quinta-feira, 30 de abril de 2009

Unidade dos contrários

Lula acredita que a doença não atrabalhará a ministra-xchefe da casa Civil, cuja candidatura pode até se beneficiar da forma corajosa como ela enfrenta a situação

Por Luiz Carlos Azedo

Há mais coisas entre o céu e a terra do que os aviões
de carreira, diria o mais gozador dos gaúchos,
Apparício Torelly, o Barão de Itararé (parafraseando
o genial dramaturgo inglês William Shakespeare).
Enquanto o Congresso chafurda nas mordomias e tropeça
nas próprias pernas, o presidente Luiz Inácio Lula da
Silva constrói o que considera o cenário ideal para a sucessão
presidencial de 2010. Em sua estratégia eleitoral, o adversário
ideal é aquele que hoje aparece como favorito na
disputa, o governador paulista José Serra (PSDB). A ministra
Dilma Rousseff (PT) seria candidata única da base governista,
com o apoio do PMDB, do bloco de esquerda
(PSB, PDT e PCdoB) e dos partidos do “centrinho” (PTB,
PR, PP e PSC). Para quem quiser ouvir, Lula aposta o outro
mindinho que Dilma derrotará o tucano se essa for a polarização
da disputa. Para o presidente da República, Serra
seria um freguês de carteirinha.

Por gravidade
O PMDB saiu das urnas com vontade de comer caviar no segundo
mandato de Lula, mas corre o risco de terminar o
banquete arrotando mortadela. A cúpula da legenda conquistou
com grande habilidade as presidências do Senado e
da Câmara e parecia disposta a tutelar o governo. Mas, desde
que assumiram o comando das duas Casas, o senador José
Sarney (PMDB-AP) e o deputado Michel Temer (PMDB-SP)
foram levados às cordas. Porta voz da opinião pública, toda a
mídia nacional, inclusive o Correio, cobra a renovação dos
costumes parlamentares. Há que se destacar que o site Congresso
em Foco, que há anos acompanha diariamente sessões
plenárias, comissões e bastidores da Câmara e do Senado,
repetiu o feito de seu congênere Contas Abertas em relação
ao Executivo e devassou, de forma avassaladora,
os gastos comviagens ao exterior de deputados federais, parentes
e agregados.

No turbilhão da crise,a potencial candidaturade Temer a vicepresidente
da República,na chapa de Dilma,está sendo volatilizada.
Lula assiste de camaroteo naufrágio peemedebista
e se prepara pararecolher os sobreviventes. Devido ao rumo
dos acontecimentos, acredita que o apoio da legenda à candidatura
de Dilma virá por gravidade. Essa é a propensão natural de
governadores e prefeitos da legenda. A única alternativa para
o PMDB recuperar a iniciativa na sucessão seria a candidatura
própria, mas o partido perdeu o rumo, não tem projeto
próprio nem unidade para atrair o governador de Minas,
Aécio Neves para a legenda. Se o PMDB indicar o vice de
Dilma, será aquele que Lula escolher. Mesmo assim, antes
terá que disputar a vaga com o bloquinho de esquerda.

O imprevisto
O ex-ministro da Integração Nacional e cacique político cearense
Ciro Gomes, candidato do bloquinho, é um fio desencapado
no jogo sucessório. Na avaliação do Palácio do Planalto,
o destempero verbal já vitimou Ciro em duas eleições
presidenciais e está se encarregando de jogar por terra a tese
que tanto defende: duas candidaturas da base do governo na
sucessão de 2010. Lula nunca descartou a possibilidade de
Ciro ser vice de Dilma, contentando o PMDB com o apoio do
PT à reeleição de seus governadores, mas essa alternativa
começa a ser vista como um risco na campanha eleitoral por
causa do temperamento explosivo de Ciro. Ele é uma espécie
de terceiro vértice no triângulo de fogo de uma campanha
eleitoral (oxigênio, combustível e temperatura de ignição).
O mesmo raciocínio começa a ganhar corpo na cúpula
do PSB, partido de Ciro, que prefere reeleger o governador
Eduardo Campos em Pernambuco, com apoio do PT. Ou seja,
a candidatura de Ciro está morrendo na praia.

Curiosamente, Lula aposta que Aécio será o vice de José
Serra no PSDB, contra todas as declarações em contrário. Esse
é o sonho do ex-presidente Fernando Henrique Cardoso, mas,
mesmo assim, Lula seca a candidatura do governador mineiro
a presidente da República, sufocando-a como pode, num
jogo tacitamente combinado com o governador paulista José
Serra. Essa estranha dialética de unidade dos contrários, porém,
enfrenta um grave imprevisto: o linfoma de Dilma, que
começou delicada quimioterapia. Lula acredita que a doença
não atrapalhará a ministra-chefe da Casa Civil, cuja candidatura
até pode se beneficiar da forma corajosa como ela enfrenta
a situação. O câncer foi diagnosticado em estágio inicial
e, segundo seus médicos, tem cura.

Publicado na coluna Nas Entrelinhas do Correio Braziliense de 26/04/2009

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