Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense- 02/09/2014
Dilma Rousseff ainda tem capacidade de reação, uma vez que o governo,
por mais fracassado que seja, sempre é a forma mais concentrada de
poder, quando nada
por “arrecadar, normatizar e coagir”.
O que mais espanta na campanha eleitoral é a fragilidade do dispositivo
eleitoral governista, que entrou em colapso tão logo foi iniciado o
horário eleitoral gratuito, ao contrário do que todos previam, tamanha a
vantagem em tempo de televisão e rádio e em recursos financeiros da
presidente Dilma Rousseff (PT), candidata à reeleição.
Marina Silva
(PSB), com menos de tempo de televisão, surpreendeu a todos. Além de
ultrapassar Aécio Neves, o candidato do PSDB, está empatada com Dilma
Rousseff, no primeiro turno, embora tenha menos recursos financeiros e
apoio político. Isso quer dizer que a eleição está decidida? Não,
ninguém vence eleições de véspera.
É preciso contar os votos nas
urnas. Há muita campanha ainda pela frente, sujeita a imprevistos
capazes de “desconstruir” a imagem de uma candidata. Foi quase o que
aconteceu com Marina Silva, por exemplo, após o lançamento de seu
programa de governo, em São Paulo. O evento foi um sucesso no maior
colégio eleitoral do país, pois revelou surpreendente vigor de campanha
em território tucano, mas a repercussão do conteúdo foi um desastre.
Uma
proposta particularmente causou estresse: o casamento gay. O texto
divulgado era favorável, por isso, não poderia deixar de ser manchete
dos jornais, segundo a famosa regra de que a notícia existe quando o
dono morde o cachorro. Resultado: pressionada pelos pastores evangélicos
que a apoiam, Marina teve que desautorizar o texto e revisar a
proposta.
Armadilhas como essa estão onde menos se espera numa
campanha eleitoral. Os maiores desastres são causados pelo fogo amigo ou
por trapalhadas dos próprios aliados. Marina transita numa faixa
estreita da política — a chamada terceira via —, ao dar uma no cravo e
outra na ferradura, sempre corre o risco de levar na cabeça.
E ainda
há as entrevistas e os debates, como o de ontem, onde se corre risco de
vida eleitoral, uma vez que qualquer deslize pode ser fatal. Por tudo
isso, é muito cedo para dizer que a eleição está decidida, que Marina
será a próxima presidente da República. Seria preciso combinar com
Dilma, Aécio e, sobretudo, os eleitores.
Colapso governista
Teoricamente,
Dilma Rousseff ainda tem capacidade de reação, uma vez que o governo,
por mais fracassado que seja, sempre é a forma mais concentrada de
poder, como nos ensina o jurista italiano Norberto Bobbio, quando nada
por “arrecadar, normatizar e coagir”.
Ocorre que o processo
eleitoral mitiga o poder da União, como se ele fosse se desagregando e
se transferindo, gradativamente, para os candidatos aos governos
estaduais, às assembleias legislativas, à Câmara e ao Senado, na medida
em que se aproxima a eleição. No dia da votação, esse poder estará nas
mãos dos eleitores.
Muitos interesses e tendências operam nos
subterrâneos das eleições para a Presidência, na qual a força mais
determinante deveria ser o sistema de poder encabeçado pela presidente
Dilma. Em tese, a petista contaria com a vantagem estratégica da máquina
federal sob seu comando, com milhares de militantes ocupando cargos
comissionados.
Mas não é isso que acontece. A máquina começa a dar
sinais de neutralidade na disputa eleitoral. A partidarização de órgãos e
serviços pelo PT e aliados esbarra no chamado espírito público dos
servidores, segundo a máxima “weberiana” de que cabe à burocracia zelar
pela legitimidade dos meios de exercício de poder: não pode pôr os
objetivos dos políticos acima disso, quando eles se movem como se os
fins justificassem os meios.
Além disso, os sindicatos
controlados pelo PT enfrentam dificuldades para mobilizar os
trabalhadores por causa da recessão econômica e, também, porque foram
cooptados pelo governo. O afastamento das bases ficou patente em algumas
greves selvagens ocorridas nos últimos anos e pelo fato de que muitos
sindicatos já escaparam ao controle petista.
Resta a militância do
PT, que foi às ruas no processo eleitoral de 2010, logo após a crise do
mensalão, quando os líderes envolvidos no escândalo foram defenestrados
da direção do partido e, em alguns casos, da própria legenda.
Ocorre
que, durante o julgamento do mensalão, eles foram reabilitados, apesar
de condenados pelo Supremo Tribunal Federal, e isso queimou o filme do
PT.
Para agravar a situação, Dilma não tem empatia com os militantes
petistas e esconde a bandeira do partido na tevê. Supostamente, o
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva poderia reverter essa situação,
mas parece que espera um pedido de Dilma para liderar a volta às ruas.
Afinal, Lula ainda é o trunfo que lhe resta.
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