Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 26/03/2015
A saída de Traumann, o
terceiro ministro a deixar a equipe no segundo mandato , mostra que o governo está se autodissolvendo,
como leite em pó instantâneo, sem que a oposição tenha a ver com
isso
“Jornalista não é notícia”, diz
um velho jargão das redações. Quando isso acontece, geralmente a vítima
costuma ser o próprio. É caso do ex-ministro-chefe da Comunicação Social
Thomas Traumann, que ontem pediu demissão do governo. Em nota oficial, o
Palácio do Planalto “agradeceu” a participação do jornalista que entrou
no governo como assessor do ex-chefe da Casa Civil Antônio Palocci e
acabou sucedendo no cargo a sua chefe imediata, Helena Chagas, depois de
cair nas graças da presidente Dilma Rousseff por despachar com ela todo
dia.
Traumann é o segundo ministro a pegar o boné em menos de
uma semana. O outro foi Cid Gomes, que era o titular da Educação e
desembarcou em grande estilo, espinafrando a base do governo em plena
Câmara, à qual fora convocado para esclarecer em plenário porque havia
dito que na Casa há “300, 400 achacadores”. Traumann deixou o Palácio do
Planalto cantarolando no Twitter o samba Novos rumos, de Paulinho da
Viola: “Todos os anos vividos/ São portos perdidos que eu deixo pra
trás;/Quero viver diferente,/ Que a sorte da gente /É a gente que faz”.
O
jornalista assumiu o cargo em janeiro de 2014. Desde 2012, porém,
atuava como porta-voz da Presidência. Caiu porque vazaram um documento
reservado de sua lavra no qual admitia que a comunicação do governo fora
“errada e errática”, mas avaliava que “a crise é maior do que isso”. O
documento dizia também que os “eleitores de Dilma e Lula estão
acomodados brigando com o celular na mão, enquanto a oposição bate
panela, distribui mensagens pelo WhatsApp e veste camisa verde-amarela”.
“Furo” do jornal O Estado de S. Paulo, o texto gerou grande
polêmica e atiçou a oposição, que pretendia convocar o ministro para dar
esclarecimentos ao Senado. Dividido em três partes — onde estamos, como
chegamos até aqui e como virar o jogo? —, propôs que a presidente Dilma
Rousseff se exponha mais, o que está sendo feito à risca, em vez de
mergulhar e escalar um ministro forte como porta-voz, como fazem os
políticos matreiros nas crises bravas.
“É preciso que a PR fale
mais, explique, se exponha mais, seja nos quebra-queixos pós-eventos,
seja respondendo ouvintes da Voz do Brasil (20 milhões de ouvintes),
seja com a mídia tradicional (TV aberta, de preferência), seja com a
volta das entrevistas por Facebook. Não importa quantos panelaços eles
façam” — preconizava na semana seguinte às manifestações de 15 de março.
O
mais grave, porém, foi defender o aparelhamento dos meios de
comunicação sob controle estatal, o que já vinha acontecendo, por meio
da consolidação de “um núcleo de comunicação estatal, juntando numa
mesma coordenação a Voz do Brasil, as páginas de sites, Twitter e
Facebook de todos os ministérios, o Facebook da Dilma e a Agência
Brasil”. Sugeriu ainda que a publicidade oficial em 2015 fosse focada em
SãoPaulo, reforçando as parcerias com a prefeitura: “Não há como
recuperar a imagem do governo Dilma em São Paulo sem ajudar a levantar a
popularidade do Haddad”.
O ex-ministro da Comunicação Social
concluiu o documento com uma citação do rei dom José, que após o
terremoto de Lisboa (1755) perguntou ao marquês de Alorna o que podia
ser feito. Ele respondeu: “Sepultar os mortos, cuidar dos vivos e fechar
os portos”. Quem “morreu” no terremoto que abala o governo Dilma foi
Traumann, que desejava voltar para o Rio de Janeiro e pleiteava a
condição de gerente de comunicação da Petrobras, cargo que agora subiu
no telhado. Foi abatido pelo fogo amigo dos petistas que miram o
controle das verbas de publicidade do governo. Dilma ficou possessa com a
história.
O grande “mordomo” da caso é o ministro das
Comunicações, Ricardo Berzoini, sob cuja pasta a cúpula do PT gostaria
que o orçamento de publicidade ficasse sob controle. Mas é bem possível
que vazamento do documento, que fulminou Traumann, tenha ocorrido na
cozinha da própria Secretaria de Comunicação da Presidência. O próprio
documento é coisa de quem já não tem acesso ou liberdade para conversar
com a presidente da República.
Estão cotados para substituí-lo no
posto os jornalistas Kennedy Alencar, que foi assessor de Lula e hoje é
comentarista da CBN, e Paulo Moreira Leite, ex-diretor da Isto É em
Brasília, apresentador da TV Brasil e colunista do jornal digital Brasil
247. Correm por fora o novo diretor-geral da EBC, Américo Martins, o
deputado federal Alexandre Molon (PT-RJ), ligado ao ministro da Casa
Civil, Aloizio Mercadante, e o assessor de imprensa Olímpio Cruz Neto,
que hoje acompanha Dilma nas viagens.
A saída de Traumann, o
terceiro ministro a deixar a equipe no segundo mandato — o primeiro foi
Marcelo Nery, substituído por Mangabeira Unger na Secretaria de
Assuntos Estratégicos —, mostra que o governo está se autodissolvendo,
como leite em pó instantâneo, sem que a oposição tenha nada a ver com
isso.
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