Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 15/10/2015
Com o poder de decidir sobre a abertura do
impeachment, Cunha pode se imolar tocando fogo no circo. Por isso, o
governo prefere salvá-lo no Conselho de Ética e recuperar a
governabilidade na Câmara
O presidente da Câmara,
Eduardo Cunha (PMDB-RJ), deve recorrer até amanhã ao Supremo Tribunal
Federal (STF) contra as liminares dos ministros Teori Zavascki e Rosa
Weber que alteraram o rito de apreciação dos pedidos de impeachment.
Como se sabe, os dois ministros cassaram o direito de a oposição
recorrer ao plenário caso sejam indeferidos por Cunha, a quem atribuíram
o poder monocrático de dar início ou arquivar qualquer pedido dessa
natureza.
A decisão foi comemorada pelo Palácio do Planalto e
pelos governistas. Dilma aproveitou o momento e partiu para a ofensiva
contra oposição, durante Congresso da CUT, na noite de terça-feira, no
qual disse que as articulações políticas para realizar o impeachment são
um “golpismo escancarado” e que crise política do Brasil se expressa na
tentativa da oposição de fazer o “terceiro turno”.
“Querem criar
uma onda que leve de qualquer jeito ao encurtamento do meu mandato, sem
fato jurídico. E isso tem nome”, disse a presidente. A plateia
respondeu em coro: “golpe!” Dilma chamou os oposicionistas de
“moralistas sem moral” e indagou: “quem tem moral suficiente, reputação
ilibada e biografia limpa para atacar a minha honra?”.
Foi um
discurso para sindicalistas do PT, em completa dissonância com o apelo
ao diálogo e à negociação feito poucas horas antes por seu ministro da
Comunicação Social, Edinho Silva. Mais ainda quando se sabe que o novo
ministro da Casa Civil, Jaques Wagner, negocia diretamente com Cunha um
acordão para livrá-lo de cassação pelo Conselho de Ética da Câmara, por
falta de decoro parlamentar.
Nos bastidores do Palácio do
Planalto, comenta-se que o impeachment seria um assunto liquidado no
Supremo Tribunal Federal (STF). Pelas contas dos estrategistas do
governo, Dilma teria o apoio dos ministros Luís Roberto Barroso, Luiz
Edson Fachin, Marco Aurélio Mello, Ricardo Lewandowski, Rosa Weber e
Teori Zavascki. Cármen Lúcia, Celso de Mello e Luiz Fux são considerados
inescrutáveis. Dias Toffoli e Gilmar Mendes são tratados como desafetos
de Dilma.
Ocorre, porém, que o impeachment é uma prerrogativa
exclusiva do Congresso, não é uma decisão que caiba ao Supremo Tribunal
Federal (STF), que exorbitaria caso decidisse julgar o mérito da
questão, a não ser que haja flagrante violação da Constituição. A franja
da ambiguidade em relação ao tema está no rito adotado por Cunha para o
impeachment. Foi aí que os ministros Teori e Rosa se estribaram para
interferir no processo na terça-feira passada.
Barganha
A
mesma Lei nº 1079, de 1950, que serviu de base para as liminares dos
dois ministros atribuindo poder monocrático a Cunha para iniciar ou
arquivar o processo de impeachment, como já fez com 15 deles, estabelece
um amplo espectro de possibilidades para enquadramento do presidente da
República no crime de responsabilidade, motivo para afastamento do
cargo. Uma delas é a guarda e o legal emprego dos dinheiros públicos,
como ordenar despesas não autorizada por lei.
Até agora, o
presidente da Câmara tem indeferido os pedidos de impeachment com base
no parágrafo 4º do artigo 86 da Constituição, que diz: “O presidente da
República, no exercício de seu mandato, não pode ser responsabilizado
por atos estranhos a suas funções”. Mas acontece que as “pedaladas
fiscais” e a realização de despesas não autorizadas pelo Congresso, que
levaram à rejeição das contas de 2014 pelo Tribunal de Contas da União,
continuaram sendo praticadas em 2015, conforme parecer do Ministério
Público da União.
É esse parecer que a oposição incorporou ao
novo pedido de impeachment que pretende apresentar, para evitar que uma
decisão favorável ao impeachment venha a ser contestada com êxito no
Supremo Tribunal Federal, com o argumento de os fatos tratados
referem-se ao primeiro mandato. Cunha tem afirmado que fará uma
apreciação técnica e não um julgamento político do pedido, para decidir
se infere ou não.
É aí que o poder de barganha de Cunha junto ao
governo e à oposição cresce institucionalmente. Mesmo que esteja ferido
de morte, o presidente da Câmara não morreu de véspera. Seus adversários
no Congresso dizem que ele sobreviverá apenas 90 dias, porque o rito de
cassação por quebra de decoro no Conselho de Ética é sumário e tem um
calendário implacável. Numa crise como a que o país atravessa, é muito
tempo.
Com voto aberto em plenário, o destino de Cunha seria
igual ao do ex-vice-presidente da Câmara André Vargas, que foi cassado e
hoje está preso, por muito menos do que os delitos que estão sendo
atribuídos pelo procurador-geral da República, Rodrigo Janot, ao atual
presidente da Câmara. Mas “outros poderes se alevantam”, como diria um
velho sindicalista. Com o poder de decidir sobre a abertura do
impeachment, Cunha pode se imolar tocando fogo no circo. Por isso, o
governo prefere salvá-lo no Conselho de Ética e recuperar a
governabilidade na Câmara.
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