Casos como o da CPI da Petrobras, às vezes, têm surpreendentes desfechos, como aconteceu na CPI do Judiciário, que resultou na cassação de um senador e na renúncia de mais três
O presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), anunciou ontem a
abertura de uma comissão de sindicância para apurar denúncias de suposta
fraude na Comissão Parlamentar de Inquérito (CPI) do Senado que
investiga contratos da Petrobras. A presidente da estatal, Graça Foster,
o ex-presidente José Sérgio Gabrielli e o ex-diretor da área
internacional Nestor Cerveró tiveram acesso às perguntas dos
parlamentares antes dos depoimentos que prestaram ao colegiado. Uma
reunião na sede da Petrobras que tratou do assunto foi gravada por um
dos participantes, que vazou o registro para a revista Veja.
Como diria Raymund Chandler (1888-1959), no ensaio literário A Simples
Arte de Matar, todo crime deixa um rastro e tem uma motivação. Natural
de Chicago, o escritor americano passou a juventude em Dublin, na
Irlanda, e começou a escrever em Londres, onde trabalhou como jornalista
freelancer. De volta aos Estados Unidos, alistou-se no exército
canadense e foi lutar na França, na I Guerra Mundial. De volta à vida
civil, teve a promissora carreira de executivo de um empresa de petróleo
encerrada pela Grande Depressão e o alcoolismo.
A literatura, porém, ganhou um escritor que ajudou a criar o novo
gênero literário da época, as histórias policiais noir norte-americanas,
escritas por Chandler, Dashiell Hammet e outros roteiristas “malditos”,
que haviam sido expulsos de Hollywood pelo macartismo, mas fizeram a
crítica dos maus costumes políticos nos jornais tabloides policiais. É
de Chandler o detetive durão Philip Marlowe, herói de Adeus Minha
Adorada, Janela para a Morte, A Dama do Lago, A Irmãzinha, O Longo Adeus
e Playback, personagem interpretado no cinema por Humphrey Bogart.
Decoro
Os escândalos da Petrobras podem até não dar
em nada, mas já compõem uma trama digna da melhor literatura noir. O
vazamento do vídeo comprometedor é um efeito colateral do fato de 11
diretores da estatal — além da presidente Maria das Graças Foster —
terem sido responsabilizados pelos prejuízos causados à empresa
petrolífera por causa do negócio, que chegam a US$ 792,3 milhões. A
operação foi aprovada pelo Conselho de Administração da empresa, à época
presidido pela então chefe da Casa Civil do governo Lula, Dilma
Rousseff.
Entre os diretores envolvidos estão Gabrielli, Cerveró e o ex-diretor de
Abastecimento Paulo Roberto Costa, preso pela Polícia Federal na
Operação Lava-Jato e acusado de integrar um esquema de lavagem de
dinheiro chefiado pelo doleiro Alberto Youssef. Todos estão sendo
investigados pela CPI aberta no Senado, em maio, para apurar suspeitas
de superfaturamento na compra da refinaria de Pasadena, no Texas (EUA),
em 2006, ao custo de US$ 1,3 bilhão, e de desvio de recursos na
construção da refinaria de Abreu e Lima, em Pernambuco, ambas da
Petrobras.
Sindicância
Renan Calheiros (PMDB-AL) determinou a
sindicância porque é sua obrigação como presidente do Senado. Gato
escaldado em matéria de processos por quebra de decoro parlamentar, já
escapou de dois pedidos de cassação em plenário; num deles, teve de
renunciar ao comando do Senado. Mas pode sobrar para os senadores José
Pimental (PT-CE) e Delcídio Amaral (PT-MS), por quebra de decoro
parlamentar, caso se confirme que ambos faltaram com a ética ao proteger
os investigados.
O presidente do Senado sabe que esses casos, às vezes, têm
surpreendentes desfechos, como aconteceu com a comissão de inquérito que
investigou o Judiciário, em 1999, e trouxe à tona o caso do juiz Lalau,
Nicolau dos Santos Neves, ex-presidente do TRT paulista. Sobrou para o
então senador Luiz Estevão (PMDB-DF), ainda no primeiro ano de mandato;
dono do grupo OK, era o responsável pela construção do fórum.
Descobriu-se que, dos R$ 223 milhões repassados para a obra, de 1994 a
1998, R$ 169,5 milhões foram desviados. Estevão foi cassado e até hoje
está enrolado com o caso, pelo qual foi condenado.
Três caciques do Senado acabaram renunciando aos mandatos por causa da
disputa política que se estabeleceu a partir do episódio: o falecido
senador Antônio Carlos Magalhães (PFL-BA), que presidia Casa, e o então
líder do governo, José Roberto Arruda (ex-PSDB), que quebraram o sigilo
da votação que cassou Luiz Estevão; e o senador Jader Barbalho (PA), que
no ano seguinte assumira o comando do Senado, mas foi obrigado a
renunciar ao mandato para evitar um pedido de cassação provocado por
denúncias de Antônio Carlos Magalhães, que havia voltado à Casa, eleito
com 2,9 milhões de votos, e fez um ajuste de contas com quem considerava
o principal responsável por sua renúncia.
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