sexta-feira, 24 de janeiro de 2014

Liberais na luta contra a ditadura


Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 24/01/2014
 
Ulysses Guimarães via na aprovação da emenda das eleições diretas o fim do regime militar e, também, um meio de chegar à Presidência da República.

 O resgate da verdade oculta nos porões da ditadura, por meio de pesquisas, reportagens e biografias, vem sendo acompanhado de uma certa glamourização da luta armada contra o regime militar e da superestimação do papel da esquerda na transição à democracia. Isso ocorre, é claro, em razão da ascensão ao poder do ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva, o líder operário que comandou a histórica greve dos metalúrgicos do ABC de 1978, e da presença de uma ex-guerrilheira da Var Palmares Dilma Rousseff na Presidência da República. Na verdade, a força política mais importante na derrota dos militares foi o PMDB, sob o comando de um político liberal, Ulysses Guimarães, que liderou gigantescas manifestações por todo o país em defesa do restabelecimento das eleições diretas para presidente.

A campanha das Diretas Já começou pra valer em 25 de janeiro de 1984 e completará 30 anos amanhã, com o grande comício na Praça da Sé, em São Paulo, convocado pelo então governador Franco Montoro, democrata-cristão de origem, que mais tarde viria a ser um dos fundadores do PSDB. O sucesso do comício, que reuniu 300 mil pessoas, até surpreendeu os caciques da oposição que haviam aderido à campanha em favor da aprovação da emenda Dante de Oliveira, então um jovem deputado do PMDB; Fernando Henrique Cardoso (então no PMDB), Mário Covas (PMDB), Leonel Brizola (PDT), Miguel Arraes (PSB), Lula (PT) e Roberto Freire (PMDB), que já falava abertamente em nome do PCB, representavam a esquerda. O comício de Belo Horizonte reuniu 400 mil pessoas. No encerramento da campanha, os comícios da Candelária, no Rio, e do Anhangabaú, em São Paulo, reuniram 1 milhão e 1,5 milhão de pessoas, respectivamente.
 
Ulysses Guimarães via na aprovação da emenda das eleições diretas o fim do regime militar e, também, um meio de chegar à Presidência da República. O mandato do general João Baptista Figueiredo (PDS) se aproximava do fim. O governador do Rio de Janeiro, Leonel Brizola, chegara a propor sua prorrogação porque o ex-governador de São Paulo Paulo Maluf, então deputado federal, estava em plena ofensiva para se eleger presidente da República no colégio eleitoral como o candidato apoiado pelos militares.
 
O movimento era uma alternativa para unificar toda a oposição, empolgou o país, com a participação de artistas, religiosos e representantes da sociedade civil. Mas, em 25 de abril de 1984, apesar de todo o apoio popular, quando foi colocada em votação, a emenda constitucional das eleições diretas não foi aprovada. Eram necessários dois terços dos votos. Foram 298 votos a favor e 65 contra e três abstenções (outros 112 deputados não compareceram). Para ser aprovada, a proposta precisava de 320 votos. A votação mostrou, porém, que a oposição tinha a chance de derrotar Maluf no colégio eleitoral e contava com inédito poder de mobilização.
 
Tancredo e Sarney

 Logo pós a votação, a imprensa mostrou uma conversa entre Ulysses, Tancredo e o então presidente do PDS, o senador Ernani do Amaral Peixoto (RJ), que havia deixado o antigo MDB na reforma partidária para comandar o partido governista que sucedeu a antiga Arena. Eram velhos caciques do antigo PSD, que sempre jogaram no mesmo time, mas divergiam quanto à melhor maneira de transitar à democracia. Ulysses havia apostado tudo nas Diretas Já, ao contrário de Amaral, que acreditava na eleição do vice-presidente Aureliano Chaves, mas não contava com o apoio de Figueiredo à candidatura de Maluf. A única opção para derrotá-lo era eleger Tancredo Neves no colégio eleitoral.
 
Deu-se início então à campanha de Tancredo, para a qual uma parte da esquerda torcia o nariz. Ex-ministro da Justiça e do Interior de Getúlio Vargas, ex-primeiro-ministro da fase parlamentarista do governo Jango, o governador de Minas era um conciliador nato. Em 1978, antevendo uma transição negociada com os militares, chegara a fundar o Partido Popular com apoio da ala mais moderada do PMDB e de dissidentes da Arena, mas voltou atrás após a proibição das coligações.
 
A campanha de Tancredo trouxe o povo de volta às ruas e consolidou a hegemonia dos liberais na transição à democracia. Foi eleito na Colégio Eleitoral em 15 de janeiro de 1985, tendo como vice José Sarney. Foram 480 votos a favor (sendo 166 oriundos de deputados do PDS), contra 180 dados a Paulo Maluf, candidato do PDS, e 26 abstenções. O PT, contrário à eleição indireta e ao acordo feito com os governistas, optara pela abstenção e expulsou três deputados que votaram em Tancredo: José Eudes (RJ), Bete Mendes (SP) e Airton Soares (SP).
 
Doente, Tancredo não chegou a tomar posse, morreu em 21 de abril, depois de várias cirurgias causadas por uma diverticulite. Símbolo do poder que estava sendo derrotado, quem assumiu o poder foi o vice José Sarney. As eleições diretas para presidente do Brasil só ocorreriam em 1989, após ser estabelecida na Constituição de 1988. Sarney é hoje o político mais longevo em atividade e uma espécie de fiador da aliança do PT com o PMDB.

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