Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense : 22/10/2015
A
discussão sobre a legalidade das “doações eleitorais” fará parte do
grand finale dessa história policial nos tribunais. Não haveria
“petrolão”, porém, se não houvesse um “centro único”
Para
os escritores de romances policiais noir não existe crime perfeito.
Todos deixam um rastro e têm uma motivação. É aí que o detetive durão
entra em cena. Com seus problemas e defeitos, ele consegue chegar lá.
Primeiro, segue os rastros deixados pelos bandidos; e começa a desvendar
o crime quando descobre a sua motivação. Ao mesmo tempo, enfrenta
desafetos e administra seu drama pessoal. Segue as pistas às vezes por
puro instinto. Assim se constrói a trama da boa estória policial.
A
Operação Lava-Jato é uma grande história policial, que deixa no chinelo
muitos romances noir de sucesso, porque é uma trama que envolve
doleiros, lobistas, executivos de uma grande petroleira estatal, os
donos das maiores empreiteiras do país e políticos, muitos políticos –
num país latino-americano que faz parte do rol das potências emergentes.
Nada disso, porém, é ficção. Seus principais protagonistas já estão em
cana, mas falta achar o chefão.
Não existe um
detetive cana-dura, mas uma equipe de delegados, agentes e peritos da
Polícia Federal, reconhecidamente eficiente, e um grupo de procuradores
abnegados, que seguem o dinheiro saqueado da Petrobras por um esquema de
“acumulação primitiva” de grandes empresas de engenharia, que atuavam
como se ainda estivéssemos no tempo das companhias das Índias. O nosso
herói noir é o juiz Sérgio Moro, titular da Vara Federal de Curitiba.
Como
nos folhetins dos tabloides policiais norte-americanos da década de
1950, desde o ano passado a Operação Lava Jato é o assunto mais quente
dos telejornais. Cada dia que passa, a história revela detalhes da
atuação de seus protagonistas, mas nunca se chega ao poderoso chefão.
Ele permanece oculto, atua nas sombras para embaralhar o processo,
obstruir as investigações, proteger aqueles que podem revelar sua
verdadeira participação na trama.
O escândalo
da Petrobras era um crime quase perfeito, não fossem o rastro e a
motivação. O rastro é o dinheiro, cujo percurso está sendo monitorado
pelos órgãos de controle do sistema financeiro. Foi graças à
movimentação do dinheiro que o ex-diretor de Serviços da Petrobras
Renato Duque foi preso. Ele tentou transferir o dinheiro para Mônaco e
foi pego. Também foi por causa da movimentação do dinheiro que o
presidente da Câmara, Eduardo Cunha (PMDB-RJ), caiu em desgraça. Negou a
existência de contas na Suíça e elas apareceram.
Contas
na Suíça eram o refúgio mais seguro para o dinheiro sujo. Não são mais
faz tempo. Para quem não se recorda, o escândalo do propinoduto no Rio
de Janeiro, durante o governo Anthony Garotinho, eclodiu porque as
autoridades daquele país informaram ao Ministério Público brasileiro a
existência de contas suspeitas de fiscais da Receita fluminense. Um
banco havia comprado o outro e, na auditoria, separou o dinheiro podre,
que foi abatido dos ativos. O fato foi informado ao Ministério Público
da Suíça.
A lavagem de dinheiro
Podemos
tecer considerações sobre o cluster formado em torno da Petrobras para
desviar dinheiro da empresa, cujo caso mais espantoso, sem dúvida, é a
criação da Sete Brasil, a empresa contratada para fornecer as sondas do
pré-sal. Também podemos teorizar sobre o modelo da “nova matriz
econômica”, no qual houve uma fusão de interesses entre velhas
oligarquias e a nova plutocracia brasileira para saquear o nosso
“capitalismo de Estado”, que entrou em colapso.
Mas
o que nos interessa aqui é o caso policial. Os atores da trama que
estão presos foram flagrados porque obtiveram algum proveito pessoal nas
transações. Esse é o rastro. Mas a grande motivação para a montagem do
esquema foi política: a perpetuação no poder do núcleo hegemônico do
sistema de alianças que comanda o país.
Com
base na experiência do “mensalão”, o dinheiro desviado da Petrobras e de
outras empresas e órgãos do governo para o chamado “núcleo político” da
“organização criminosa”, para usar a nomenclatura do Ministério
Público, foi “esquentado” por meio de doações eleitorais. O que pôs tudo
a perder foram os pedágios pagos pelo caminho aos seus operadores
(voltamos ao rastro) e os “pixulecos” em benefício dos agentes
politicos, o que acabou por “deslegitimar” sua motivação principal: o
financiamento de campanha eleitoral.
A
discussão sobre a legalidade das “doações eleitorais” fará parte do
grand finale dessa história policial nos tribunais. Não haveria
“petrolão”, porém, se não houvesse um “centro único” no comando de suas
operações, que passava pelos governos Lula e Dilma. Do ponto de vista
institucional, a identificação desse centro e o seu desmantelamento é
que dirá se a Operação Lava Jato foi bem-sucedida na sua plenitude ou
não.
Um comentário:
Toda quadrilha existe um capo, pois ninguem age sozinho, nesta engrenagem sempre existe alguem para dar o start. Imagino que consigamos acha-lo.
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