domingo, 17 de maio de 2015

O socorro vermelho

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 17/05/2015

Em pouco mais de uma década, nosso comércio com a China cresceu quase 20 vezes, seus investimentos já chegam a US$ 28 bilhões. Os chineses desbancaram os Estados Unidos

Um lugar comum dos manuais de gerenciamento de crise é a citação do seu ideograma chinês, que representa também oportunidade. Os chineses levam a sério essa combinação, principalmente quando a crise é dos outros e a oportunidade é, sobretudo, para eles. Não é à toa que o primeiro-ministro chinês, Li Keqiang, desembarca amanhã em Brasília para uma visita oficial, que é aguardada pelo Palácio do Planalto como uma espécie de salvação da lavoura, ou melhor, do governo Dilma Rousseff e de sua fracassada “matriz econômica”.

Não será uma visita trivial. Ela ocorre em momento delicado da vida nacional, com o nosso país mergulhado numa crise tripla — ética, política e econômica —, à beira de se tornar quádrupla, com a social, em razão do desemprego e da inflação. E num contexto mundial em que o eixo do comércio mundial deslocou-se do Atlântico para o Pacífico, protagonizado pela China.

Enquanto a Europa vive uma dramática crise humanitária no Mediterrâneo — a herança colonialista cobra o seu preço —, a China costeia a África e avança pelo Atlântico Sul. Os chineses planejam investir US$ 1,25 trilhão, na próxima década, em várias regiões do mundo. E pretendem replicar na América do Sul a estratégia dos Estados Unidos na Ásia, após a II Guerra Mundial: depois do comércio e dos investimentos, quer suas infraestrutura e logística.

Em pouco mais de uma década, nosso comércio com a China cresceu quase 20 vezes, seus investimentos já chegam a US$ 28 bilhões. Os chineses desbancaram os Estados Unidos e se tornaram o principal parceiro comercial do Brasil. Ao adiar o lançamento do novo programa de concessões de serviços do setor privado para a primeira semana de junho, Dilma abriu espaço para os investimentos chineses no setor da construção pesada, de logística e de energia.

Previsto para ser anunciado na quinta-feira passada, o governo alegou que não conseguiu fechar os principais mecanismos de financiamento do plano. O novo programa de concessões é considerado vital para salvar o modelo de “capitalismo de Estado” adotado durante o governo Lula, após a crise mundial, que entrou em colapso depois que a Operação Lava-Jato implodiu o cartel da propina e de superfaturamento das obras e serviços da Petrobras, formado pelas maiores empreiteiras do país.

Transoceânica
A menina dos olhos de Dilma Rousseff já não é o mirabolante trem bala Rio-São Paulo, que nunca saiu do papel. Agora, passou a ser o projeto de construir uma megaferrovia que ligaria o Atlântico ao Pacífico por meio de uma parceria com o Peru, no valor de US$ 30 bilhões. O candidato a sócio capitalista do empreendimento, digamos assim, é o governo chinês.

Por quê? Ora, a China é o primeiro mercado para as exportações brasileiras, o que garante um lugar cativo para o país como exportador de commodities de minério e de alimentos na nova divisão internacional do trabalho. Segundo um estudo do Conselho Empresarial Brasil-China, os investimentos anunciados no período de 2007 a 2012 atingiram cerca de US$ 68 bilhões, a metade dos quais já em execução.

O suprimento de commodities, como minério de ferro e petróleo, evoluiu para os setores de energia e telecomunicações e chegou ao setor automobilístico e financeiro, com a presença do ICBC, do Banco da China e do Banco da Construção. A China também está de olho nos aeroportos, mas quer rever a sua participação no Galeão, ao lado da Odebrecht, e exige uma participação menor da Infraero nos novos contratos.

Nos próximos anos, a expansão chegará ao agronegócio e à infraestrutura. É o caso da Ferrovia Lucas do Rio Verde-Campinorte que, em seguida, se bifurcará em duas vias, para o escoamento da soja do Centro-Oeste nos portos do Pará e do Espírito Santo. Caso o consórcio sino-brasileiro venha a vencer a licitação, as empresas chinesas terão uma participação em todas as etapas da exportação da soja: a originação do produto, a logística do escoamento, a comercialização e a distribuição na China.