quarta-feira, 15 de janeiro de 2014

A ameaça de "cristianização"

Nas Entrelinhas: Luiz Carlos Azedo
Correio Braziliense - 15/01/2014
Se a eleição for para o segundo turno, a conta do PMDB será muito mais alta. Seus caciques já piscam um olho para Aécio Neves (PSDB-MG) e outro para Eduardo Campos (PSB-PE)
Cristiano Monteiro Machado era um político mineiro de Sabará que fez uma carreira tradicional: foi oficial de gabinete do governador Raul Soares na década de 1920, depois se elegeu deputado estadual e prefeito de Belo Horizonte. Quando estourou a Revolução de 30, então deputado federal, participou da conspiração mineira que ajudou o gaúcho Getúlio Vargas a chegar ao poder. Foi constituinte em 1934 e renunciou ao mandato de deputado federal para ser secretário de Educação de Minas (naquela época o político tinha que escolher, não podia se licenciar do cargo). Quando o Estado Novo foi à breca, filiou-se ao PSD, pelo qual se elegeu para a Constituinte de 1946. Entrou para a história e para o folclore político quatro anos depois, como o candidato traído pelo PSD nas eleições de 1950.

O caso foi o seguinte: em 15 de maio daquele ano, foi lançado candidato à presidência da República; as eleições se realizariam em outubro. A ala getulista do PSD do Rio Grande do Sul, porém, que era favorável à indicação de Nereu Ramos, recusou-se a aceitar a candidatura. A seguir, o Partido Social Progressista (PSP), de Ademar de Barros, anunciou que pretendia apoiar Getúlio Vargas, filiado ao Partido Trabalhista Brasileiro (PTB), cuja candidatura nem sequer havia sido lançada, o que só aconteceu em junho. Mesmo assim, o Partido Republicano (PR) indicou o vice de Cristiano, Altino Arantes, que ainda recebeu o apoio de Hugo Borghi, candidato ao governo de São Paulo pelo Partido Trabalhista Nacional (PTN). 


O desfecho foi este: nas eleições de 3 de outubro de 1950, a chapa Cristiano Machado–Altino Arantes (PSD-PR) concorreu com as de Eduardo Gomes–Odilon Braga (União Democrática Nacional) e Getúlio Vargas–João Café Filho (PTB-PSP), que voltou ao poder pelo voto popular. A transferência dos votos de Cristiano para Vargas, que teve 3.849.040 votos, 48,7% do total dos válidos, foi um “case” de esvaziamento eleitoral, que ficou conhecido no jargão político como “cristianização”. Eduardo Gomes recebeu 2.342.384 votos, 28,6% do total; e Cristiano Machado, 1.697.193, 21,5%. 

Pois bem, o PMDB ameaça “cristianizar” a presidente Dilma Rousseff, canditata à reeleição, que acaba de dar um chega pra lá nos caciques da legenda. Eles reivindicavam um dos três ministérios mais cobiçados pelos aliados do governo na Esplanada: Cidades, Transportes ou Integração Nacional. Dilma disse ao vice-presidente Michel Temer que estão de bom tamanho os cinco ministérios que a legenda já ocupa: Agricultura, Aviação Civil, Minas e Energia, Previdência e Turismo. O peemedebista sempre soube disso, mas está sendo pressionado pelos demais caciques. 


O PMDB funciona como uma confederação de chefes políticos regionais e Temer caiu numa armadilha criada pelo presidente do Senado, Renan Calheiros (PMDB-AL), que pôs na pauta das negociações com Dilma a indicação do senador Vital do Rêgo (PMDB-PB) para o Ministério da Integração Nacional. O PMDB aceitaria qualquer outra pasta, mas mesmo assim Temer ficou com o mico na mão. Dilma não tem como entregar mais um ministério ao partido sem lotear de vez o seu governo entre os demais aliados.

Outros micos são demandas eleitorais, como a do Rio de Janeiro, onde o PMDB exige a remoção da candidatura do senador Lindbergh Farias (PT-RJ) e o apoio dos petistas a Luiz Fernando Pezão (PMDB), vice do governador Sérgio Cabral (PMDB). Ambos são aliados de primeira hora de Dilma Rousseff. O alto comando petista não abre mão da candidatura própria e trata Pezão como cachorro morto, mas levou uma invertida de Cabral, que abriu mão da candidatura ao Senado para compor a aliança e pretende tratar do assunto diretamente com o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. 


Outro aliado de primeira hora que também anda rangendo os dentes no Nordeste é o senador Eunício de Oliveira (PMDB-CE), candidato ao governo do Ceará. Ele não se opõe a que Cid Gomes, governador do Ceará, ocupe uma cadeira na Esplanada, mas não abre mão do apoio do PT à candidatura a governador, o que é difícil de acontecer. Há muita confusão também em Minas e no Rio Grande do Sul, sem falar na Bahia e em Pernambuco, onde o PMDB tomou outro rumo faz tempo.

No Palácio do Planalto, o PMDB é considerado um “tigre de papel”, para usar uma expressão de Mao Tsé Tung ao se referir ao poderio atômico dos Estados Unidos em plena “Guerra Fria”. A falta de unidade e o fisiologismo enfraquecem a PMDB nas negociações com o Palácio do Planalto, é verdade. Esse tipo de avaliação em épocas eleitorais, porém, pode ser um erro crasso. Seus caciques são sobreviventes de muitos embates e costumam “cristianizar” candidatos sem dó nem piedade quando estão eles em dificuldades. 


Foi o que aconteceu com o deputado Ulysses Guimarães, em 1989, quando apoiaram Fernando Collor de Mello, e com o ex-governador paulista Orestes Quércia, em 1994, quando ajudaram a eleger Fernando Henrique Cardozo. O mesmo aconteceu com José Serra (PSDB) em 2002, quando muitos apoiaram o ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva. Dilma leva a vantagem de estar no poder, mas tudo dependerá do ambiente eleitoral; se a eleição for para o segundo turno, a conta do PMDB será muito mais alta. Seus caciques já piscam um olho para Aécio Neves (PSDB-MG) e o outro para Eduardo Campos (PSB-PE).

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