (Giocondo, Dinarco Reis, Teodoro Melo, Almir Matos, Ivan Ribeiro e Agliberto Azevedo), apoiaram a decisão do brigadeiro Francisco Teixeira, comandante da 3ª Zona Aérea, de não bombardear as tropas de Mourão Filho que desciam de Juiz de Fora. Teixeira era ligado ao “Setor Mil” do PCB.
O informe de balanço do Comitê Central ao 6º Congresso, realizado em 1967, na clandestinidade, explica as divergências sobre as razões do golpe de 1964 da cúpula do Partidão com Carlos Marighella e outros dirigentes que optaram pela luta armada. No plano eleitoral, havia duas opções antes do golpe: manter a aliança com o PSD e apoiar Juscelino em 1966; ou romper e fazer de Leonel Bizola (PTB) o sucessor de Jango. A esquerda considerava Juscelino pró-imperialista e preferiu lançar a candidatura de Brizola, com a bandeira das reformas de base “na lei ou na marra”. Foi derrotada.
Em tempo: Passarinho é protagonista de um debate imperdível com o ex-deputado cassado Marco Antônio Tavares Coelho, ex-membro da Executiva do PCB preso em 1975, e Ivo Herzog, filho do jornalista Vladimir Herzog e Clarice, no programa 3 a 1, da TV Brasil, hoje, às 22h.
Publicado na coluna Nas Entrelinhas do Correio Braziliense em 1º de abril de 2009
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