Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 21/04/2014
Dilma tem ganas de poder. Pretende se reeleger e trabalha para isso. O
ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva sabe disso. Não pode correr o
risco de encarnar o papel de Jasão e reeditar a mítica tragédia grega
A história de Medeia é um clássico da mitologia grega, consagrado na
tragédia de Eurípedes, cuja primeira encenação ocorreu em 431 a.C., no
começo da Guerra do Peloponeso. É um retrato dramático das forças
antagônicas que governam a alma humana. Medeia, a personagem principal,
luta com todas as forças e todas as armas contra adversidades da sua
vida. Na obra de Eurípedes, Jasão e Medeia, como refugiados, vivem em
Corinto com seus dois filhos. O rei Creonte convence Jasão a abandoná-la
e se casar com sua filha; para tanto, expulsa Medeia e os dois filhos
da cidade. Egeu, rei de Atenas, concede asilo a Medeia, mas a feiticeira
decide se vingar de Jasão. Primeiro, através de um ardil, mata Creonte e
a filha dele; a seguir, mata os próprios filhos e foge num carro alado,
cedido pelo deus Hélio, seu avô.
O mito de Medeia apresenta o
retrato psicológico de uma mulher simultaneamente tomada pelo amor e
pelo ódio. Ela é a esposa abandonada, a estrangeira perseguida.
Rebela-se contra o mundo que a rodeia e rejeita o conformismo
tradicional. Tomada de fúria, assume a vingança como objetivo e exerce
seu poder de persuasão, usa as palavras como armas terríveis. Uma das
figuras femininas mais impressionantes da dramaturgia universal, Medeia
narra o drama da mulher que deixa tudo — sua pátria, sua família e seus
sonhos — para seguir ao lado de um grande amor. Foi capaz de qualquer
atitude para atender os caprichos de Jasão, mas acaba abandonada.
Medeia
de Eurípedes foi filmada pelo italiano Pier Paolo Pasolini e pelo
dinamarquês Lars Von Trier. Inspira a feiticeira de Capitão Marvel,
história em quadrinhos do genial roteirista Bill Parker e do desenhista
CC Becker. Também é Joana, a personagem central do musical A gota
d’água, de Chico Buarque e Paulo Pontes, escrita em 1975, a partir de um
roteiro de Oduvaldo Viana Filho, que adaptara a peça para a televisão.
Na obra, a tragédia se desenrola numa favela carioca.
Jasão
O
mito de Medeia tem tudo a ver com os riscos do “Volta, Lula!”. A
possibilidade de o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva substituir
Dilma Rousseff como candidata do PT, a cada dia que passa, deixa de ser
apenas um desejo de petistas e empresários, contrariados por terem sido
excluídos da cozinha do Palácio do Planalto, para se tornar uma
possibilidade real, diante da má avaliação do governo e da gradativa
queda da presidente nas pesquisas. Cada vez que Lula intensifica sua
agenda para fortalecer os petistas nos estados e mete a colher na
campanha de reeleição de Dilma, mais forte se torna o desejo de que seja
ele o candidato por parte de aliados e eleitores.
Dilma, porém,
tem ganas de poder. Pretende mesmo se reeleger e trabalha intensamente
para isso. Lula sabe disso. Não pode correr o risco de encarnar o papel
de Jasão e reeditar a mítica tragédia grega, com Dilma no papel de
Medeia, a mulher abandonada, disposta a se vingar da traição. É
inimaginável uma disputa eleitoral com Lula candidato e Dilma
contrariada na Presidência, com a caneta cheia de tinta e a alma tomada
pela frustração e pelo ódio. As contradições que isso despertaria,
entretanto, podem ser avaliadas a partir de episódios, como a compra da
Refinaria de Pasadena, nos Estados Unidos, pela Petrobras, que opõem
Dilma e a presidente da Petrobras, Maria das Graças Foster, de um lado, e
Lula e o ex-presidente da empresa Sérgio Gabrielli, de outro; ou o caso
de Rosemary Névoas Noronha, ex-chefe de gabinete da Presidência em São
Paulo e assessora de confiança de Lula, defenestrada por Dilma logo no
começo de seu mandato.
Têm razão, pois, os que trabalham para
manter a candidatura de Dilma colada à imagem de Lula, na esperança de
que essa unidade mantenha o favoritismo da presidente da República nas
eleições deste ano. Por causa do desempenho do governo, é cada vez maior
a possibilidade de a disputa contra o senador Aécio Neves (PSDB-MG) e o
ex-governador de Pernambuco Eduardo Campos (PSB-PE) ir para o segundo
turno. É aí que o “Volta, Lula!” pode despertar as forças poderosas do
Monte Olimpo, mas só há uma hipótese de remover Dilma da disputa pela
reeleição com sucesso — se ela própria matar sua candidatura.
Um comentário:
Brilhante análise, digna de um Azêdo.
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