domingo, 11 de outubro de 2015

O fascínio americano

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 10/10/2015 
 
Embora nosso regime republicano tenha surgido com o nome de Estados Unidos do Brasil, não foram as ideias liberais da Revolução Americana de 1776 que predominaram entre nós

  Muito da influência dos Estados Unidos no mundo se deve ao modo de vida e ao padrão de consumo proporcionado ao povo norte-americano, desde o surgimento do taylor-fordismo. Mas isso não explica tudo. O “sonho americano” – oportunidade para o sucesso e prosperidade, maior mobilidade social para as famílias e crianças, alcançada através de trabalho duro em uma sociedade sem barreiras – surgiu com a Declaração da Independência, que diz:"todos os homens são criados iguais" com direito a "vida, liberdade e a busca pela felicidade".

O binômio liberdade e mercado, porém, não impediu o assassinato de quatro presidentes da República em pleno exercício do cargo – Abraham Lincoln (1865), James A. Garfiel (1881), Willian MacKinley (1901) e Jonh Kennedy (1963) –, uma guerra civil (1861-1865), a Grande de Depressão (1929) e a crise financeira e imobiliária de 2008. O país venceu duas guerras mundiais, mas perdeu as guerras da Coréia e do Vietnã e até hoje não sabem o que fazer com as intervenções no Afeganistão, nao Iraque e na Síria.

Apesar do período obscurantista do maccartismo durante a Guerra Fria, do impeachment de Nixon ( 1974) e do ataque terrorista às Torres Gêmas (2001), além dos confltos reciais mesmo depois do fim do apartheiud, nem por isso o país passou por alguma ruptura da ordem democrática.

Toda essa estabilidade política se deve à Convenção que elaborou a Constituição dos Estados Unidos, que substituiu os Artigos da Confederação, firmados em 1781, logo após a Independência. À época, houve um grande debate sobre o federalismo, protagonizado por três autores no anonimato: Alexander Hamilton (1755-1804), James Madison (1751-1836) e Jonh Jay (1745-1829) escreveram 85 artigos publicados na imprensa de Nova York, em 1788, com a assinatura de “O Federalista”.

Montesquieu, no Espírito das Leis, defendia a existência de três poderes – Executivo, Legislativo e Judiciário – mas apontava para a incompatibilidade entre governos populares (democráticos) e os impérios modernos (grandes monarquias). Acreditava que as monarquias parlamentaristas eram mais capazes de administrar grandes extensões territoriais. Para ele, a democracia, com seus governos populares, só era possível com a existência de cidadãos exemplares e em pequenos territórios.

“O Federalista” defendia a tese de que o espírito comercial não impedia a constituição de governos populares, que não dependiam da virtude do povo, nem precisavam ser confinados a pequenos territórios, como alegavam os que pregavam a formação de quatro grandes confederações. Hamilton, autor de 51 dos artigos, para responder a esse desafio, mostrou a necessidade de a União se relacionar não apenas com os estados, mas também diretamente com os cidadãos.

Guardiões
“Mas, afinal, o que é o próprio governo senão o maior de todos os reflexos da natureza humana? Se os homens fossem anjos, não seria necessário haver governos”, dizia Madison, provável autor de outros 29 artigos. O Federalista, porém, inverte a equação: “Ao constituir-se um governo — integrado por homens que terão autoridade sobre outros homens — a grande dificuldade está em que se deve primeiro habilitar o governante a controlar o governado e, depois, obrigá-lo a controlar a si mesmo”.

Na visão de Madison, o poder é usurpador por natureza, e precisa ser contido. Só pode sê-lo pela contraposição de outro poder. Entretanto, é o mais fraco entre eles que pode fazê-lo, no caso o Judiciário, que não tem poder de elaborar as leis, nem de executá-las, mas apenas o de julgar quando provocado. Hamilton atribuiu à Suprema Corte o poder de interpretação final sobre a Constituição. E é graças a isso que a democracia americana vem sendo preservada.

É incrível como esse debate ocorrido há 227 anos parece emergir entre nós por causa da crise ética desnudada pela Operação Lava-Jato. Embora nosso regime republicano tenha surgido em 1989 com o nome de Estados Unidos do Brasil, não foram as ideias desses liberais que predominaram entre nós. Foi o positivismo de Augusto Comte e John Stuart Mill, uma corrente filosófica que surgiu na França no começo do século XIX, no rastro do Iluminismo.

Vem daí o nosso golpismo como concepção política, à esquerda e à direita; a tutela do Estado sobre os cidadãos; a aliança das novas plutocracias com as velhas oligarquias para se perpetuarem no poder; o pacto perverso entre facções para controlar os governos e deles se apropriar dos recursos públicos. A magistratura brasileira pode pôr um freio a tudo isso,  com base na justiça e no bem comum. Os juízes são os guardiões da República, para usar uma expressão de Madison.


Um comentário:

Carlos Alberto Torres disse...

Caro Azedo, quero parabeniza-lo! O visível protagonismo da justiça na nossa crise atual - que podemos simbolizar com a Operação Lava Jato -, assumindo, mesmo, um papel de quase centralidade na determinação dos acontecimentos políticos, parece nos indicar os sinais positivos de que o Brasil, no seu caminho próprio, está consolidando a sua democracia!