Correio Braziliense - 17/08/2014
Não está dado a priori que Marina Silva será herdeira de toda a comoção gerada pela morte de Eduardo Campos, embora se beneficie por ser a sua companheira de chapa
O ex-governador de Pernambuco será sepultado com o caixão fechado, pois seus restos mortais foram carbonizados. O povo não verá o seu corpo. As últimas imagens do líder político pernambucano para a opinião pública serão aquelas gravadas durante a entrevista ao Jornal Nacional, da TV Globo. Campos era desconhecido para 42% dos eleitores; depois de morto, tornou-se símbolo da necessidade de renovação política do país.
Sebastianismo
Se depender da nossa tradição ibérica, por causa do velho “sebastianismo”, sua herança política não pode ser desprezada. D. Sebastião nasceu em Lisboa a 20 de janeiro de 1554 e era filho do príncipe D. João e de D. Joana de Áustria. Faleceu a 4 de agosto de 1578 na batalha de Alcácer Quibir, no norte de África. Mas seu corpo nunca foi encontrado.
Com sua morte, Portugal foi anexado pela Espanha entre 1580 e 1640, juntamente com o Brasil, passando por período muito difícil. Nasceu então uma versão particular de messianismo, de influência judaica: toda opressão, todo sofrimento, toda miséria, toda crise será vencida com o reaparecimento de D. Sebastião.
A concepção religiosa do messianismo acredita na vinda ou no retorno de um enviado divino, o messias; um redentor, com capacidade para mudar a ordem das coisas e trazer paz, justiça e felicidade. É um movimento que traduz inconformidade com a situação política vigente e uma expectativa de salvação, ainda que miraculosa, através da ressurreição de um morto ilustre.
O mito no Brasil surgiu na narrativa da batalha que expulsou os franceses na fundação do Rio de Janeiro, em 20 de janeiro de 1567, e reapareceu na Guerra de Canudos (1896-1897), no sertão da Bahia, entre os fanáticos de Antônio Conselheiro.
Dois movimentos sebastianistas trágicos ocorreram também em Pernambuco: o da Serra do Rodeador, no município de Bonito, em 1819-1820, e o da Serra Formosa, em São José do Belmonte, no período de 1836 a 1838. Foram violentos, com líderes fanáticos. No folclore nordestino, ainda hoje, D. Sebastião reaparece como touro encantado nas festas de bumba-meu-boi, nos meses de junho, julho e agosto.
Os votos
Mitos e lendas à parte, não está dado a priori que Marina Silva será herdeira de toda a comoção gerada pela morte de Eduardo Campos, embora se beneficie por ter sido a sua companheira de chapa. O mais provável é que recupere os próprios votos, que até agora não havia conseguido transferir para Eduardo Campos. Em fevereiro passado, Marina tinha cerca de 20% dos votos, mas vinha numa trajetória descendente.
Já a última pesquisa Datafolha, de 15 e 16 de julho, mostrou que, entre os 8% de eleitores com intenção de voto em Eduardo Campos (PSB) no primeiro turno, 55% votariam em Aécio Neves (PSDB) e 26% em Dilma Rousseff (PT), num eventual segundo turno entre o tucano e a petista.
Outros 15% votariam em branco, nulo ou em nenhum dos dois e 4% não souberam responder à pergunta. Ontem, a cúpula do PSB vazou informações de que uma pesquisa feita por telefone, após a morte de Campos, teria registrado crescimento espetacular de Marina. A conferir nas próximas pesquisas.
A única certeza é de que há um quadro eleitoral novo, no qual se consolida a realização de segundo turno para decidir quem será o próximo presidente da República. Por hora, há dois projetos de poder claramente delineados: a continuidade do governo Dilma, de um lado; e a volta dos tucanos ao Palácio do Planalto, com Aécio Neves, do outro.
A chamada “terceira via”, com a morte de Eduardo Campos (PSB), ainda é uma incógnita como projeto de poder, não importam as pesquisas. Somente deixará de ser quando Marina Silva, que cultiva certo messianismo, disser o que pretende fazer para desenvolver o país e melhorar a vida do povo, caso seja eleita presidente da República.
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