Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 26/08/2014
Dilma Rousseff passa recibo de que Marina Silva a incomoda, e
muito, embora o programa eleitoral da petista na tevê tenha sido
destinado a atacar o tucano Aécio Neves e o governo de Fernando Henrique
Cardoso
Desde a morte trágica do
ex-governador Eduardo Campos (PSB) e sua substituição pela ex-senadora
Marina Silva (PSB), a presidente Dilma Rousseff (PT), candidata à
reeleição, está em órbita. Precisa pôr os pés no chão, rapidamente, mas
corre o risco de ficar perdida no espaço. É na volta à atmosfera
terrestre que mora o perigo.
Nos voos espaciais, uma nave gira ao redor da Terra a 26 mil km/h. Na hora da reentrada,
freia para mudar a trajetória em relação à órbita e cair devagar. O
sucesso da manobra depende da altitude, da posição e, principalmente, do
ângulo em relação à Terra. É uma situação de vida ou morte: se for
maior que 3 graus, a espaçonave cai em alta velocidade e pega fogo.
A maioria das espaçonaves entra com o bico para a frente, mas a
candidatura de Dilma Rousseff, com a coalizão de partidos governistas, é
semelhante a um ônibus especial: tem que entrar de barriga, para
aumentar a força de atrito e diminuir a velocidade. É uma operação que
faz subir a temperatura e necessita de revestimento especial para a
tripulação não ser carbonizada. As condições climáticas são outro
problema: qualquer borrasca pode ser fatal.
A campanha à
reeleição de Dilma foi minuciosamente planejada para operar num cenário
idealizado, no qual a relação entre tempo político — o passado versus o
presente — e espaço social — os pobres contra os ricos — obedecia a
lógica fácil do “nós contra eles”. Deu tudo errado: a vida real já não
permite essa simplificação maniqueísta.
É por isso que o ônibus espacial governista corre risco de ficar
perdido na volta à terra firme, ricocheteando na atmosfera, como uma
pedra chata que foi atirada ao lago. Como a água, a atmosfera é um
fluido gasoso, tal qual o ambiente político que emergiu após o desastre
aéreo que tirou Eduardo Campos da disputa.
O debate
Assim,
o que parecia líquido e certo para os governistas se esvaneceu no ar.
Pesquisas dirão nesta semana qual foi o impacto real da entrada em cena
de Marina no processo eleitoral, considerando-se a primeira semana de
horário eleitoral gratuito. A candidata do PSB passou por uma crise no
partido, que ainda está digerindo a troca de candidatos. As eleições
ganharam mais emoção e, também, uma discussão de conteúdo nova.
Hoje teremos uma mostra da complexidade deste novo cenário, com a
divulgação das primeiras pesquisas. Vamos ver também os potenciais de
desconstrução de imagens e afirmação de identidades dos candidatos no
debate da TV Bandeirantes, no qual, pela primeira vez, estarão frente a
frente Dilma, Aécio, Marina e Pastor Everaldo (PSC).
Desde o
domingo, Dilma Rousseff passa recibo de que Marina Silva a incomoda, e
muito, embora o programa eleitoral da petista na tevê tenha sido
destinado a atacar o tucano Aécio Neves e o governo de Fernando Henrique
Cardoso. Sem muito o que mostrar diante da estagnação da economia, essa
era a muleta para Dilma alavancar a candidatura nos indicadores do
governo Lula. A estratégia vinha dando resultados enquanto a eleição
estava polarizada. Agora, foi para o espaço.
A equipe de campanha governista está como os tripulantes de uma
espaçonave que tentam contato com o centro de controle de voo para saber
como e quando proceder para voltar à Terra. Tanto Marina Silva quanto
Aécio Neves focam os discursos nos maus resultados da administração de
Dilma, cuja imagem de gerentona do PAC está sendo desconstruída e
precisaria ser reforçada, mas não tem resultados econômicos e
administrativos suficientes para isso.
Além disso, o sistema de alianças construído a partir do
“presidencialismo de coalizão” neutraliza o discurso de mudança da
presidente da República. É um sistema de forças essencialmente
conservador, no qual o PT não tem força eleitoral suficiente para romper
a inércia, quando nada por causa dos desgaste sofridos com o processo
do mensalão e outros escândalos, o mais recente, envolvendo a Petrobras,
um ícone nacional. Ou seja, a campanha de Dilma precisa fazer uma
arriscada e dramática mudança de curso.
Nenhum comentário:
Postar um comentário